Capítulo dois

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  Viu seu próprio reflexo no espelho e engoliu em seco, sentindo como se estivesse engolindo agulhas. Seus lábios sorriram, mas ela não queria rir. Era um sorriso nervoso, de desespero, até que se tornou uma risada incontrolável, trazendo lágrimas para seus olhos, os deixando ainda mais incrivelmente verdes. Não era como se não gostasse do que via, sua aparência externa era linda. Seus cabelos alaranjados, com cachos perfeitos, destacava ainda mais sua pele branca e seus lábios rosados. Tinha uma aparência invejável, uma elegância admirável, uma coroa repousava com classe sobre sua cabeça. Mas ainda assim, não se sentia bonita, pois não estava levando a vida que queria levar. Não estava feliz. Ela, Mia Stone, ou Mia Tate, só queria voltar para a terra, reencontrar seus amigos, seu pai adotivo e terminar o seu ano letivo.

  A guerra contra a Fada negra havia acabado, mas aquilo não significava que os obstáculos parariam de vir. Na verdade, eles vinham com cada vez mais frequência e em alta velocidade. Agora era ela quem ditava as regras, era ela quem resolvia todos os problemas e carregava em suas costas, o fardo de manter um reino inteiro em ordem, seguro e feliz. O povo Encantado, contava com sua adorada princesa e depois dos ataques de Thea, havia muita coisa para ser reconstruída, feita e colocada em ordem. A magia havia restabelecido a beleza do lugar, mas como todo reino, aquele, tinha sujeiras por debaixo do tapete.

  Ser uma princesa, era seu sonho desde sempre, ela deveria estar entusiasmada. Mas não estava. Pois nada era como havia sonhado, a realidade se parecia em poucas coisas com o conto de fadas perfeito que quando menina, havia almejado. Não que ela não amasse tudo aquilo, ser uma princesa e uma fada, era demasiadamente agradável. O seu povo era doce e amável, mas ela era só uma adolescente de dezessete anos, com tantas coisas para viver, que estar naquele mundo de fantasia, parecia mais com estar presa a uma gaiola, e ela, queria tanto ser livre...

  - Mia... - Cassandra abriu a porta mas se calou ao notar o estado de sua melhor amiga. Ela parou e suspirou, caminhou até a garota e virou-a delicadamente em sua direção. Mia continuou parada, chorando baixinho. A loira começou a desgrudar carinhosamente os cabelos que por conta do choro, se colocaram em sua face. - Você sente saudades de casa, não sente? - quis saber de forma paciente e em um tom compreensível.

  - Eu não estou preparada para isso, Cass... - Disse chorosa, após balançar sua cabeleira de um lado para o outro. - Não estou pronta.

  - Tudo bem. Podemos ir para casa quando você bem entender. - garantiu, em consolo. Tentando secar as lágrimas da amiga com seus dedos de unhas enormes e vermelhas. Apesar de ser a menos sensível da dupla, também estava instável por conta dos acontecimentos do último mês. - Sua missão era deter Thea. Ela não é mais uma ameaça, certo?

  - Ainda existe muitas coisas a serem feitas, Cass. - ela deu de ombros, tristemente, como se a questão estivesse fora de seu controle. Ela era só uma marionete. - Não posso deixa-los desamparados.

  - Você não precisa. - a jovem loura disse em tom misterioso e a facilidade com as quais as palavras venho aos seus lábios, fez Mia perceber de que ela já havia pensado naquilo antes. - Se acordarmos sua mãe, ela reivindica o trono e...

  - Nós podemos voltar para casa! - em êxtase, ela completou a fala da amiga, conseguindo entender perfeitamente aonde ela queria chegar. E aprovando, sobre tudo, aquela ideia.

  - Pode não ser fácil. - Sua amiga disse de forma cautelosa, tentando não ser estraga prazer mas tendo medo de toda aquela animação que amiga estava colocando em algo que podia não se concretizar- Seus pais estão dormindo a anos, Mia... Se fosse fácil trazê-los de volta, já o teriam feito.

  - Pensei que você não negasse um desafio. - Ela deu um passo para trás e empinou um pouco seu nariz, em uma postura tipicamente desafiadora. Sua postura era realmente de alguém da realeza, assim como suas vestes que agora, variava entre os mais belos e deslumbrante vestidos.

- Temos uma aventura e tanto pela frente. - Cassandra jogou seus cabelos que estavam um pouco mais longos, para trás. Aceitando com um sorriso travesso, o desafio. Por um momento, ela era aquela patricinha ousada de Happy City. Aquela corajosa e destemida.

  - Avalon, convoque uma reunião com o conselho. - Por sobre os ombros, mais animada do que estiverá em dias, Mia gritou para o segurança que ficava de guarda em sua porta.

