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A linda floresta além dos muros do castelo me encantava. Em meus desejos e sonhos mais íntimos desejava me aventurar por além daquele muros, especificamente pela floresta.
Suspirei cansada. Não fazia ideia de como minha mãe gostava de viver ali, sempre mantinha um sorriso alegre em seu rosto. Como conseguia?
Muitas vezes me sentia um pássaro enjaulado, apenas desejando ser solta por uma alma caridosa.
- Princesa Julietta?
Não precisei me virar para saber que Hera estava no quarto juntamente de Agnes e Micaela. O meu trio de criadas escolhido a dedo pelo meus pais, mas diferente de tudo que era escolhido para mim, essa era uma das poucas escolhas que eu amava. Tinha as três como minhas amigas mais intimas.
- Sim?
- A rainha mandou-nos para aprontá-la.
- A família real Lambert está próxima. – Agnes completou a fala de Hera, seu tom animado me fez sorrir.
Agnes adora o palácio cheio, por mais que fosse proibida de festejar e interagir com os convidados.
Sem contraria-las, deixei que me vestissem. Um lindo vestido azul de mangas compridas, e detalhes bordados à mão pelo trio. Micaela precisou ajustar o vestido ainda mais em meu corpo. As mulheres não disseram nada – nem se quê podiam falar nada – mas me lançaram diversos olhares reprovadores, sabiam o motivo pelo qual estava emagrecendo, e todas elas odiavam isso.
- Ficou divino. – elogiei assim que vi o trabalho delas em meu corpo.
Tinham ‘mãos de fadas’ como mamãe costumava dizer. Tudo que tocavam ganhava uma beleza extraordinária, e eu claro, não perdia a chance de sempre elogiar o trabalho.
O trio permaneceu calado mas em seus rostos um belo sorriso permaneceu. Não sabiam como lidar com elogios, por mais que eu os fizesse sempre elas ainda não haviam se acostumados.
- É melhor a senhorita descer, seus convidados já devem estar no castelo.
Forcei um sorriso.
Me retirei do quarto, sendo seguida de perto por elas, que trocaram de lugar com um guarda instantes depois.
Ao entrar no grande salão de festas, me deparei com meus pais. Ambos muito bem arrumados, mamãe mantinha seu belo sorriso no rosto.
Quando fosse rainha precisaria fazê-lo também?
Permanecer com um sorriso no rosto sempre me pareceu cansativo. Nas poucas vezes que recebíamos visitas, eu odiava, ter que sorrir para os convidados era cansativo.
Me juntei aos meus pais ao ver os guardas se alinharem no corredor. Eles haviam chego.
Não sabia muita coisa dos Lambert, apenas que eles tinham uma bela coroa na qual meu pai estava interessado, mas não fazia ideia de como ele pretendia conseguir.
Soube no instante que as portas se abriram o que aquilo significava. Não seria apenas uma visita dos Lambert à nossa, seria uma possível aliança entre os reinos. E a “moeda de troca” seria eu.
Por dezessete anos não havia me preocupado em arrumar um marido. Mamãe sempre me garantiu que eu faria isso quando sentisse a necessidade, e quando meu coração gritasse por amor. Mas lá estava a prova que meu pai descordava dela, ele iria me casar por um benefício próprio.
Tentei me convencer que não seria isso, que eles estavam ali apenas para festejar um pouco conosco.
- Lambert! Como é bom vê-los.
Me perdi de todos naquela sala, não desejava fazer sala para ninguém, eu nem mesmo os queria ali. Bufei discretamente.
Poderia estar ajudando Simon à escrever cartas para sua família, ou apenas ouvindo Hera, Micaela e Agnes fofocarem sobre o que estava acontecendo na cozinha do palácio. Eu admirava esses momentos, era apenas neles que eu me sentia mais eu.
- Julietta!
Me sobrepus ao ser chamada. Todos me olhavam atentamente. Senti minha pele queimar, a quanto tempo papai me chamava?
- Sim?
- Venha cá, quero que conheça o príncipe Micael.
Forcei o sorriso antes de me aproximar de meu pai e os dois visitantes que o acompanhava.
- É ainda mais bonita pessoalmente. – o príncipe soltou, com um sorriso.
Quis soca-lo, mas a frase dita por ele me chamou a atenção. “mais bonita pessoalmente”? Quando havia visto uma foto minha? Por mais que eu fosse da realeza, não costumava aparecer nos jornais e revistas do reino. Para ser sincera, nunca me senti bem o bastante em fotos, então pedi para meu pai que nos mantivéssemos em “segredo” até minha coroação. Ele aceitou sem muito esforço, gostou da ideia de se manter o foco do nosso povo por um tempo ainda.
- Poderia me mostrar o castelo?
Olhei com desdém para o príncipe.
- Creio que meu pai possa fazer isso.
- Julietta! – me repreendeu. – Mostre ao menos o jardim para o príncipe Micael.
Não poderia recusar, não na frente dos nossos convidados.
- Claro pai. – Sorri. – Podemos?
Apontei com a cabeça para a porta no fim do corredor.
- Estarei logo atrás de você princesa.
Após me virar de costas para ele, revirei os olhos. Simon que fazia guarda na porta prendia a risada, ele sabia o quanto eu odiava aquelas visitas, ainda mais as que eu precisava fazer sala.
- Princesa Julietta. – Fez uma breve reverencia. – Devo acompanhá-los?
- Não acho...
- Por favor soldado Bonnet. – cortei a fala de Micael. Meu reino, minhas regras.
Simon abriu a porta para nós, falou algo para outro guarda e pôs a nos seguir.
O jardim era uma das minhas partes favoritas no reino, mas naquele momento eu estava odiando aquele lugar. Micael fez parecer o lugar mais horrendo possível após ver alguns dos criados e guardas, circulando por lá livremente.
