A multidão me cercava de todos os lados e meus pés doíam por causa de todos os pisões que havia levado na tentativa de passar sem empurrar ninguém. Embarquei no ônibus para a estação João de Luz às 19h15. Estava atrasada. E o hospital encerrava a entrada de acompanhantes um pouco mais cedo nas sextas-feiras. Tinha exatamente 30min para chegar ao meu destino.Resolvi checar mentalmente o saldo em meu bolso. Presumi minha penúltima passagem de ida ao hospital.
Quinze reais e isso era tudo o que tinha para o resto da noite. Luci me emprestaria mais alguns trocados? Preferi acreditar que sim.O cheiro predominante no coletivo era de pipoca industrializada e suor, algo que eu não gostava de presenciar.
Depois de um tempo meus olhos cansados já estavam cedendo ao sono quando senti o movimento do ônibus quase me jogar encima de uma senhora que estava sentada.Segurei, com grande esforço, a barra logo acima de mim quando o motorista virou em uma curva.
Minha bolsa pesava na frente do meu corpo, então ajeitei-a para que ficasse mais confortável -- era mais seguro carregá-la assim do que simplesmente nas costas.
Em cinco minutos estava na metade do trajeto. As pessoas antes em pé no ônibus já estavam descendo para a parada acionada por cada uma delas, mas as que estavam sentadas continuavam lá.
Finquei meus pés no chão. Suor escorria pela minha testa. Pessoas mais altas quase que me engoliam, mas procurava sempre lembrar-lhes de minha presença ali com algum cutucão.Passados cinco minutos, já estava aos nervos de tão cansada. Tive que aguentar firme até três minutos depois, quando cheguei ao meu destino. Desci com passos pesados até a calçada.
A estação de trem ainda estava em pleno funcionamento, assim também como a lotação de pessoas não cessava. Nos cantos da entrada abarrotada de gente podia-se ver algumas pessoas maltrapilhas deitadas no chão.
A estação ficava barulhenta até às 23h, então, possivelmente essas pessoas não dormiam bem. Isso além da fome que passavam e várias doenças que podiam pegar naquele local imundo. E o pior é que eu já sabia qual era a sensação de estar ali.Eu e minha mãe estávamos no pior momento de nossas vidas quando nos despojaram do, antes nosso, pequeno apartamento, por atraso de aluguel.
Mamãe estava acumulada de dívidas deixadas por meu pai -- fazia somente um mês que haviamos o perdido -- e não estávamos nas melhores condições financeiras. Vendemos alguns móveis, mamãe trabalhava como faxineira às vezes quando a chamavam e eu tentava arrumar emprego, mas mamãe não queria que eu trabalhasse sendo tão nova -- fiz treze anos dois meses depois. -- e assim, depois de tantos atrasos, o síndico resolveu dar fim ao suplício e nos despojou.
E foi assim que viemos parar na rua, pois não tínhamos parentes por perto e o que tínhamos pagaria toda a passagem de ida para eles. Nós moramos em Recife e nossos parentes, praticamente todos, moram em São Paulo.Dormíamos numa esquina longe do prédio. Mamãe não queria que nos vissem naquele estado, principalmente o nosso antigo síndico, do qual nunca soube o nome.
Porém, milagrosamente, três dias depois uma senhora corpulenta apareceu e nos perguntou gentilmente se queríamos morar em um cafofo atrás de sua casa, acreditava que fosse o suficiente. E é óbvio que aceitamos. Moramos lá até agora.Caçei uns poucos trocados no bolso e os depositei na mão mirrada de uma mulher que deitava sempre perto da bilheteria. Em sua responsabilidade estava uma garotinha que já dormia com a cabeça pousada em seu colo.
Me dirigi em passos rápidos para a bilheteria logo a um metro. Esperei minha vez atrás do cara que logo passou na catraca.
- São R$ 4,70. - informou o bilheteiro carrancudo quando foi minha vez e se apressou em pegar minha ficha de modo rotineiro.
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A GAROTA DA ESTAÇÃO
Genç KurguMesmo com apenas quinze anos, Marcela já carrega grandes responsabilidades nas costas; estuda e trabalha para ajudar a mãe a passar pelos tratamentos de hemodiálise. Em uma noite rotineira de ida ao hospital em busca da mãe, Marcela é assaltada e fi...