  Como a ordem de uma rainha, a sua foi mais do que rapidamente acatada. Tão rápido quanto ela exigirá a reunião, ela acontecerá. E nem mesmo dez minutos depois do solicitado, a fada ruiva respirava fundo em frente as enormes portas douradas que guarda a sala do conselho real. A tensão pesava em seus ombros e o silêncio era perturbador. Parecia tão mais fácil quando o plano era somente entre ela e sua melhor amiga Cassandra.

  Suspirou fundo e com toda elegância empurrou as pesadas portas, que se abriram com facilidade para a sua entrada. Como uma mulher poderosa, Mia manteve sua pose, a cabeça erguida, os olhos intimidantes. O vestido lhe deixava séria e responsável, mas no fundo, ela ainda era a mesma menina que usava rosa em todos os looks e um arco no lugar de uma coroa. Uma vez rainha de Happy City, e agora, de um verdadeiro Reino encantado.

  - Mandou nos chamar, alteza? - Um dos conselheiros, o que mais demonstrava uma aceitação negativa diante da jovem, disse de forma formal. Tobias e todos os outros estavam em pé ao lado de suas respectivas cadeiras, os braços atrás das costas em demonstração de respeito. Apesar disso, o desprezo era mais do que visível no tom do homem.

  - Tenho algo importante para anunciar. - disse-lhe a jovem princesa, cruzando suas mãos sobre a mesa e relaxando seu corpo na cadeira que tão gentilmente, um dos conselheiros puxou para que ela sentasse.

- Já tem ordens para dar? - Em sua voz, Tobias utilizava do afronte, ele se inclinou um pouco para frente. Suas mãos também estavam cruzadas e seus olhos de uma tonalidade escura, se cravaram no dela enquanto o mesmo depositava sobre Mia, toda sua atenção. - Não demorou muito para que você trouxesse exigências, não é mesmo?

  - É as vantagens de ser a herdeira do trono Encantado. Bem, eu fui coroada, conselheiro. Não há mais nenhum pretexto para não exercer o meu título.- Mia se apoiou ainda mais, o encarando de olhos cerrados, mordendo suas bochechas de raiva e revidando as alfinetadas que ele lhe dava.

  - Então nos diga, no que podemos ajuda-la? - havia tanta raiva nos olhos de Tobias, que ficava evidente para todos que ele invejava o cargo de Mia. Ele era machista, o tipo de homem que se recusava a ter uma mulher como sua superior, ainda mais sendo ela uma menina de dezessete anos. Mas nada do que fizesse podia lhe dar o trono que por direito era de Mia.

  - Eu... - ela abriu e fechou sua boca, sem conseguir prosseguir com todos aqueles pares de olhos sobre ela. - Eu quero despertar os meus pais.

  - É impossível. - Tobias declarou, sem a menor cautela, ou cuidado com os sentimentos da menina. Sem ligar para o fato dela ser só uma garota querendo conhecer seus pais biológicos.

  - Até dois meses atrás, fadas, bruxos e magia, era impossível para mim. - Mia cruzou seus braços, com o olhar pacífico. Diferente do de Tobias, que não era nada amigável. - Então creio eu, que toda magia tem uma brecha. Acharemos a brecha para o sono profundo dos meus pais.

- Escuta. - O conselheiro inspirou e suspirou, tentando controlar sua paciência. Depois fez gestos com a mão, como se falasse com uma criança de dez anos. Era assim, que ele via sua alteza. - Esse não é o conto da Bela adormecida, princesa, um beijo de amor verdadeiro, não vai acordar os seus pais. Nada vai.

  - Na verdade, tem um jeito, sim. - O mais idoso do conselho, disse, tão logo as esperanças de Mia começavam a se esvair. Toda atenção foi para o senhor de pelo menos, sessenta anos. - Dizem, que em um reino muito distante daqui. Um reino, denominado Reino congelado, existe uma cura. Capaz de tudo, menos trazer alguém de volta a vida. Mas como tecnicamente o rei e a rainha não estão mortos, então existe dez por cento de chances que de certo.

  - Vocês querem pedir ajuda para as Fadas do inverno? - Conhecendo o tal reino mencionado, Tobias se alterou, erguendo não só seu tom de voz, como também o seu corpo. Diferente do velho, ele não queria dar esperanças, ele queria rouba-las.

  - Se isso tem dez por cento de chances de trazer os meus pais de volta, sim! Pediremos ajuda para as Fadas do inverno. - Mia se obrigou a erguer o seu corpo e também sua voz, assumindo seu papel como autoridade. - Preparem os cavalos, hoje pela madrugada, minha melhor amiga, eu e meu guardião, iniciaremos uma nova aventura!

(CONTINUAÇÃO) Encantada - O reino amaldiçoadoOnde histórias criam vida. Descubra agora