DIA 22
QUARTA SEMANA DE TREINAMENTOVoltei a floresta. Estava a espera do senhor Xola. Já faz um bom tempo que treinamos, aprendi imensa coisa. Eu não era o mesmo rapaz indefeso de antes, eu me sentia mais forte a cada dia.
— Sikamene. — Disse o senhor Xola.
— Sikamene! — Respondi a saudação.
— Hoje não terá treino.
— Por quê?
— Senta-se! — Ordenou. Me sentei em uma pedra. Ouvi o barulho de algo no
peito do senhor Xola.— O que é isso em seu peito senhor? — Toque e saberás. — Coloquei as mãos, parecia um colar cuja sua ponta era dura como uma pedra. — De onde vem esse colar senhor?
— Eu trouxe comida pra você criança. — Disse ele ignorando a minha pergunta. Ele colocou algo em minha
mão. Eram frutas: bananas, mangas e amendoim.— Muito obrigado senhor Xola. — Não me agradeças.
— Posso fazer uma pergunta senhor?
— Podes.
— Por que o senhor está a me ajudar? Não acredito que seja simplesmente pelo senhor me ver a ser humilhado. Deve ter algo a mais.
— Você tem razão. — Ele suspirou. — Estou a fazer isso pelo meu filho.
—Onde está ele?
— Morto!
— Que as flechas de Oxóssi lhe guiem entre os ancestrais.
—Obrigado. — Disse o senhor Xola. – O colar que você pegou era dele.
— Como ele era?
— Cego. Assim como você. —Parei de comer e decidi prestar mais atenção ao senhor Xola. Ele me parecia sério. Seu coração batia rápido o que queria dizer que seu filho mexia com ele.
— Ele não nasceu cego. Ele podia ver mas aos quatro anos tornou-se cego. Eu tive que fazer de tudo para ensinar
ele a viver nesse mundo. Eu dizia pra ele que ele tinha que ser forte porque o mundo lá fora odeia pessoas diferentes. Treinei ele e ele conseguiu agir como uma pessoa normal. Ele passou pelo mesmo que você, as pessoas riam dele, se afastavam
dele, sentiam pena, odiavam ele. Meu filho não era tão forte como você kellan, e quando fez 17 anos ele se matou.Meu coração deu um nó depois de eu ter ouvido a última frase. “ele se matou”.
— Sinto muito senhor Xola.—Não sintas! – Respondeu ele. – Ouve criança! Todo mundo pode ver o mundo mas nem todos podem senti-lo. Nunca se esqueça disso. —
Fiz que sim com cabeça. Tentava imaginar tudo que ele passou mas não conseguia chegar nem perto de entender a dor dele. Por que que tudo tem que ser assim? Por que que
pessoas têm que morrer? Por que a vida tem que ser assim? O senhor Xola é uma pessoa boa. Pessoas boas não podem sofrer. Ou pelo menos não poderiam.—Qual é o teu orixá favorito senhor Xola?
— Eu não acredito nos deuses!
— Por que?
— Os deuses foram criados para termos algo pra nos apegar. Esperança. As pessoas precisam ter esperança que ter algo que um dia lhes vai livrar desse lugar sujo e imundo chamado mundo. Quem acredita nos deuses são os tolos.
—Eu sou um tolo! — Afirmei com um sorriso. — E continuarei a ser até o dia da minha morte senhor Xola. —
Dei uma mordida na fruta e enquanto mastigava perguntei: — Sabes qual é o meu orixá favorito?— Não me importa!
—Oxóssi! — Gritei. — O grande deus da caça. Eu sou recto e firme como o seu arco e flecha.
—Eu vou ter que ouvir isso?
— Okê Aro! É a sua saudação. “Salve o grande caçador.”.
—Dá pra calar a boca criança?
— Depende da quantidade de frutas que ainda tens senhor. —Ele deu uma risada.
—Eu ouvi um sorriso? Foi mesmo isso? — Ele continuou a sorrir e a nossa conversa tornou-se mais
divertida a cada minuto. Nem notamos o tempo passar. Passamos o dia todo a conversar, eu lhe ensinei que a vida é um minuto e deverias desperdiçar todo tempo dela sorrindo.
Até das nossas desgraças nós devemos sorrir. Assim mostramos pra elas que somos mais fortes. E ele me ensinou
um conjunto de pérolas sobre a vida. Depois daquela conversa… eu deixei de ser o mesmo.
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KELLAN
Genç KurguEste livro é um Spin off de afro. não precisa ler afro para entender. Sinopse: Em uma aldeia África, um menino que nasceu cego sonha em ser o melhor guerreiro de sua aldeia. de duas em duas décadas é realizado um torneio "torneio Oxóssi" onde o venc...