Capítulo XIV

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De tarde, depois que comprei o almoço de Yasmin, ela esqueceu completamente que estava com raiva de mim e seguimos com nossa jornada de trabalho. Yasmin era fácil de perdoar. Já para Nando eu tinha que me esforçar um pouco mais. Passei em um mercado e comprei ingredientes para fazer biscoitos, do tipo cookies americanos. Eu sabia que ele amava cookies, mas amava mais ainda quando eu dava uma de dona de casa.

Como previsto, ele chegou me abraçando por trás enquanto eu lavava umas travessas sujas, todo contente.

— Que cheirinho gostoso! — Ele me deu um beijo e um buquê de rosas vermelhas. — Desculpa pelo meu comportamento de ontem.

Por essa eu não esperava. Não era eu que estava toda errada nessa história? Bom, ele foi bem escroto também, então aceitei as flores.

— 'Magina, meu amor. Eu quem fui completamente irresponsável. Tô fazendo biscoitos pra pedir desculpas também. — falei enquanto colocava as rosas em um vaso. — Não quero que a gente case zangado um com o outro.

Fernando me puxou para um beijo mais longo. Eu sentia como se estivesse beijando um completo estranho. Quando foi que o beijo dele deixou de ser familiar?

— Eu tenho uma notícia meio chata pra contar. — Nando ainda me segurava pela cintura. Sua cara não era das melhores. — O padre Isaque ligou para mamãe hoje e disse que não vai poder celebrar nosso casamento.

— Por quê?! — perguntei um pouco mais alto do que deveria.

— Motivos pessoais. Ele não especificou, mas acho que deve ter acontecido alguma coisa com algum familiar dele. — Eu devo ter feito uma cara muito desolada, porque Nando me abraçou apertado. — Não precisa ficar preocupadinha, não. A gente já tem outro padre pronto para tomar o lugar do padre Isaque. O casamento vai seguir normal, amor.

Pus um sorriso falso no rosto para tranquilizá-lo, mas eu não estava nem um pouco contente com essa história. Isaque não iria escapar assim tão fácil.

Uma da madrugada. Nando tinha sono pesado e eu planejava voltar antes de ele acordar, como havia feito da primeira vez. Eu esperava que Isaque estivesse em sua casa, mas quando passei pela igreja, ela ainda estava com as luzes acesas. Eu me casaria no dia seguinte. Seria bom tirar a sexta para descansar antes do grande dia. Mas não. Lá estava eu de volta ao lugar onde tudo começou e onde tudo terminaria.

Entrei devagar. Isaque parecia estar rezando, igual àquela noite em que eu havia chegado meio bêbada. Mas estava sentado ao invés de ajoelhado. Fui chegando mais perto. Ao invés de estar com o terço na mão, ele segurava uma garrafa de vinho da mesma marca que eu havia comprado. Seu rosto, ao invés de sereno e calmo, estava tensionado e molhado com suas lágrimas. Seus lábios não se moviam tão rápido, não era uma oração decorada. Ele parou. Respirou fundo.

— Ó, Pai! Eu sinto o perfume dela agora mesmo — ele disse.

— Meu perfume?

— Puta que p...

— Olhe o respeito! A gente tá na casa de Deus — brinquei.

Assim como naquela noite, ele levou a mão ao peito, afetado pelo susto. Mas não parecia ter um senso de humor.

— Eu não vou casar você e Fernando — foi direto ao ponto.

Sentei ao lado dele. Segurei seu rosto e o enxuguei com o polegar. Eu nunca o vi tão abatido.

— Desde que eu virei padre, eu terminei meu mestrado, meu doutorado, escrevi três livros sobre filosofia e fé, dei palestras, ajudei um número incontável de pessoas! — ele disse tudo de uma vez, sem pausa. Então ficou um tempo quieto. Seguiu falando mais devagar, inseguro. — Estava tudo dando certo... Eu achava que sabia de tudo... Ou ao menos o suficiente para lidar com algo assim. — Isaque levou o vinho aos lábios, mas eu tomei a garrafa antes que ele pudesse beber e deixei-a a uma distância segura. Ele sorriu, ainda cheio de dor em seus olhos. — Você tinha razão. Eu sou covarde.

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