Capítulo 35 - O Retorno

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Mesmo morando desde seu nascimento em Stoneme, ao entrar na cidade, parecia que tudo era novo. Depois de tudo o que Sofie passou, da decepção, do sofrimento, do confinamento e da breve escravidão, ela sentia que havia recebido uma nova chance de retomar sua vida em Stoneme.

Ainda assim, era necessário conversar com seu pai, o próprio rei da cidade, e explicar o motivo de sua partida. Ela sabia que isso seria uma conversa imprevisível e o resultado seria incerto.

Ao chegar na cidade, ela foi bem recebida pelos guerreiros que protegiam os portões de entrada. Todos ficaram felizes ao reverem a líder do exército e perceberem que ela estaria de volta ao reino.

Exausta de tudo o que vivera nos últimos dias, Sofie procurou inicialmente sua casa, se banhou e seguiu para o castelo. Por ser filha do rei, sua passagem era irrestrita e ela podia se mover por todos os lugares dali. Ao andar por entre as ruas, Sofie sentia-se em casa por respirar novamente os ares daquele local.

Porém, a felicidade dela de receber uma nova chance durou pouco. Ao entrar no castelo, percebeu que havia algo diferente naquele lugar. Toda a vida e felicidade que havia ali, parecia ter desaparecido desde sua partida.

Sua maior surpresa foi quando recebeu a notícia que sua mãe e rainha estava acamada. Diante disso, toda sua felicidade foi substituída por aflição e desespero. "Como pode minha mãe acamada? Ela era a pessoa mais viva do reino!".

Apressadamente, Sofie subiu os degraus do castelo e se dirigiu ao quarto do rei. Para mais uma surpresa, a guerreira encontrou sua mãe realmente acamada, todavia seu pai não estava ali cuidando da rainha. "Meu pai a amava, como ele não está aqui?".

Tentando entender o que estava acontecendo, Sofie se dirigiu até a cama, sentou ao lado de sua mãe e lhe tocou o rosto. Ao receber o carinho da filha, a rainha abriu lentamente os seus olhos e fitou a figura de sua filha.

– Eu sabia que você voltaria, filha – a rainha falou em um tom doce de quem recupera o bem mais precioso que tinha.

– Eu sinto muito! Eu não estava aqui quando você mais precisou de mim! – Sofie sentia-se mal pela ausência em um momento que a mãe estava doente.

– Você é forte, Sofie. A pessoa mais forte que conheço. Preciso que você tenha essa força agora também! – a rainha falava enquanto mantinha uma feição de quem sofria com algo.

– Mãe, o que a senhora tem? É grave? Os curadores já vieram aqui? – a preocupação de Sofie aumentava a cada fala da mãe.

– Não sou eu, querida. Eu estou bem.

– Graças aos deuses. O que é então, mãe? O que aconteceu?

– Seu pai, Sofie. Desde sua partida, ele teve uma forte depressão. Por mais que ao longo dos anos tivéssemos uma relação difícil com você, nós a amamos incondicionalmente...

– Eu sei, mãe! Já passamos por cima dos problemas do passado – Sofie não queria retomar aos problemas que teve com seus pais há anos atrás.

– Seu pai apresentava-se como forte, Sofie. Porém, tinha um enorme coração. Seja forte com o que vou te contar, querida.

A rainha manteve-se em silêncio por um tempo, continuando logo em seguida:

– Infelizmente, seu pai não resistiu. Há três dias atrás, ele acordou sem vida. Não é sua culpa. Não se culpe. A hora dele que chegou, sem nos preparar para isso. O deus recolhedor tinha planos para ele.

Ao receber a notícia, o mundo de Sofie desabou. A repentina morte de seu pai, trazia uma dor terrível para o coração dela, principalmente por saber que ela tinha de fato responsabilidade por isso.

Tentando digerir o que havia ocorrido e tentando entender as consequências de tudo e a falta que seu pai faria, Sofie permaneceu estática sentada na cama, enquanto lágrimas caiam de seus olhos rumo ao chão do castelo. Ao assistir o sofrimento da sua filha, a rainha não a poupou e continuou dando as notícias:

– Sofie, você sempre foi forte. Preciso da sua força, mais do que nunca agora.

Mesmo recebendo as mensagens de sua mãe, várias dúvidas carregadas de sofrimento passavam pela cabeça da guerreira.

– Eu perdi a entrega dele ao deus recolhedor? Nunca me perdoarei por isso!

Mesmo que já estivesse sem vida, o ritual após a morte era importante para a maioria dos povos de Stirem. Nele, as pessoas mais próximas ficavam em volta do corpo sem vida e faziam preces entregando a alma da pessoa morta para os deuses. Por fim, o corpo era queimado e a alma era libertada para o paraíso.

– A entrega ao deus recolhedor foi no mesmo dia que encontramos o corpo. Queríamos evitar sofrimentos. Sinto muito por isso, Sofie. Mas seu pai já está descansando no paraíso – a rainha falava tentando fortalecer e encorajar a filha – agora, quanto a nós, precisamos ser fortes. Você mais do que eu! Você já pode imaginar a responsabilidade que tem agora. Como filha única, você será diretamente nomeada rainha de Stoneme.

Um frio na barriga passou por Sofie. Por mais que soubesse que essa seria sua obrigação um dia, a distância da política e até mesmo de seus pais adiavam os pensamentos dela a respeito do posto que ela teria que assumir. Neste dia, porém, ela não poderia mais tardar essa decisão, ela era a única filha do rei.

– Mas mãe, a senhora que irá assumir – Sofie falou com os olhos cheios de lágrimas.

– Estou velha, minha filha. E sou despreparada para isso. Nunca participei de nada político aqui no reino, só estava com seu pai por amor. Eu posso te ajudar no que for preciso, mas a responsabilidade será plenamente sua. Você pode achar que não, mas seu pai sempre tentou mostrar os caminhos, sabendo que um dia isso aconteceria. A liderança do exército foi um preparativo para o maior desafio que você enfrentará. Dou graças aos deuses que você chegou, pois você é tudo o que me resta, e hoje, você é toda a esperança de liderança de Stoneme.

Sofie ainda refletia sobre tudo o que acontecia ali. Ela sempre procurou mudanças e aventuras, reclamando que todo dia era só mesmice ao treinar o exército. Desde que partira precipitadamente, tudo mudou de uma forma que a pegou despreparada.

Deste dia em diante, a guerreira e futura rainha teria missões que iam muito além do que ela imaginaria um dia.

As Memórias do Herdeiro - A Crônica do Descobridor de Reinos - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora