Capítulo 7 - O Vilarejo Monter

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Logo após os discursos dos dois líderes da Companhia Dourada, Feel seguiu conforme as orientações. Ao lado dele os outros dois antigos companheiros de cela o acompanhavam.

A sua esquerda era uma mulher tão pequena quanto o prisioneiro doze, que havia sido levado pelo Guinder. Ela possuía um porte físico forte, expressões ranzinzas e cabelos longos, escuros e encaracolados.

A sua direita, havia um homem um pouco maior que Feel, cabelo cortado bem baixo e castanho, porte médio com um pouco de gordura e expressões de quem estava assustado.

Ao longo do percurso até o refeitório, nenhum dos três fez sequer um comentário.

Enquanto caminhava, Feel observava todo o vilarejo. Era tudo muito lindo. Diversas casas espalhadas pela planície, todas com praticamente o mesmo tamanho e construídas usando madeira. Nenhuma estava com a porta fechada e todas possuíam redes penduradas nas varandas.

Ao decorrer do caminho, Feel passou por alguns lugares que pareciam lojas, pois a estrutura era diferente das casas e muitas pessoas estavam em seus interiores.

Perto do refeitório, ele avistou uma construção com uma quantidade enorme de cervos mortos ao lado de fora e sendo carregados para dentro. Provavelmente, a alimentação daquele povo era carne de animais caçados no bosque.

O refeitório era simples e ao mesmo tempo extraordinário. Na sua varanda, por volta de cem redes estavam penduradas nas pilastras de madeira que seguravam o teto. Algumas pessoas já descansavam ali. Feel não entrou no interior da construção, mas percebeu que era um salão gigante parecendo uma taberna, onde era servido comida e bebida. Avistou muitas pessoas bebendo, parecendo felizes e de bem com a vida.

As roupas foram entregues aos três. Após entregá-las, Tireti mostrou onde ficava localizado o mar. Logo depois, os três seguiram para o destino apontado por ela.

"Que visão maravilhosa", pensou Feel ao avistar o mar que banhava a costa leste do vilarejo. Realmente, não é todo dia que temos a oportunidade de ver um lugar tão bonito assim. Um mar limpo, com poucas pessoas nadando e por volta de cinco barcos saindo da costa com destino ao interior do mar.

No céu, haviam muitas aves voando. No interior do mar, Feel avistou alguns grandes peixes pulando para fora da água e caindo novamente para dentro.

O banho foi rápido, porém, muito confortante e renovador. Logo depois, Feel voltou para o refeitório e, sem conversar com ninguém, deitou em uma das redes. O cansaço tomou seu corpo, lhe dando um sono renovador.

***

Feel nem imaginava quanto tempo havia passado, mas ao acordar percebeu que já era quase noite. Ao levantar da rede, ele avistou os outros dois antigos prisioneiros conversando com Tireti. Então, Feel caminhou até eles.

– Dormiu bem? – Tireti perguntou a Feel.

– Era tudo o que eu precisava. Muito obrigado por tudo – Feel agradeceu não só por libertarem ele, mas também por oferecerem um local para dormir.

– Estávamos esperando você. Preciso apresentar brevemente o vilarejo para vocês, caso queiram ficar, é claro. Logo mais tarde, teremos uma festa muito legal. Estamos comemorando o décimo aniversário desde que Brooke chegou aqui, não é demais?

Todos os três permaneceram em silêncio. Os dois colegas de Feel pareciam admirados por estarem na presença da Jovem Maga de Stirem, enquanto Feel nem sabia o que isso significava, mas mesmo assim, ele estava admirado com a beleza dela.

– Vocês já devem ter percebido que Brooke é o líder daqui! Não é rei e nem imperador, não impõe ordem e não manda. Ele é o nosso líder. Recorremos a ele quando precisamos de algo. Eu sou uma amiga dele, ajudo-o em tudo o que ele precisa. Nas raras vezes que ele não está aqui, eu substituo o posto de liderança dele.