- Creio que vocês não tinham noção daquilo. – o nojo em seu tom de voz era nítido. Não teria entendido o que ele dizia se não tivesse apontado.
Havia sido a gota da água para mim. Repassei mentalmente a planta do castelo, pensando qual o caminho mais rápido para as celas subterrâneas, e qual seria minha desculpa perfeita para dizer ao rei Mark e a rainha Della que seu filho havia se afogado no lago. 
Era um plano perfeito, e sabia que teria a ajuda de Simon mas não poderia fazer aquilo, ainda não ao menos.
- Me perdoe príncipe Micael mas não me sinto tão bem, acabei por pular o café da manhã, se me der licença irei voltar à meu quarto.
- Claro, quer que eu à acompanhe?
- Não é necessário, continue o passeio pelo jardim, o soldado Bonnet irá acompanhá-lo.
Sai antes que pudesse obter algum tipo de resposta. O que eu mais queria naquele instante era distância da família Lambert, nada contra ao rei e a rainha, muito menos com as três filhas deles, apenas não conseguia ficar parada junto à eles, enquanto tomam a decisão sobre meu futuro.
Adentrei o castelo pela cozinha. O cheiro delicioso do lugar me fez sorrir, lembrava perfeitamente bem das tardes que fugia de minha mãe e de todas as tarefas chatas, apenas para ficar ali vendo os cozinheiros trabalharem. Acabei fazendo amizade com Tommy e sua filha Loretta, na maioria das vezes que escapulia para cá, acabava suja de farinha e farta de tanto comer.
- Jul! – Loretta gritou ao me ver.
Corri para abraça-lá.
- Quanto tempo a vossa majestade não aparece por aqui.
Suspirei envergonhada, mesmo sabendo que a garota em minha frente estava apenas brincando.
- Difícil fugir de Magno Bourgeois e suas diversas tarefas.
- Você costumava fugir antes.
- Farei mais vezes, ainda mais com a família Lambert aqui.
- Temos visitas? Deus, como ninguém me avisou antes? Papai irá surtar quando souber, precisamos aumentar a quantidade dos alimentos. – suspirou.
Passei à observar Loretta, que gritava ordens para os outros. Por mais que tivéssemos a mesma idade, ela parecia ser muito mais velha, as olheiras embaixo de seus grandes olhos de amêndoas estavam enormes. Algumas rugas já lhe tomavam uma parte do rosto, quando ela havia envelhecido tanto? Quis perguntar mas me contive.
- Desculpa Jul, gostaria de podermos conversar mais, porém papai está indisposto hoje e com convidados no castelo, preciso me desdobrar aqui. – suspirou. Parecia cansada. – Volte mais vezes, adoraria falar com você novamente.
Sorri.
- Voltarei antes que possa sentir minha falta.
Ela riu.
- Aparentemente não sairá daqui.
Sorri, antes de vê-la voltar para as enormes bancadas do lugar.
Pensei em voltar para meu quarto e sustentar a mentira que inventei para Micael, mas o dia estava bonito demais para me trancar lá.
Sai novamente para o jardim, dessa vez segui em direção ao celeiro. Me alegrei ao encontrar Ramon ali.
- Como seu pai está? – Perguntei ao me lembrar de Karl Colin, que foi afastado de seus serviços por questão de saúde.
- Irado, ele não aceita o fato de ter que permanecer em repouso. – Ramon afagou um dos cavalos. – E como a senhorita está?
- Como seu pai. – suspirei. – Creio que já saiba dos visitantes.
- Meu trabalho é saber quem entra e sai desse castelo. – zombou.
Só então me dei conta que Ramon usava roupas simples invés do tradicional uniforme de guarda. Era seu dia de folga, conclui.
- Não deveria estar fazendo sala para os convidados?
Dei de ombros.
- Sim.
Observei os cavalos. O senhor Colin havia me ensinado a cavalgar dês de que era pequena mas nunca pude ir além do Jardim do palácio, e naquele momento eu estava tentada a sair.
- Ramon.
- Sim?
- Se não tiver notícias minhas até o jantar, acione os guardas.
- O que você vai...? – Me encarou por alguns instantes, se dando conta do que eu faria após me ver montando a Tempestade. – Julietta, não deveria fazer isso, você não faz ideia do que tem fora desses muros.
- Aparentemente irei descobrir, me empresta seu casaco?
O rapaz me entregou o que pedi, devia estar confuso se era uma ordem ou apenas um pedido.
- Tome cuidado.
Sorri em resposta.
Tempestade era rápida, e em poucos minutos já adentrávamos a enorme floresta após o castelo. Nossa muralha não se estendia por toda floresta, apenas uma pequena parte mas ao longo dos anos uma grande parte do muro se rompeu. Sempre me perguntei o motivo por nunca termos arrumado ela, mas assim que sai pela muralha, soube o motivo.
A floresta era completamente fechada, provavelmente poucas pessoas se aventuravam por ali, e eu aparentemente era uma delas. Não negarei o quão assustada eu estava, mas não voltaria ainda, queria aproveitar a sensação de ser livre por algum tempo.
Cavalguei com Tempestade por minutos, e sabia que estávamos bem longe do castelo. Ao longe conseguia ver como se fosse uma luz no fim do túnel. A floresta se abria, ou melhor dizendo, “acabava". Um enorme penhasco estava em minha frente, e olhando pelo horizonte daquele lugar, era possível visualizar a cidade inteira.
Estava encantada com aquela vista. Do castelo era possível ver apenas pequenos pontos de luzes à noite, nada a mais.
Me sentei ali para admirar a paisagem e deixar Tempestade descansar por alguns minutos.

Doce JuliettaOnde histórias criam vida. Descubra agora