Pai

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Christian

Guardei o celular no bolso e deitei na cama. Falar com a América era reconfortante depois do que foi essa semana. As coisas ficaram intensamente complicadas aqui em casa e resolvê-las não é tão simples como deveria. Sempre que isso acontece, nós demoramos um pouco para estruturar as coisas e ficamos preso em um limbo de emoções, sem ter para onde correr.

Levantei e fui até o quarto a Júlia, do corredor dava para ouvir a música alta, lembro que isso é terapêutico para ela.

Bati na porta, mas estava aberta. Empurrei e encontrei minha irmã dançando em frente ao espelho. Fiquei parado observando e admirando.

- Está me vigiando? - ela perguntou me olhando através do espelho.

- Vim ver como estava.

- Estou bem, melhor do que eu esperava, aliás. - ela se virou e sentou na cama - Gostaria que o papai melhorasse logo.

- É, ele não sai do escritório. - falei e sentei com ela - E a mãe age como se nada tivesse acontecido.

- Dá um tempo a ela, não passamos por uma dessa desde... - ela tentou se lembrar - Desde quando mesmo?

- Desde que o vovô morreu.

- É verdade, você ficou em coma por três dias.

- Nem me lembre disso, pensei que ia morrer.

- É, nós também, ficamos preocupados. - Júlia começou a mexer no celular enquanto conversava comigo - Sabe, minha noiva me chamou para jantar hoje, mas acho que não irei.

- Por que? - perguntei - Nada impede você de ir.

- Aguentará ficar com eles dois? Você? Sozinho? - ela deu risada - Qual é!

- Eu fico, vai para o seu jantar. - falei e saí do quarto.

A Júlia estava correta em duvidar. Houve um tempo em que eu não conseguia ficar no mesmo cômodo que o meu pai, lembro que toda vez que ele chegava eu me sentia mal e saía do ambiente, nunca nos falávamos, nem sequer trocávamos olhares. Minha mãe sempre intermediava algo, coitada, ter que lidar com drama familiar e drama empresarial.

Descobrimos a doença do meu pai logo após o primeiro surto dele, lembro que era aniversário da nossa avó e ela não pôde vir para cá por problemas de saúde, então minha mãe e irmã foram visitá-la. Meu pai não conseguiu ir por causa da Dale e isso o deixou bastante irritado. Enfurecido, eu diria. Aquele dia deixou marcas na minha memória.

Estava tocando piano, tinha pedido ao professor para me ensinar "Parabéns para você". Queria fazer uma surpresa para a vovó, mas não deu muito certo. Quando meu pai entrou na sala, eu comecei a tocar para ele. Queria que ele ouvisse e ficasse orgulhoso de mim, a criança sempre almejava o orgulho dos pais. Bem, eu recebi um pedaço da madeira do piano no rosto. A sala inteira ficou destruída juntamente com o meu corpo.

Demorou bastante para a minha mãe chegar. Quando ela me encontrou, eu estava tentando fazer uma tala para consertar o braço quebrado. Não sei quem chorava mais, ela por ver aquela cena ou eu por provocá-la. Fui levado ao hospital e a imprensa ficou louca em saber o que tinha acontecido com o herdeiro dos Dale. Acidente de skate, foi a manchete.

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