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Acordei com a cara da minha irmã quase colada à minha, o que me fez soltar um grito.


— O q q aconteceu? — Perguntei — o que você está fazendo aqui?

— Você estava gritando e eu vim ver se você estava bem, mas você custou a acordar. Você tá bem agora? — Ela me analisava com os olhos e eu ainda tentando entender o que tinha acontecido — Fazia muito tempo que você não gritava assim.

É verdade. Quando Gabriella sumiu, eu tinha uns pesadelos estranhos que me faziam acordar gritando. Eram sonhos que envolviam perseguições, tentativas de assassinatos e até mesmo truques de mágica que acabavam com alguém morto ou eternamente desaparecido. O motivo de agora não poderia ser revelado, senão seria como assinar meu atestado de culpa por vigiar a vizinhança.

— Eu tô bem. É que eu acabei assistindo um vídeo de susto antes de dormir e acabei sonhando com aquilo — eu não sou muito boa em mentir, tanto que sempre evito, mas agora é questão de necessidade. Yonghee continuou me analisando, mas acabou se dando por convencida e me chamou para tomar o café que já estava à mesa.

Nos dois dias que se seguiram, eu tive o mesmo sonho com finais diferentes. No segundo dia, o rapaz ficava mais longe de mim. Ele tentava dizer algo enquanto esticava um dos braços na minha direção com a palma para baixo, como se pedisse para que eu a segurasse; já no terceiro dia, a palma estava para cima, como se pedisse que eu confiasse nele e segurasse sua mão. Em nenhum deles eu confiei, me dando o direito da dúvida no terceiro dia; em nenhum segurei, nem entendi o que tentava dizer, tampouco acordei gritando. No quarto dia, não sonhei com nada, quase como se entrasse em coma: no escuro entrei e no escuro fiquei até acordar.

No quinto dia, de tarde, minha mãe pediu para que eu fizesse compras no sacolão pra ela. Eu tinha confirmado com meus amigos que iria tomar sorvete com eles, ainda mais que estava um calor dos infernos. Para minha má sorte, não havia ninguém mais em casa e minha mãe sairia em breve para trabalhar. Com isso, tive que desmarcar com eles para fazer as compras. Até poderia sair com eles depois, mas só de pensar em chegar em casa com peso e depois sair nesse calor me fazia derreter feito gelo no asfalto.

Me recompus e fui para o sacolão. No setor das maçãs, vi uma que parecia perfeita: grande, vermelhinha, sem nenhuma mancha ou machucados aparentes. Eu podia até ouvir os anjos cantando enquanto a olhava, os holofotes sobre ela que brilhava tanto que parecia dizer "me coma mesmo sem lavar". Ao tocar, esperava aquela sensação lisa e firme, mas só consegui sentir uma coisa quente, levemente enrugada. Puxei minha mão rapidamente e olhei para a maçã ex-definição da perfeição.

Uma mão. Sim, havia uma mão lá. A mão de uma outra pessoa que estava levando a minha, até então, perfeição para longe. Olhei para o dono da mão que a puxou para perto do seu corpo. Era uma mulher, aparentemente da minha idade ou mais nova, quase da mesma altura que eu, com cabelo lilás acinzentado liso e longo até o meio das costas.

— Ah, me desculpe — ela começou, alisando as costas de uma mão com a palma da outra — pode pegar.

— Não. Você a pegou primeiro, então é sua por direito — sorri.

Ela estava tão desconfortável que chegava a ficar avermelhada e seguia insistindo que eu a deveria levar e eu que ela que deveria pegar. Quando achei que estava saindo vitoriosa dessa discussão desconfortável, ela pegou a maçã e a jogou dentro do saquinho com outras maçãs que eu havia escolhido antes. Não sei como, mas aquela atitude me deixou tão irritada que me senti um Jigglypuff, com a diferença de que eu não podia riscar a cara dela toda por diversos motivos, principalmente morais.

— Eu acho que nunca te vi por aqui — tentei disfarçar minha frustração pouco depois de pensar ter visto um mini sorriso no rosto da garota a minha frente. — Você é nova no bairro? Eu sou Yongsun. E você?

— Byulyi.

— Que? Bullying? O que que eu fiz? Eu só perguntei seu nome!

— Não! Byul-Yi. Me chama só de Byul.

— Ah. Desculpa. — Como se não bastasse meter a mão na mão dela, ainda faço bullying acidental com o nome dela. — Talvez eu devesse marcar uma consulta no otorrino...

— Deve mesmo. — respondeu secamente. Se virou para continuar escolhendo produtos e eu a segui.

— Mas então... É nova aqui no bairro?

— Sim. — Mais uma resposta seca.

— Tem muito tempo? Onde mora? Tá gostando do bairro? Precisa de ajuda com alguma coisa?

— Você trabalha no sacolão? Então não, obrigada.

— Ah, desculpa. — É, só agora percebo que posso ser bem chata às vezes e essa foi uma das vezes. Me afastei antes que levasse mais um coice. Byul suspirou.

— Hey, Solzinho. Você pode me ajudar a escolher uma melancia boa?

— Claro! Mas... "Solzinho"?

— É o mais leve comparado com o "Bullying" que você me deu.

— Uh, justo. Mas espera: porque melancia? — Ela tava me chamando de aparecida?

— Hm, não sei... Talvez porque eu queira comer melancia? — Se ela não tivesse falado sorrindo, ficaria extremamente ofendida.

Escolhemos tudo o que precisamos e partimos em direção à nossas casas. Mas uma coisa que ela não havia me dito era onde ela morava, então resolvi a seguir até a casa dela tanto pra ajudar caso ela ficasse perdida quanto pra matar minha curiosidade. Quase não conversamos muito por causa do calor, mas comecei a achar estranho ao perceber que a rota era a mesma da minha casa.

Paramos em frente ao número 4.444. A casa vizinha à minha. A antiga casa da Gabriella e a atual moradia da família Moon. Levei alguns segundos pra me recuperar do choque que me fez perceber que eu estava sendo muito ingênua. Não é comum haver muitas casas vagas no bairro e a da Gabriella é a única casa que foi ocupada recentemente, então seria lógico que ela seria uma Moon. Mas... A Sra. Moon havia dito que tinha meninas? Ninguém chamaria uma pessoa da minha idade de criança.

Me virei para conversar com ela ou talvez despedir, mas ela já havia sumido feito uma brisa.

A casa 44Onde histórias criam vida. Descubra agora