EU SOU KELLAN...

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Lágrimas, elas pesam. Quando elas escorrem é como se a vida ganhasse forma humana e corresse pelo nosso rosto e aí nós sentimos literalmente o peso da vida. Ninguém merece sentir o peso da vida, ninguém precisa sentir o peso da vida.

— Por quê você fez isso pai?— Perguntei sem me dele atrás de mim há uma distância de quatro metros.

— Não me chames “Pai” eu nunca quis ser teu pai. Se eu soubesse que você nasceria cego eu te mataria antes de nasceres. Sempre sonhei com um filho que triunfaria em torneios e levasse o meu nome pra boca de todos os aldeões. Mas você nasceu cego, só os orixá sabem o quão decepcionante foi quando descobri que tinha um filho cego, a tua cegueira é uma maldição e fez de você um fraco eu
sempre quis te matar e colocar outro filho no teu lugar. Mas eu não tinha como, Porque tua mãe estava sempre perto então esperei o torneio para finalmente eliminar o maior erro
da minha vida… você. — Uma lágrima começou a correr pelo meu olho esquerdo. Eu podia sentir o peso dela em meu rosto. Mas os motivos dela não foram as palavras que meu pai acabou de dizer mas sim pela pessoa que eu matei. A pessoa que ensinou que todos podem ver o mundo mas nem todos podem senti-lo. Essa pessoa me ensinou a sentir o mundo.
Mais uma lágrima começou a correr mas desta vez no olho direito. Ela pesava mais que a primeira. Era. quente e fria ao mesmo tempo, mas. essa lágrima não caia pelas palavras que meu pai disse. Mas sim porque o meu coração foi dominado por algo. que eu nunca aceitaria que me dominasse… o ódio!

Ele lançou a flecha na minha direcção meus reflexos foram rápidos e eu me desviei. lancei uma na direcção dele mas ele também desviou e se escondeu em uma árvore. Só me sobravam três flechas.

— Você precisa trazer o filho dele de volta. —  Gritei me escondendo em uma árvore.

— Filho? — Respondeu rindo. — O filho desse velho está morto, eu mesmo matei ele. — Quem é esse homem? Ele não é o homem que eu
chamava de pai. Não pode ser ele. Mas seja lá quem for… morre hoje.
Ele lançou uma na minha direcção e falhou.

— Então você erra? — Perguntei. — Já imaginou o quão humilhante vai ser pai? Quando os aldeões souberem que o melhor arqueiro da aldeia foi morto por uma pelas flechas de um cego. —Ele lançou outra e voltou a falhar. Ele saiu da árvore e se aproximou da árvore em que outrora eu estava mas não me achou. Ele deve estar a se perguntar aonde eu estava.

— Aonde você está?! — Perguntou ele meio irritado. Passei a correr por trás dele. Ele virou, mas muito lento pra poder me ver.

— Aonde você está?!

— Por que perguntas aonde eu estou? – Perguntei e passei mais uma vez por de trás dele a correr e mais uma vez
ele não me viu.

—Será que você sabe aonde está, pai? — Voltei a correr e mais uma vez ele não me viu. — Você está na selva, na
minha selva, e aqui… sou eu quem dita as regras! — Saí das árvores em andamento. Ele lançou uma flecha
contra mim e eu lancei outra que impactou a dele e caíram as duas no chão, ele lançou mais uma e eu fiz o mesmo movimento enquanto me aproximava dele, ele lançou a terceira e eu fiz o mesmo movimento. Quando dei por mim eu já não tinha flechas.
Ouvi ele colocou mais uma flecha no arco. Me virei de costas pra ele e comecei a correr, ele lançou a flecha na minha direcção apanho ela com a mão e ao mesmo tempo me virei pra ele colocando a flecha dele no meu arco, e lancei. Acertei a barriga dele em cheio. Ele caiu, o som de seu corpo impactar o chão foi mais alto que qualquer grito de socorro. Me aproximei dele devagar. Peguei uma das flechas que estava no chão e continuei a caminhar pra frente dele.

— Parabéns… você é o guerreiro das sete flechas. — Disse ele com a respiração ofegante.

— Não, Eu sou Kellan… o guerreiro de uma só flecha. — Coloquei a flecha no arco e apontei nele. Eu estava prestes a tirar a vida de meu próprio pai. O que eu me tornaria depois disso? Um monstro tal como ele? Mas era tarde pra desistir, o ódio já havia me tornado desumano. Estiquei a flecha com toda força e antes de largar ela ouvi o barulho de uma outra flecha ser solta que atingiu a cabeça dele. Seu coração parou de bater na hora.
Me virei e apontei a flecha na direcção em que a outra flecha foi lançada.

— Quem está aí? — Perguntei.
— Eu não podia deixar você se tornar em um monstro. Reconheci quem era pela voz… era meu tio.

Ouvi passos de várias pessoas se aproximarem. Eram os aldeões, eu me perguntava o que eles achariam de tudo aquilo. Eu estava condenado?

— Não se preocupa Kellan, eles viram tudo e ouviram tudo. — Disse meu tio se aproximando de mim.

— Você sabia não sabia? — Perguntei.

— Eu desconfiava. Por isso eu estava  a insistir para não participares do torneio, ele não queria matar meu filho, apenas o dele. Enquanto ele falava senti os braços de minha mãe me abraçarem. Ela não conseguia parar de chorar.

— Ele disse que eu sou um erro mãe.
Ela colocou as mãos em meu rosto e disse:

— De todos os erros da vida, você foi o mais bonito. Você é o erro que eu voltaria a cometer mil vezes. Ela me largou e ficou em pé perto de mim. Suas palavras ditas em seguida vieram com um tom de orgulhos e alegrias.

— Kellan detém o arco das sete flechas, ele é o melhor arqueiro de nossa aldeia. Salve o grande caçador.

— OKÊ ARÔ! — Responderam os aldeões. E lá estava eu. Diante de meu sonho realizado, a sensação de querer algo e conseguir depois de tantas quedas não tem preço nem descrição.

É única.

— Quem vai liderar a aldeia agora? O antigo líder está morto. — Disse um dos aldeões.

— Kellan é o sucessor por direito. — Disse outro aldeão. — Ele venceu o torneio e segundo nossa lei costumeira ele é o líder.

— Mas ele é muito jovem. — Disse outro aldeão.

— Parem! — Gritou minha mãe. —Deixem ele falar. — Todos ficaram em silêncio. Estavam a espera do meu
pronunciamento.

— Na verdade eu nunca quis liderar a aldeia, meu objectivo eu já consegui realizar, mas também sei que não
posso violar nossos costumes, eles são sagrados e são nossa riqueza. Por isso, eu indico meu tio como novo líder da aldeia, até um dia quando eu ter idade para liderar. —  Ninguém se opôs ao que eu disse. Todos concordaram, nós estávamos prestes a dar um novo passo como povo. Um povo longe das mentiras e de uma liderança falsa. Estávamos prestes a nos tornar aquilo que um povo realmente deve ser.

KELLANOnde histórias criam vida. Descubra agora