Parte 6

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Alicia

Justin tirou uma parte do curativo parecendo analisar o que estava por baixo, mas logo colocou de volta. Dave fez uma careta abrindo os olhos enquanto encostava na cabeça parecendo estar com dor.

_ Ei, garoto. Está melhor? - o tom doce e preocupado de Justin pareceu assustar Dave que franziu o cenho enquanto olhava para o pai - está sentindo dor?
_ Estou bem - falou em um gemido cansado - dói só um pouco
_ Ótimo, Dave. Pode voltar a dormir, acordo vocês para jantar.

O menino deu um sorriso quando Justin encostou a mão na cabeça dele em um carinho que não demorou muito, já que Justin logo levantou saindo do quarto.
Eu dei um sorriso fraco sentindo minha língua coçar para me intrometer naquele assunto. Não queria soar rude ou como se eu estivesse fazendo algo muito além do que era meu trabalho. Não conhecia a forma de relacionamento que Justin e as crianças tinham com as outras professoras, então eu não queria passar do limite.

Mas eu era Alicia, antes de ser senhorita Reev, e Alicia é psicopedagoga com a metade de um curso de psicologia e não mede muito o que falar, caso tenha certeza de que aquilo deve ser falado.

_ Eles ficam felizes com isso - falei e Justin franziu o cenho como se perguntasse sobre o que eu estava falando - ficam felizes em receber um pouco de carinho, não é tão frequente...
_ Ah - mordeu o lábio por dentro - eu não sei muito bem como fazer isso.
_ Você acabou de fazer
_ Por que estavam dormindo. É mais fácil - deu  uma sorriso meio culpado enquanto eu franzia o cenho começando a acompanhar seus passos para irmos para o andar de baixo
_ Como assim mais fácil?
Justin parou no topo de escada coçando a nuca parecendo constrangido. Não era minha intenção tocar no assunto para o constranger, mas enquanto ele estivesse respondendo as perguntas eu que não iria encerrar o assunto.

_ Se estiverem dormindo não tem como eles... bem... me julgarem.
Eu tenho certeza que ele se sentiu julgado por mim. E com razão, por que os filhos o julgariam?
_ E por que eles julgariam? - dei voz aos meus pensamentos
_ Talvez por que eu nunca soube como fazer isso - deu de ombros, já desciamos a escada - eu não me sinto confortável ou feliz em vê-los crescer assim. Eu lembro que quando Luke ou os gêmeos tinham a idade de Ben, eles eram crianças bem agitadas, faziam três coisas ao mesmo tempo, eram carinhosos... mas o Ben não é. Digo, não sei se é, ele está crescendo e começando a ter o mesmo tratamento dos irmãos e talvez isso seja consequência.
_ Ele é uma criança muito doce. Acho que não é culpa sua, ele gosta de brincar sozinho com alguém por perto. É a personalidade dele. - foi uma tentativa de conforto, caso não tenha sido notável.
_ Mas enfim, não vejo outra alternativa além de... bem... eles estão acostumados - deu de ombros - eles são amigos uns dos outros e não precisam que eu os dê carinho ou algo do tipo.
Qual o problema daquele homem?
_ Na minha concepção, tudo o que eles precisam e querem é que você os dê carinho - Justin franziu o cenho. Eu não queria falar sobre a conversa que tive com Dave e Ane, mas eu não poderia ficar só calada quando eu estava tendo a oportunidade de fazer uma mudança se quer - como tem sido os últimos dois dias que você chegou em casa e perguntou sobre o dia deles?
_ Eles estranharam no primeiro dia, mas no segundo parecia que já estavam esperando a pergunta. Só não entendi bem o motivo.
_ Por que mostra que você se importa com o que aconteceu durante o dia deles e é só isso que eles precisam: que você se importe.
_ Eu não quero parecer que não sei como lidar com as crianças...
_ Você não sabe.
_ Estou tentando, pode não me interromper? - arqueou as sobrancelhas e eu assenti dando um sorriso acolhedor - mas... o que eu posso fazer? Sem que isso cause estranhamento.
_ Impossível não causar estranhamento - fui sincera - eles estão acostumado a ter um homem que os cria, eles vão estranhar ter um pai.
_ Será que você pode ser menos dura nas palavras? - murmurou e eu neguei dando um sorriso fraco
_ Não posso. Não é assim que você trata seus filhos? Sendo direto? Não admitindo erros? Então pronto.
_ Eles precisam de disciplina para serem boas pessoas.
_ Eles já são pessoas incríveis. São inteligentes, educados e Dave é completamente altruísta, principalmente quando se trata de Ane.
_ É, eles sempre foram apegados.
_ A primeira coisa que você vai fazer é parar de chamá-los de crianças. Eles são seus filhos.
_ E qual a diferença? - franziu o cenho
_ Ele são as crianças que eu ensino, eles são seus filhos.
_ Um exemplo melhor, por favor.
_ Eles são meus filhos, e são suas crianças.
_ Você não pode dizer que são seus filhos.
_ E por que não? Não é a mesma coisa? - arqueei as sobrancelhas com um toque de sarcasmo
_ Esse seu exemplo não faz sentido. É péssimo.
_ Ele faz sentido, só é propositalmente ruim para que você pense um pouco nele.
_ Você usa essa técnica com as crianças?
_ Com quem? - cruzei os braços o encarando
_ As crianças. Luke, Ane, Dave...
_ Me perdi na história, Justin. Quem são esses? - eu era uma ótima atriz, podem confessar
_ Meus filhos?!
_ Ah, sim! Seus filhos! As minhas crianças...
_ Eu não acredito que você fez esse jogo mental comigo - riu descrente - e por que você está me chamando de Justin?

