Na Londres vitoriana há um aspirante a escritor cujo olhar foi ofuscado pelo tempo. A única lembrança que o belo jovem parece ter deixado ao mundo contemporâneo em meio às cinzas do esquecimento parece ser uma fotografia muito amarelada, perdida ent...
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Ele colocou no rosto a expressão mais fechada que pôde desenterrar de dentro de si. Nem mesmo ousou olhar na direção da câmera; e enquanto franzia inconscientemente a testa, a única coisa na qual Kim Taehyung conseguia pensar era se aquela fotografia seria algum dia lembrada pelas pessoas. Qual seria o sentimento de um leitor que ao terminar de ler um livro seu, encontrasse o autor a lhe encarar na orelha de trás do impresso?
Sonhar, em um momento singular como aquele, era uma das poucas coisas que o jovem ousava se permitir fazer. Ser escritor em um tempo em que grandes nomes como Edgar Allan Poe e Charles Dickens reinavam sobre as estantes das mais renomadas bibliotecas e residências não só de Londres como do mundo todo, era uma tarefa que exigiria muito de si.
Na posição em que Taehyung estava, sonhar não era o bastante.
O fascinante instrumento de madeira que exibia um buraco escuro no centro de uma de suas faces ainda lhe encarava quando o fotógrafo se descobriu do pano negro e saiu de trás dele. No mesmo instante, o rapaz desfez a postura plástica que havia moldado para si mesmo na tentativa de parecer um belo escritor, e olhou para Park Jimin, seu melhor amigo.
Jimin era seu primo e os pais dele tinham imigrado para a Europa juntamente com os de Taehyung, num acesso de ousadia repentino que as duas famílias tiveram ao querer tentar uma nova vida em outro lugar. Como se tudo tivesse sido cuidadosamente esquematizado pelo destino, os pais do fotógrafo eram melhores amigos dos pais do aspirante a escritor, e bem, ali estavam eles dando continuidade às amizades da família. Eles se conheciam desde sempre. De fato, Taehyung não conseguia se lembrar do primeiro encontro dos dois. Parecia simplesmente certo estar ali ao lado de Jimin o tempo todo.
— Taehyung-ah — Jimin disse com carinho enquanto abria um sorriso, cruzando os braços. O tom dele era de censura e divertimento, ao mesmo tempo. Então acrescentou no seu inglês britânico cheio do sotaque de sua terra natal: — Você não precisa forçar uma pose culta só porque quer ser escritor.
Realmente, diante do melhor amigo era quase que impossível se usar qualquer tipo de máscaras. Taehyung apenas meneeou a cabeça em silêncio, ainda meio sério. Então mordeu o lábio inferior levemente, apenas um de seus péssimos hábitos, e relaxou os ombros.
— Tudo bem, vamos tirar outra foto mais natural, então — ele murmurou. — Mas seria bom se você não jogasse fora a que acabou de tirar.
Jimin ergueu as sobrancelhas, ainda parado ao lado daquela indiscreta caixa de madeira sobre o tripé.
— Para quê? — ele, que acreditava que fotos deveriam ser tiradas em momentos de sinceridade e não apenas por pura formalidade, questionou.
— Vou guardá-la dentro de algo que é só meu — foi a resposta do amigo, que já começava a arrumar a postura novamente na cadeira para o próximo registro. — Quero vislumbrar como seria ter meu retrato em um escrito autoral.
Park Jimin ainda não tinha se dado ao trabalho de voltar para trás do tecido da câmera. Ele apenas fitava o amigo com aqueles olhos quase sempre cheios de euforia e admiração, mas que dessa vez retratavam nada mais que contentamento. O primo sabia que às vezes Taehyung sabia ser aquilo que nós atualmente chamamos de cabeça-dura. Portanto, o seu amigo não cederia, mesmo.
— O que está esperando? — Taehyung chamou a atenção de Jimin. Logo, o outro rapaz saiu do pequeno transe no qual se encontrava e voltou ao seu humor normal. Era uma espécie de superpoder dele. Enquanto isso, o jovem de cabelos encaracolados acrescentava: — Vamos tirar essa foto e dar ao meu querido amigo um retrato do meu verdadeiro eu.
Dessa vez Jimin sorriu bem largo, os pequeninos olhos quase que desaparecendo no ato. Os sorrisos dele eram sempre muito sem filtro... Aquilo meio que contageou o colega, o que fez com que dessa vez, a fotografia exibisse muito mais sinceridade que a anterior.
E mesmo depois que o seu melhor amigo sumiu por detrás dos panos do instrumento fotográfico, Kim Taehyung ainda podia enxergar o seu sorriso.
