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Fomos para o portão de entrada da casa. Como Gabriella e eu éramos muito próximas e vivíamos mais na casa da outra do que das nossas, nossos pais decidiram colocar uma porta no muro que divide as casas. Quando uma ia pra casa da outra, mandava mensagem antes perguntando se podia. Caso estivesse liberado, utilizamos a porta lateral com a própria chave; aliás, todos os membros de ambas casas possuíam uma chave. Éramos todos amigos.

Éramos...

Bom, como pessoas sensatas que a minha mãe é, ela achou mais lógico conhecer os vizinhos pela porta tradicional do que arriscar por uma porta q talvez nem tenham conhecimento. Provavelmente está cheia de trepadeiras de diversos tipos impedindo o acesso.

Tocamos a campainha, mas sem barulho em retorno. Os antigos moradores devem ter desligado a campainha antes de ter saído. O portão estava aberto para os funcionários da transportadora. Por mais que tenham se mudado de noite, ou não tem entregadores 24h ou eles têm muita coisa.

Minha mãe bateu no portão e entramos delicadamente. Embora soubéssemos de cor o caminho, não sabíamos onde eles estariam, nem qual seria sua reação. Seguimos pelo corredor lateral da casa até encontramos uma mulher magra, pouco mais alta que eu, de cabelos curtos e vestida elegantemente, que estava entre a porta da cozinha e o quintal dos fundos, ordenando os funcionários da transportadora aonde colocar as caixas; deduzimos que esta seria a nova moradora. Dissemos "olá" várias vezes, mas ela parecia tão focada na organização das caixas que não nos ouvia.

Segurei e dei uma leve apertada em seu ombro para que nos olhasse, o que eu me arrependi milissegundos depois de o fazer. A mulher tremeu tanto que ganharia numa competição com uma gelatina pra ver quem tremia mais. Seu grito tão estridente que pareciam galhos cheios de espinhos nos meus ouvidos; poderia jurar que ouvi algo quebrar... Talvez fossem os meus tímpanos.

Eu fiquei tão assustada que só sabia olhar da mulher pra minha mãe e da minha mãe pra mulher, sem tirar minha mão do ombro dela. Não conseguia identificar se minha mãe me lançava um olhar de reprovação ou de choque.

Alguns segundos (que mais pareciam séculos) se passaram até que a mulher pudesse a mão direita no peito e tentasse voltar a respirar normal. Não sei se era ela ou meus ouvidos, mas custei a ouvi-la perguntar quem éramos. Minha mãe começou a se apresentar e me apresentou por mim:

— E essa que ainda está segurando seu ombro, — disse quase como se berrasse "TIRA ESSA MÃO DAÍ" — é a minha filha mais nova, Yongsun. Não era a nossa intenção te assustar.

— Sim, me desculpe — escondi as mãos atrás das costas de vergonha, mas a minha real vontade era de cavar um buraco ali mesmo, enfiar a cabeça, tampar e nunca mais sair.

As duas começaram a conversar ali mesmo, como se já fossem conhecidas, tirando-a do foco da organização das caixas. Ela não pareceu se incomodar com isso, nem com a atenção exigida a cada segundo sobre onde deveriam depositar as caixas. Se eu a conhecesse, diria que ela estava grata por ter alguém para a distrair da sua possível exigência pela perfeição. As caixas que foram trazidas antes da nossa presença estavam perfeitamente enfileiradas, com os escritos tão bem alinhados que parecia que haviam sido medidas e impressas em sequência. Agora estão como pessoas normais as colocariam: com escritos desalinhados, empilhados como se estivessem com pressa, e os escritos "frágil" acima das caixas normais e algumas espalhadas pelo chão.

— E onde eles estão? — A pergunta da minha mãe me puxou de volta ao foco da conversa.

— Ah, meu marido está trabalhando — respondeu — e as crianças estão em seus quartos. Sabe como é, né? Querem arrumar tudo do seu jeito.

— Sei, sei... — Na verdade, minha mãe não sabia. Quando nos mudamos, eu e minha irmã éramos muito novas e só queríamos brincar, correr e atrapalhar o trabalho de todos. Mas é claro que ela não admitiria nem isso e nem o fato de que ela não teve crianças disciplinadas o suficiente para organizar os próprios quartos sem que um adulto ordenasse e orientasse.

De volta à nossa casa, me lembrei de que não havia perguntado sobre o rapaz de boné. Como ela havia dito que tinha crianças, só pude concluir que ele era um dos funcionários da transportadora. Sorte que eu havia decorado o nome da empresa e seria fácil pesquisar na internet o telefone da empresa ou, quem sabe, encontrar o perfil dele no LinkedIn.

Minha mãe ficou tão animada que não parava de falar sobre a vizinha. Meu pai e minha irmã ficavam cada vez mais animados para conhecer todos, só não sei se é pela quantidade de qualidades que minha mãe deu ou se era para que parasse de falar.

A casa 44Onde histórias criam vida. Descubra agora