Exercício

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Christian


Miles me fez ficar acordado até tarde jogando vídeo game com ele. Sabe quando você é ruim no jogo, tem ciência disso, mas insiste em jogar para não se dar por vencido? Então, o cara é um desses. Ele não conseguiu ganhar nenhuma partida, mesmo jogando com bot. Isso me rendeu risadas. 

Agora os meus olhos ardem e com certeza preciso manter o foco na aula de diagnósticos. Com um método diferente, a turma foi dividida em grupos. Cada grupo recebeu uma série de exames sobre o mesmo paciente. Temos que descartar os exames irrelevantes e chegar a um diagnóstico. Essa é a primeira avaliação surpresa da disciplina.

O caso que pegamos é de um senhor chamado Campbel, não possuímos muitas informações sobre ele. Começamos a revisar e repassar todos os exames, histórico familiar, qualquer coisa que pudesse nos ajudar. O que chamou a minha atenção foram as imagens do cérebro, pareciam pequenas larvas contidas nele. Mas essa doença é tão rara que atinge menos de um por cento da população.

- Neurocisticercose? - América perguntou.

Ela estava ao meu lado vendo as mesmas imagens que eu, segurava uma caneta na altura da boca e parecia estar bastante concentrada.

- Eu também pensei nisso. - falei - Mas é extremamente raro.

- Sim. - ela pegou as imagens - Esse professor gosta de fazer pegadinhas. O que acha, Joana?

- Eu já vi isso várias vezes, não dá para dizer exatamente, mas neurocisticercose pode ser a resposta.

Todos estavam apreensivos, queríamos acertar a resposta e não parecia ser tão simples assim. Os outros grupos pareciam ter a mesma dificuldade. O barulho de suas conversas invadiu a sala, dificultando ouvir os meus próprios pensamentos. 

América chamou a atenção de todos no nosso grupo e disse que era melhor a gente se acalmar ou iríamos reprovar. Não sei como, mas isso funcionou. Voltamos a focar nas imagens e nos exames. 

Conversamos mais sobre aquilo e novas ideias foram surgindo, nenhuma melhor que a da América. Repassamos tudo algumas vezes e chegamos a conclusão de que realmente aquela era a melhor. Espero que tenhamos acertado.

- A professora Shawn vai dar aula extra de laboratório novamente. - Carla disse olhando o celular - Seria uma boa você ir, Ame. 

Essas aulas eram as melhores, qualquer oportunidade de por alguma coisa em prática eu abraçaria com toda certeza. Fora que o sistema dessa Universidade é diferente do qual estudei. No primeiro ciclo nós já estávamos com a mão na massa. 

Olhei para a América e ela revisava os papeis que estavam em suas mãos, parecia desatenta e não se importar com o que sua amiga dizia. 

- Onde será? Eu quero ir. - falei. 

- Não, eu irei. - América disse atrapalhando a minha conversa - Falhei na última aula. 

- Eu vi. - respondi. 

Foi um desastre, ela retalhou tudo. Parecia uma criança com uma tesoura cega. 

- Sala cinco do terceiro andar na ala leste. - Carla respondeu. 

América jogou os papeis que estava segurando e saiu correndo da sala. 

♣️

Já tínhamos refeito o mesmo exercício oito vezes e em todos eles, América errou algo. A primeira vez ela cortou demais e "matou" o paciente, tentou costurar e não adiantou. Isso se repetiu mais cinco vezes, nas duas últimas ela demorou demais para completar e o tempo acabou. A professora Shawn não era nada paciente. 

A cada grito que ela dava com a América meus ouvidos pediam socorro. 

E por incrível que pareça, a resposta dela ela "tentarei novamente". Qualquer um nessa posição já teria desistido, os olhares de julgamento dos outros alunos sobre ela e o de desaprovação da professora são pressão o bastante para qualquer determinação. Mas ela continuava. Limpava o bisturi, trocava os equipamentos, ligava o cronômetro e continuava tentando. 

- A aula encerrou. 

América levantou a cabeça e ajeitou a manga do jaleco sujo de cera. 

- Eu ainda não acabei, estou quase conseguindo. - ela disse para a professora. 

- Estão todos dispensados. 

Queira Deus, por qual motivo eu vejo essas coisas e não posso ficar quieto? Por mérito, ela com certeza perderia, já que me ignorou a semana inteira. Mas eu definitivamente não poderia deixar isso atrapalhar o futuro dela, talvez só precise de ajuda. 

- Professora, se me permite... - fui caminhando em direção a professora para falar com ela - A América tem passado por coisas difíceis e acho que seria bom para ela se conseguisse completar o exercício. Eu posso ficar depois da aula e ajudá-la. 

- Não faço caridade, senhor Dale. - recolha as suas coisas e saia da aula. 

- Qual é! - insisti - É sexta a noite, acha mesmo que faria isso se ela realmente não precisasse? 

Alguém esbarrou em mim enquanto saía da aula. Notei que a sala estava quase vazia e a América tinha errado mais uma vez. 

- Tudo bem. - ela disse - Quando terminarem, entreguem a chave ao zelador. - ela recolheu as pastas e andou até a porta - Vocês dois, não façam com que eu me arrependa disso. 

Olhei para a América e ela tinha iniciado uma nova sequência. Apesar dela ter ignorado tudo o que eu disse antes da aula, eu estava disposto a ajudar. E isso era uma forma de me aproximar dela também e saber o que estava realmente acontecendo. 

Peguei o meu jaleco e me sentei na cadeira ao lado para observar o que ela estava fazendo. 

Parece que a minha presença a incomodou, pois ela respirou fundo e parou de cortar. 

- Devo agradecer? - perguntou com o bisturi na mão. 

América Para Um AmericanoOnde histórias criam vida. Descubra agora