A maga olhou para o vilarejo e continuou explicando:

– Nós vivemos em paz. Monter nunca conheceu violência. Aqui, existem agricultores, pescadores, caçadores, carpinteiros, artesãos, professores e guerreiros. Com o tempo, vocês poderão explorar cada canto daqui. Como vocês sabem, eu sou uma maga e, dentro das minhas habilidades, sou especialista na arte do controle da força da natureza – Feel não sabia o que isso significava. Mas, a maga retornou explicando – consigo me comunicar com a natureza e controlá-la por um tempo. Isso inclui plantas e animais, por exemplo. Sou como uma amiga deles. Todos os dias, pela manhã, eu comunico com o Bosque de Réus e consigo saber todos os seres que estão lá. Quando encontro guerreiros do Império, eu aviso Brooke.

A maga olhou mais uma vez nos olhos dos três e continuou a explicação:

– Eu consigo detectar se existem prisioneiros com os guerreiros do Império. Se sim, nós vamos até eles e fazemos tudo o que vocês assistiram ontem. Os arqueiros da Companhia Dourada são os melhores de toda Stirem e conhecem o bosque como ninguém. Eu também possuo, com menos habilidade do que a outra que contei para vocês, o conhecimento na área de conjuração de elementos básicos. Então, eu posso conjurar água e fogo... em suas devidas proporções, é claro. Diante disso, o fogo que vocês viram nas flechas era o fogo que eu conjurei.

Feel já estava encantado e ao mesmo tempo assustado com o tamanho poder daquela mulher meiga e doce. Ele já havia percebido que havia uma mulher extremamente forte por trás de toda aquela beleza.

– O Bosque de Réus é um lugar peculiar. O fogo, por si só, não se alastra lá. A floresta não permite isso. Então, eu preciso sempre me comunicar com ela e explicar, do meu jeito, que é para um bem maior. Assim, consigo alastrar o fogo, causar fumaça e domar a floresta para facilitar as fugas dos prisioneiros.

Agora, Feel conseguia entender o porquê da posição da maga com as mãos no solo da floresta no primeiro momento que a viu. Ela continuou:

– Antigamente, nós combatíamos os guerreiros do Império e conseguíamos derrotá-los. Infelizmente, Guinder passou a comandar a operação e as coisas estão cada vez mais difíceis. Quando tentamos combatê-lo, ele provou ser um guerreiro muito forte e não conseguimos vencê-lo. Tivemos sorte de sair com vida do confronto. Tivemos mais sorte ainda de Guinder não descobrir a localização desse vilarejo. Então, depois disso, decidimos armar planos para salvar os escravos, sem preocupar em combater os guerreiros do Império. Estou feliz por vocês estarem aqui, mas saibam que queremos sempre salvar todos.

Por fim, ela suspirou e continuou:

– No momento, aqui é um lugar escondido. O Império não conhece esse vilarejo. Ele não está no mapa. Estamos crescendo sem consentimento do imperador. Se eles souberem, vão acabar com a gente. Então já aviso, se não forem ficar aqui, tenham gratidão e não nos denunciem.

Mais uma vez, a maga fez uma leve pausa e finalizou em tom de desabafo:

– Dois anos atrás, eu passei pela mesma situação que vocês. Fui salva pelo Brooke e devo minha vida a ele. Sei que vocês estão confusos e cansados. Tenham paciência. Ele vai conversar com vocês esta noite. Entendam que hoje é um dia especial para todos da vila. Comemorem com a gente, participem da roda de dança, bebam uma cerveja ou um vinho e comam carne à vontade. Os monterianos sabem fazer uma boa festa. Quando for o momento certo, Brooke irá conversar com vocês. Alguma dúvida?

"Tenho várias", pensou Feel. Mas ele se manteve em silêncio igual seus dois companheiros.

As Memórias do Herdeiro - A Crônica do Descobridor de Reinos - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora