Ágata

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Mais tarde deitado em minha barraca o sono não chegava. Fiquei deitado no escuro olhando fixamente para cima. Levei um susto quando o rosto de Ágata surgiu em frente aos meu olhos, peguei a lanterna e liguei iluminando os cantos da barraca mas não havia ninguém ali. Devia ter adormecido e sonhado, estranho, sonhar com uma desconhecida com quem troquei apenas algumas palavras. Além do mais ela nem é tão bonita assim para invadir meus sonhos. Cassete! Quem eu estou querendo enganar? Ela é linda. E não é só isso, há algo nela que me inquieta, eu desejo conhece-la. Ficaria feliz em ser apenas seu amigo, só queria estar perto dela de um jeito que nunca quis antes.

Acordei com os primeiros raios de sol da manhã. Não trabalhariamos naquele dia então então eu estava livre do uniforme, vesti uma camisa verde escuro e bermuda preta, também me livrei dos sapatos e pudi permanecer de chinelos. Acabei de me vestir e fui ao banheiro, depois me dirigi ao espaço que usavam os como cozinha comunitária, tudo ali era comunitário. O galpão onde ficava a cozinha também tinha uma pequena parte com cadeiras e uma televisao. As únicas coisas que eram individuais eram as barracas e as louças, devido a nosso contato com pessoas doentes não dividiam os talheres, copos e pratos. Cheguei na cozinha para pegar um café e encontrei Isabella na porta. Na luz do dia e sem o conhaque que eu havia bebido na noite anterior ela não era tão linda como me pareceu, mas ainda era bonita e estava me olhando com cara de ódio puro. Tentei sorrir mas só consegui uma careta, ela nem se incomodou em responder. Passou por mim como se estivesse passando por uma barata. Peguei meu café e fui para o banco onde passei tanto tempo na noite anterior, gostava de olhar para aquelas árvores. Elas me lembravam St Andrew.

Estava lá a meia hora quando ouvi passos atrás de mim e me virei para ver quem era, meu coração disparou e eu não queria pensar muito no motivo. Em minha direção, com um vestido branco longo e os cabelos pretos caindo nos ombros vinha Ágata. Não estava sorrindo mas tinha um brilho quente nos olhos, ela se aproximou e sentou ao meu lado, estava segurando uma xícara de café.

-Bom dia Dr Jonathan.

Eu respondi tentando manter a voz firme mas falhando miseravelmente:

-Bom dia, por favor me chame apenas de Jonathan.

Ela sorriu, não o sorriso profissional da noite anterior, mas um sorriso de verdade e eu não consegui evitar de sorrir de volta.

tudo bem, Jonathan. Percebi o modo como você e Isabella se olharam na porta da cozinha.

Olhei para ela espantado.

-Percebeu?

Ela deu um sorriso tímido, eu estava adorando aquela coleção de sorrisos.

- Desculpe - ela disse, enrubescendo um pouco - não é da minha conta, não devia ter tocado no assunto.

Me senti mal por ela e a acalmei:

- Tudo bem, não tem problema algum. Aliás é bom ter alguem com quem conversar. Mas me diga, o que você percebeu?

Ela deu de ombros.

- Ah, bem, houve ou há algo entre vocês, estou errada? E pelo jeito não vai muito bem.

Eu gargalhei não pudi evitar.

-Sim, tivemos algo, durante uns 30 minutos. - Eu sabia que não deveria contar, mas não conseguia mentir para ela. - Você chegou a essa conclusão só pelo modo como nos olhamos?

Ela balançou a cabeça.

- Nao, apesar daquele olhar ter entregado muito. Conheço a Bella a muito tempo, sei que quando desaparece em uma festa é porque encontrou alguém, sei também que ela odeia ser dispensada e isso a deixa furiosa. Então quando a vi olhar para você daquele jeito eu soube que estavam juntos ontem. E você a dispensou, não dispensou? Foi um pouco antes de sermos apresentados, encontrei com ela, estava roxa de raiva e disse que ia dormir quando virou de costas vai que tinha folhas nos cabelos. Então é isso, e agora você acha que sou uma bisbilhoteira.

Eu a olhava encantando enquanto ela falava, era a primeira vez que uma mulher me tratava com normalidade. Não estava tentando me fazer agarrá-la. Eu sorri para ela e respondi:

- Não acho que você seja bisbilhoteira e me e me envergonho pelo que fiz ontem. - Realmente me envergonhava. - E dou razão se você achar que sou um canalha, me sinto mal por sua amiga.