Eu tirei o sorriso que eu tinha no rosto automaticamente. Droga, era a segunda vez e eu não me corrigi. Eu estraguei a interação que estávamos tendo por que passei dos limites e fui informal demais, aquilo era imperdoável para mim. Onde eu achei que estava? Conversando com um amigo?
Patético, Alicia. Isso foi patético.
_ Me desculpe, senhor Bieber. Isso jamais voltará a se repetir - pedi sentindo um frio no estômago de constrangimento. Aquilo poderia me custar o emprego, era só ele comentar aquilo com minha chefe que eu estaria ferrada - eu estou indo para a sala de estudos, caso as crianças acordem e precisem de mim eu estarei lá.

Justin
O que raios havia acontecido? Qual era o dom que eu tinha para abrir a boca e, de repente, a pessoa se afastar? Eu não conseguia ver o que fiz errado, mas ela mudou a expressão em um segundo e começou a agir como meus filhos agiam comigo: de cabeça baixa e voz em um murmuro.
Estávamos tendo uma conversa espontânea e eu estava gostando das dicas e da companhia também, não queria que tivesse acabado assim. Era a conversa mais longa que eu tinha com alguém em anos - tirando as reuniões completamente formais no trabalho.

Segurei a chave do carro em minha mão e dei dois toques na porta antes de entrar, ela terminava de guardar alguns papéis em uma pasta.
_ O seguro esqueceu de deixar o carro reserva e não consigo ir pegar agora, mas eu tenho um outro carro que você pode usar no final de semana.
_ Posso voltar de táxi, não precisa se incomodar - deu um sorriso extremamente forçado
_ Alicia, está no contrato que...
_ Senhorita Reev - me interrompeu - cometi o erro de o chamar pelo primeiro nome e não irá se repetir, já que não é do seu agrado. Então eu peço que a gente mantenha a formalidade de um relacionamento profissional.
_ Mas eu não...
_ Senhor Bieber, eu não quero o incomodar. Já deu meu horário e eu já chamei um táxi que estará chegando a qualquer momento. Tenha um bom final de semana.
Eu estava mal. Ela passou pela porta sem se preocupar com nada mais. E o fato de que ela havia saído sem nem mesmo se preocupar em se despedir das crianças me fez mal.
Mas desde quando eu me importava com isso? Eu mesmo nunca fazia isso.

_ Senhorita Reev? - ouvi a voz de Ane e logo após ela passar correndo sendo seguida por Dave e Luke, que carregava Ben.
Saí da sala curioso para saber o que estava acontecendo e vi a porta da frente aberta enquanto os três mais velhos olhavam parecendo decepcionados.
_ Ela foi embora sem se despedir de nós? - aquilo doeu no fundo da minha alma. Eles se importavam tanto assim? Não era só um até logo?
_ O que vocês querem com senhorita Reev? - perguntei os assustando. Eles voltaram a entrar em casa e eu vi um saco de papel na mão de Ane - o que é isso?
Ela escondeu o braço atrás do corpo como se eu já não tivesse visto que ela segurava algo.
_ Ane, o que tem aí dentro? - eu estava apenas curioso, não tinha a intenção de brigar, mas eles pareciam ter medo da minha reação
_ Só queríamos dar algo para senhorita Reev - Luke murmurou, ele já não segurava mais o irmão
_ Posso saber o que é?
_ Mas... é para ela... - Ane murmurou
_ O que aconteceu com ela? - Dave perguntou com o cenho franzido como se estivesse com raiva - vocês estavam conversando que eu vi. Você brigou com ela? Você a demitiu?
_ Nada aconteceu, Dave. Ela só foi embora por que o horário dela acabou.
_ Por que você não gosta quando a gente mente e você está fazendo isso agora?
_ Dave? - chamei sua atenção. Não estava entendendo a reação dele
_ Ela NUNCA sai sem se despedir! - deu um passo para frente como se quisesse me enfrentar e eu franzi o cenho estranhando aquela reação - você fez alguma coisa que a deixou chateada, você sempre faz isso!
_ Dave, você me deve respeito. Eu sou seu pai!
_ Você ainda lembra disso? - falou com tanta raiva que eu senti meu coração despedaçar - eu preferia que não fosse.
O observei se afastando até sumir da minha visão.
Luke segurou na mão de Ben começando a sair de perto como se estivesse em um protesto silencioso pelo que aconteceu. Olhei para Ane, a única que restou, e ela deu alguns passos em minha direção. E naquele momento eu só queria que ela me desse um abraço para mostrar que, pelo menos ela, estava do meu lado, me entendia ou acreditava em mim. Mas isso não aconteceu, o abraço nunca chegou.
Ela ergueu a sacola de papel e, com receio, eu a peguei. Logo ela se distanciava também.
_ Ane? - a chamei e ela se virou para mim. - avise ao Dave que esse final de semana ele fica no quarto. E nenhum de vocês poderá ficar com ele.
Ela apenas assentiu voltando a se afastar até sumir da minha visão.
E, mais um dia, eu falhei.
Eu sempre falhava, mesmo quando estava tentando acertar. E meus filhos não entendiam isso e eu não os culpava. Eu não podia os culpar.

Continua...
***

Notas
Esse capítulo é de apertar o coração (pelo menos o meu kkkkk). Vamos ver aos poucos a história se desenvolvendo mais e mais. Eu espero que vocês estejam gostando.
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