oito || so the waters I will test

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Eu não tinha para onde ir, não tinha como achar Carolina Fontana, estava no corpo de uma mulher que se sentia atraída pelo meu maior rival que agora estava dando uma de bom moço com o expresso propósito de transar comigo, como se eu fosse querer dar para ele ou para qualquer outra pessoa, e Amélia Ribeiro, a pessoa que até ontem era apenas uma vítima das minhas brincadeirinhas cruéis, agora era a única com quem eu podia contar.

Eu só gostaria de saber como a minha vida pudera se modificar tanto do dia para a noite. O reflexo no espelho, com cabelos relativamente no lugar e com aparentemente nenhuma ponta dupla, não me dava resposta alguma. Os olhos, a única coisa que havia me sobrado do meu eu anterior, estavam grandes demais, brilhantes demais, expressando toda a confusão que eu sentia dentro de mim.

Lavei o rosto com cuidado, tentando não molhar as laterais do cabelo, mas falhando diversas vezes, já que as mechas insistiam em cair na pia. Também tinha vontade de fazer xixi, mas não estava pronta para fazer xixi sentado, por isso deixei para tentar fazer isso quando chegasse em casa, onde eu poderia gritar de frustração à vontade sem ser julgado como "a nova funcionária maluca" contratada pela Euforic.

Demorou alguns minutos antes que eu finalmente conseguisse fazer com que meu corpo e meu cérebro agissem em conjunto e tive de repetir diversas vezes na frente do espelho que estava tudo bem e que iria acabar logo, que antes do que eu pensasse eu teria um pau de novo e que tudo isso seria apenas um grande pesadelo que eu faria questão de esquecer.

E assim eu esperava.

Quando finalmente saí do banheiro, Amélia estava na porta, à minha espera, sem Leonardo em lugar algum à vista, o que me deixou bem mais seguro.

Não tinha gostado nada das reações daquele corpo feminino traidor à presença de Leonardo então quanto mais longe de mim ele ficasse, mais agradecido eu ficaria.

- Aqui estão seus documentos. – Amélia colocou uma pequena carteira preta em minhas mãos com uma expressão calma que demonstrava que havia perdoado, pelo menos por ora, as nossas brigas daquela manhã. A encarei agradecido e comecei a verificar o conteúdo da carteira. RG, CPF e outras coisas importantes que eu certamente precisaria quando fosse ao sétimo andar, ainda verificava tudo quando Amélia continuou – Não precisei ir ao departamento de arte, Pedro conseguiu arrumá-los para mim enquanto estive ocupada com a nossa campanha. Ele está sendo muito gentil comigo. Acho que a sua ausência deixou ele um pouco mais confortável.

Ah, certo. Pedro. O estagiário imbecil que achava que podia usar o horário de trabalho para passar a mão no cabelo da minha funcionária. Claro, eu precisava me lembrar muito bem do nome dele para demitir o imbecil assim que eu voltasse a ter um pau. Ou talvez pudesse arrancar o dele, apenas de vingança.

- Acha que eu sou um ditador e que todos estão felizes por não me verem nesse andar?

- Sim, acho. – ela respondeu, mal se importando com o meu tom de voz furioso. Tanto por estar me sentido um estúpido por ficar com tanta raiva infundada do estagiário quando pelo que ela deixou implícito ao dizer que os funcionários estavam mais confortáveis na minha ausência. – Acho que todos aqui tem medo de você e que você era um perfeccionista sem noção que se acha o alfa e ômega dessa agência, sem ser.

Meu queixo caiu e antes que eu pudesse dizer algo bem mal educado e com uma boa dose de palavrões, Amélia continuou:

- Não precisava se tornar uma mulher para saber o que todos já sabem, Santana: ninguém aqui gosta de você. Todos estão cansados das suas humilhações e falta de respeito, das suas crises de abuso de autoridade. Estão planejando uma festa por você estar fora por tempo indeterminado.

- Isso não é justo. Vocês não sabem a porra de trabalho que eu tive para manter tudo isso em ordem, para criar a melhor das reputações para essa maldita agência. Vocês não tem o direito de pensar que...

- E você não tinha o menor direito de nos humilhar. E olhe bem o que você fez.

Amélia levou uma de suas mãos ao rosto, tirando fios de cabelo que haviam caído na frente dos seus olhos e minha atenção se focou no movimento, querendo ser capaz de fazer o mesmo e tocar o cabelo dela da mesma forma. Mas não era tempo para isso.

- Você merece a sua lição. E eu espero que a aprenda.

Sem dizer mais nada, ela se virou para as portas de vidro e entrou, fazendo com que ela se fechasse em minha cara e fazendo o pequeno monitor ao lado da porta brilhar, vermelho, pedindo a autorização biométrica para que eu tivesse acesso à sala que, um dia, fora minha.

O funcionários riam e interagiam, um clima legal surgia de dentro da sala e eu apenas continuei observando-os, prestando atenção em como eles agiam sem mim, como eles lidavam, tentando imaginar o que se passava pela cabeça deles, se estavam se perguntando para onde eu havia ido, porquê e como. Mas eu não precisava saber ler mentes para ter noção de que ninguém daquela sala estava dando a mínima para mim.

Porque eu jamais dera a mínima para eles.

Eu jamais dera a mínima para ninguém que não fosse a mim mesmo.

E agora, eu era tudo, menos eu mesmo.

Eu tinha seios, vagina, muito cabelo e até mesmo atrações desagradáveis por pessoas ainda mais desagradáveis. Eu tinha tudo, mas não tinha ninguém. E eu que jamais acreditara que precisaria de alguém em minha vida, dependia de Amélia Ribeiro para tudo. Devia tudo a ela, a quem eu sempre achara que fosse incapaz de qualquer coisa que o fosse.

A que ponto eu havia chego?

Com um suspiro frustrado que fez meus seios envelopados num sutiã desconfortável subirem e descerem de um jeito feio, acionei o elevador para chegar ao sétimo andar, na esperança de que assim que eu assinasse aquele contrato, as coisas parecessem menos confusas e começassem a dar certo.

DianaOnde histórias criam vida. Descubra agora