A verdade

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Quando Trez finalmente despertou, no fim daquela tarde, ele se arrependeu no mesmo instante. Aparentemente os machucados que ele não sentira nas últimas horas esperaram-no acordar para cobrá-lo numa dívida acumulativa. Até os reflexos involuntários do seu rosto faziam as pontadas de dor piorarem.

"Eu vou arrumar alguns analgésicos." A voz de Ehlena já havia se afastado no meio da sentença. Ele tentou limpar os olhos, não havia como fazê-lo com as mãos, então ele ficou lá piscando como um idiota. Um dos braços estava firmemente preso ao tronco, imobilizado. Ele lembrou que ainda devia estar quebrado. O outro, as ataduras impediram de movimentar.

"Dar uma de herói deve doer muito." Ele focou nos dois vultos que estavam ao seu lado. A voz profunda e perigosa de Rehvenge o fez se concentrar à sua direita. "Bem vindo de volta."

"Argh... preferia não ter feito." Ele fechou os olhos novamente. O lance de piscar não estava ajudando em nada.

"Não faça mais isso. Por favor." A voz feminina entrou em seus ouvidos e ele estranhou o apelo. 'Por favor' não fazia o estilo de Xhex. A voz também estava estranha. Era normalmente rouca e dura, agora estava maleável, fraca.

Ele fez o esforço de olhar para a fêmea, conseguindo focar dessa vez, e percebeu uma coisa rara de se ver no rosto pálido da sympatho: um vermelho intenso na parte interna dos olhos. Seria algo imperceptível aos olhos de quem não convivia com a sympatho por anos. E esse não era o caso dele, ele sabia que as lágrimas da raça dela eram de cor escarlate, algo similar a sangue.

A fêmea odiava a clínica, tinha um medo irracional de hospitais e médicos. Trez se sentiu culpado por fazê-la vir até lá.

Caralho, como ele queria que as pessoas se importassem menos.

Pra ele, era uma maldição ser amado.

"Como estão-" droga, a garganta parecia tão queimada quanto todo o resto- "os outros?"

"Entre mortos e feridos, sobreviveram todos." Rehv sempre teve um jeito mórbido de tranquilizar as pessoas. "O rei e Butch tem uma linhagem forte. Só é preciso uns goles de sangue e eles ficam novos em folha."

"E agora você também precisa se alimentar." Xhex advertiu emendando a frase.

Ah, certo. Eles estavam ali pra uma intervenção. Ele não declarou greve de fome, mas desde a morte de Selena a sua procura por veias diminuiu drasticamente. Ele não se alimentava mais de prostitutas que trabalhavam para ele e tinha bebido o sangue de uma das Escolhidas quando não havia mais como adiar. Sempre parecia errado, mas sendo uma das irmãs da Selena ele sentiria muito mais o coração partido do que algum volume nas calças.

E nem fazia tanto tempo assim que tinha se alimentado. Ele curaria com um pouco mais de tempo, não era algo urgente.

Ele começou a argumentar isso quando Xhex, num movimento rápido, pôs o próprio pulso na boca e depois passou na frente do rosto de Trez. "Abra a boca" A fêmea ordenou.

"Não-" Ele puxou a cabeça pra trás se afastando das gotas que caiam nos lábios. Cara, a pele queimada e inflamada repuxava e parecia que ia rasgar como uma roupa velha. "Que droga." Ele ainda tentava se desvencilhar, mesmo com a dor.

"Beba de uma vez. Sabe que ela não aceita um não." Rehv sugeriu num tom monótono e complacente.

"Deixa de ser teimoso." Xhex esperou um segundo para ele se recuperar. "Sou eu. Te alimentei durante anos. Qual o problema agora?"

Ele pensou rápido numa de boa desculpa. "Você não era vinculada na época."

Ela agarrou seu maxilar e puxou sem piedade alguma. Ela aproveitou a boca aberta ao chiar de dor e forçou-o a beber. "Dane-se se ele vir problema nisso. Agora, por favor, melhore antes que o seu irmão veja você assim."

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