Prioridades

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Vishous não esperava encontrar a Jane deitada no quarto quando voltou ao Pit. O jaleco branco tinha sido tirado e jogado numa cadeira, ela ainda vestia o uniforme cirúrgico. De costas ele não soube dizer se ele a acordara ou se ela apenas estava-o esperando a tempo suficiente pra cansar de estar sentada, mas ela virou a cabeça pra encará-lo enquanto ele tentava decidir se passava ou não pelo batente da porta.

O semblante de Jane não demonstrava muito além de cansaço. Quando ele finalmente decidiu parar de bancar a moça e encarar que a conversa que tinha sido adiada precisava acontecer em alguma hora, e entrar no quarto, ele tentou analisar melhor o que toda a situação poderia resultar para o seu já tão frágil relacionamento. Tentar prever que tipo de sentimento a chegada das garotas, suas filhas, Jane iria escolher expressar. Raiva? Desapontamento? Ojeriza? Ódio? Tudo isso junto, assim com ele estava sentindo sobre si mesmo?

Ao contrário, ela abriu os braços e esperou. Ele passou a mão pelos cabelos ainda úmidos e sabia que deveria se sentir culpado. Não foi o que ele sentiu.

Jane esperava que seu companheiro- um companheiro fiel- fosse até a cama e a abraçasse. Ele se aproximou apenas para não frustrá-la, ao segurar suas mãos ele teve que se segurar para não apertá-las apenas pra fazê-la ter alguma reação além daquela mórbida passividade. Ele não deve ter escondido isso muito bem, vagamente percebendo a próprio rosto se contrair e mandíbula apertar até conseguir formular qualquer outra frase que não envolvesse culpá-la pela própria infidelidade. Ele não pode suportar que ela estivesse sendo compreensiva naquele momento. Mas não era como se ela soubesse o que ele –quase- tinha feito com Trez três andares acima. Ou que vinha considerando fazê-lo com outras pessoas por mais tempo do que conseguia admitir.

Naquele momento, em que nenhum dos dois falava e eles estavam ligados apenas pela sua mão amaldiçoada, ela em sua forma não fantasmagórica e ainda pronta pra voltar à clínica, era como um memorando do que tinha se tornado todo o relacionamento deles. "Você não quer estar comigo." Ele tirou os olhos de onde eles estavam conectados pra encarar as íris verdes floresta de sua shellan quando ela sussurrou essas palavras. A frase não foi especificamente pra bater nele, não foi o início de uma discussão, não foi uma provocação. Foi uma constatação. E ele não podia dizer que ela estava errada.

"Eu não posso viver sem você." Ele se ouviu responder. Era um fato. Um macho vampiro sem a pessoa com quem ele era ligado não era nada além de uma concha vazia. Ele pensou em Trez e se odiou por isso. Não por pensar sexualmente nele, mesmo que talvez devesse, mas por pensar que ele era um puta sortudo de ter tido sua amada de volta dos mortos e ainda assim ser um filho da puta que quer estar com qualquer pessoa além dela, enquanto o Sombra estava de luto e daria tudo pra ter a sua Selena de volta.

"Não sou eu que você precisa." Ela levantou e ele então se deu conta de que não tinha ideia onde aquela conversa estava indo..

"O que você quer dizer?" Pela primeira vez ele fez um esforço real pra entrar na mente dele. Em todo aquele tempo desde que se conheceram V não achava necessário ler a mente de Jane. Ela não era de esconder ou omitir nada dele. Agora... ele sentia as ligações de suas sinapses se escondendo dele, tentando fazê-lo entrar num labirinto que não iria a lugar algum. Mesmo agora ela parecia misteriosamente, e deliberadamente apática, ele se lembrou de que nem mesmo quando ela chegava esgotada e cansada e sonolenta, ela nunca pareceu tão distante como agora.

Esse não era o normal da sua companheira e sinalizava que essa não seria uma reles discussão. Ela andou ao redor. Esfregava o rosto, não como se tentasse acordar, mas como se quisesse arrancar o próprio rosto só pra não ter que falar.

Um instinto lhe disse que deveria estar preocupado, no entanto, qualquer emoção foi lavada de sua alma com relação a muitas coisas; ele sentiu uma única coisa naquele momento. E se tratava mais de uma curiosidade sobre o que ela queria dizer com isso do que de fato um pesar se aquilo resultava em uma rachadura irremediável e um abismo intransponível entre ele e Jane.

As filhasOnde histórias criam vida. Descubra agora