MAIOR QUE O MUNDO.

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Existe apenas uma coisa que a cegueira nos tira. “o privilégio de poder ver um sorriso” de tudo que as pessoas descrevem pra mim, de todas as coisas belas que elas descrevem pra mim, o sorriso é a única que ninguém
conseguiu descrever perfeitamente. Mas eu imagino ele em minha mente. Eu crio a perfeição em meus pensamentos e só por poder ter a chance de imaginar como um sorriso é de verdade… já valeu a pena ter nascido.

Minha mãe estava a trançar o meu cabelo. Eu estava sentado de costas na frente dela enquanto ela cantava. Ela
amava transformar o meu enorme cabelo em tranças viradas caídas para traz. O som do canto de minha mãe acalmava minha alma, me tirava da terra, eu me sentia fora do mundo,
como se tudo a minha volta deixasse de existir.

“Eu vi chover, eu vi relampear!
Mas mesmo assim o céu
estava azul… samborê, pemba, é folha de jurema.
Oxóssi reina, de norte ao sul…
Oxóssi filho de Iemanjá, divindade do clã de Ogum…
É Ibaluama, é Inlé.
Que Oxum levou pro rio, e nasceu Logunedé.
Sua natureza é da lua! Na lua oxóssi é odé!
Odé, Odé, Odé, Odé.
Rei de ketu, caboclo da mata, Odé, Odé”

— Vamos, canta comigo filho! – Em seguida cantamos juntos em excelente sintonia.

“Odé, Odé, Odé, Odé.
Rei de Ketu, Caboclo da mata, Odé, Odé.”

— Amo a tua voz. —Falei sem me virar. Ouvi o pequeno barulho do sorriso dela.

— E eu amo cantar pra você. —Disse minha mãe. Senti seus braços me segurarem por traz concluindo um
forte abraço que me fez se sentir a pessoa mais segura do mundo. Minha mãe é minha pessoa favorita no mundo e o mundo pra mim se resume a nossa aldeia.

Nossa aldeia chama-se aldeia 4. Uma das 7 aldeias espalhadas por áfrica. Onde todos temos os mesmos hábitos
e costumes, a mesma cultura. Inclusive vestimos os trajes da mesma cor para representar Quem: trajes verdes acompanhados de botas pretas… somos a aldeia dos
caçadores.

Ouvi a porta de entrada da nossa casa a ser aberta. Minha mãe continuava a fazer minhas tranças, infelizmente
eu não podia ver elas pois, eu nasci cego. Mas ela diz sempre que ficam bem em mim. Passos se aproximavam aos poucos do quarto em que estávamos.

—Sikamene! —Disse a pessoa nos saudando. Pela voz eu pude notar quem era. Era meu pai.

— Sikamene! —Respondemos em coro eu e minha mãe.

Ouvi ele se aproximar. Ouvi o barulho de seus lábios impactarem a testa de minha mãe. Em seguida pude sentir
suas mãos nuas tocarem meu rosto e seus lábios secos impactarem minha testa.

—Como está o meu pequeno guerreiro? —Perguntou ele.
Forte como as flechas de Odé. Imaginei em minha
mente ele sorrir após meu pronunciamento.

—Aonde você estava? — Perguntou minha mãe.

— Organizando as coisas para o torneio do ano que vem.

Meu pai se referia ao torneio Oxóssi. Um torneio realizado de duas em duas décadas. Sendo o meu pai o líder de nossa aldeia, isso coloca ele na posição de organizador. Eu esperei por este torneio a minha vida inteira, todos os jovens da aldeia com mais de dezoito anos vão participar. O vencedor do torneio será considerado o maior caçador de nossa aldeia “O guerreiro das sete flechas” e quando o líder actual cumprir os seus trinta anos de mandato, será ele a ascender como novo líder da aldeia 4. Toda minha linhagem é vencedora do torneio, meu pai, meu avô, meu bisavô e todos outros. Eu quero Honrar o nome da minha família, dos
meus ancestrais e orgulhar meu pai.

KELLANOnde histórias criam vida. Descubra agora