Ela riu.

- Não me sinto mal por Isabella e você também não deveria se sentir. Desculpe minha sinceridade, mas para ela você é apenas mais um cara gato que ela queria. Ela não esta com raiva por você tê-la dispensado, mas sim porque gosta de dispensar primeiro.

- Você a conhece bem não é? - Eu disse, mas não queria mais falar sobre Isabella. - De onde você é?

-Nasci na Tchecoslováquia mas só morei la até meus 15 anos. Depois fui para Nova York com meus pais, foi lá que conheci Isabella.

Ela ficou em silêncio, parecia considerar se contava mais ou não. Eu esperei, quando tive certeza que ela não falaria comecei a contar de mim, claro que nessa parte eu não poderia contar toda a verdade.

- Sou do Maine, St Andrew. Já ouviu falar? É uma cidade pequena, na floresta. Gosto de ficar aqui porque me lembra de casa. Vivi um bom tempo lá, depois fui para Boston.

Deixei a história acabar e olhei para ela que me olhava atentamente.

- Não me parece tanto tempo. Considerando sua idade quero dizer. Você é jovem, tem 26, 27 anos?

Eu queria dizer 227 mas tudo o que disse foi:

-28. Tenho 28 anos. Vivi em St Andrew até os 23, depois fui para Boston e então para Alemanha onde me formei.

-Gostaria de conhecer sua cidade, parece um lugar agradável para viver.- Ela disse e sorriu.

-É, era bem agradável mesmo. -Eu respondi. - Mas agora não sei como está, não voltei mais.

- Não? - Ela perguntou, claramente espantada. - E sua família? Seus pais? Certamente tinha alguém nessa cidade, uma namorada. Não sente saudades?

Considerei o que responderia por alguns segundos, por fim decidi contar sobre Evangeline.

- Esposa, na verdade. E uma filha, perdi as duas.

Fiquei em silêncio, não sabia mais o que dizer. Me arrependi de ter começado a contar, ela iria querer saber mais e eu não tinha as respostas.

- Oh, sinto muito. Não deveria ter perguntado, deve ser um assunto difícil para você, desculpe.

- Tudo bem, eu superei, o tanto que é possível superar pelo menos. Foi logo que viajei para Boston, soube por uma carta, então decidi não voltar mais. Me chame de covarde se quiser, mas naquela época eu não podia voltar.

Era loucura, eu sabia, contar tanto para uma desconhecida. Mas havia algo nela que me fazia querer que ela me conhecesse, não o Dr Jonathan mas sim Jonathan St Andrew e eu não conseguia calar q boca. Era como se ela alcançace dentro de mim e puxasse todos os segredos que escondi durante tanto tempo. Ela me olhava com pesar evidente, realmente sentia por mim, não era como a maioria das pessoas que diziam sentir muito só por não ter outra coisa para dizer. Suas palavras não eram vazias. Senti vontade beija-la, mas me forcei a ficar parado, não queria assustá-la.

- Não acho que você seja covarde, muito pelo contrário. Cada um de nós aguenta o que podi, não cabe a ninguém julgar nossa força. O que realmente importa é o que fazemos para superar a dor, e veja, o que você fez é algo digno de orgulho. Você superou a perda e se empenhou em ajudar outras pessoas. Se tem algo que você não é, é covarde, acho que é totalmente o oposto disso.
Droga! Pensei, essa mulher era boa demais para ser verdade, ele me trazeria problemas. Eu sorri, não tinha nada para dizer diante de suas palavras, qualquer coisa que eu disesse me faria parecer um idiota. Ela se levantou.

- Preciso arrumar algumas coisas para amanhã. Foi muito bom conversar com você. Até mais tarde.

Ela me surpreendeu se inclinando e me beijando na bochecha. Meu coração bateu mais forte, mas que raio estava acontecendo comigo? Ainda fiquei sentado olhando para as árvores durante um bom tempo, vi quando os outros medicos se reuniram para almoçar. Eu não precisava de comida e não queria ficar no meio de toda aquela gente. Levantei e fui para minha barraca, também precisava arrumar minhas coisas. Depois encontraria algo para ler, um hábito recém adquirido, não tinha a intenção de sair da barraca pelo resto do dia. Precisava entender o que estava sentindo.

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