"What We Supposed to Be"

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Capítulo 14

  Em determinado momento a melancolia tomou conta do Júlio. Ele não se importava mais. Dentro do ônibus, enquanto este não dava partida, ele recostou-se na mochila, e escondendo o rosto chorou mais uma vez. Sentia uma dor atípica no peito,  consequência da recente rejeição, como se o seu ego fosse destroçado em dezenas de pedaçinhos e não houvesse como reconstruí-lo. Sentia-se um perfeito estúpido pelo que fez. Sabia, em seu íntimo, que não se sentiria bem o restante do dia, então... Aquele ônibus em que estava não o levaria ao trabalho e sim de volta para seu apartamento. Naquele horário, havia poucas pessoas a sua volta, ninguém o viu chorando, até porque ele não fez quase nenhum barulho.
    O ônibus seguiu seu caminho. O choro cessou, e ele observava as ruas, os prédios, as pessoas e o tempo nublado, sem com isso demonstrar nenhuma reação. A apatia o atingiu em cheio.
    Júlio levantou-se e deu o sinal para descer. Sua respiração estava mais tranquila. Assim que desceu do ônibus, sentiu a garoa que caia em São Paulo.

*
 

  César retornava da padaria pois, não encontrando o senhor que vendia seu cigarro numa banca próximo à uma igreja evangélica, ele teve de voltar pelo caminho mais longo, e cobriu-se com o capuz da garoa fina que caia naquele momento.
    Descendo a estreita rua onde morava, ele avistou o Júlio abrindo o portão e assobiou. Júlio olhou pra trás e esperou, não sem antes suspender os olhos.
    - E aê Jovem? - cumprimentou o César.
    - Oi... - Júlio disse, sem o menor ânimo.
    - Ish... O que aconteceu?
    - Nada. - Júlio não quis dizer e foi logo subindo as escadas.
    César o seguiu. Assim que entraram no apartamento, César o observou, abriu o maço e acendeu um cigarro, dando uma boa tragada. Júlio se jogou no sofá e largou a mochila ao lado quase ao mesmo tempo.
    - Cê não deveria estar no trabalho Júlio? - César perguntou calmamente, abrindo a geladeira e procurando algo. Não houve resposta. César fechou a geladeira e o olhou. Júlio olhava apático para a televisão desligada como se ela exibisse alguma coisa. César foi até a pia e mexeu numas panelas sujas, em seguida abriu o forno, e logo o fechou. Depois abriu a tampa das duas panelas em cima do fogão. Por fim, abriu o armário e olhou seu conteúdo. Soltou um suspiro desanimado.
    O que ele procurava realmente estava em falta: comida pronta! Também não encontrou nada de diferente pra que pudesse preparar. Ele disse:
    - A gente tem de fazer compra Júlio, o que acha?
    Júlio lentamente virou o rosto e olhou para o César, respondendo:
    - Tá... A gente faz. - Foi só o que disse.
    - É, mas hoje não tem nada pra comer. Só pão e frios que comprei pro café da manhã. Que tal a gente ir ali no Habib's, aquele que abriu lá no começo da avenida e almoçar lá?
    Júlio não respondeu. Estranhamente, ele fechou os olhos, recostou a cabeça pra trás no sofá e sorriu de leve. César não entendeu aquilo e continuou fumando. Sabia que o amigo não estava bem, e talvez poderia ajudá-lo, saindo para para comer fora e conversarem. Júlio concordou com um aceno simples.
    Durante o caminho até o Habib's eles não falaram nada um com o outro, mas seguiam lado a lado, tentando se esquivar das goteiras dos telhados e edifícios, desviar das poças e fingindo que não estavam tomando garoa.
    Sentaram perto duma janela e sem demora, escolheram e pediram pra o garçom uma das opções do cardápio.
    Enquanto esperavam o pedido, César encarou o Júlio.
    - E então... Cê tá vindo de onde?
    - De lugar nenhum. Na verdade, do serviço... - Disse Júlio, com voz calma e baixa.
    - O que aconteceu pra você não ir hoje? Alguma cosia com o Guilherme?
    - Não... Nada a ver. Ele não fala mais comigo depois que terminamos. - Júlio disse, não sem antes fazer uma careta ao ouvir o nome do ex.
    De repente, o celular do César tocou, era um número desconhecido na tela. Ele atendeu levantando-se. Enquanto isso Júlio olhou ao redor. A maioria das mesas estavam vazias pois era começo de semana e Júlio voltou-se para olhar a rua e a garoa que caia.
    "Essa foi a principal diferença entre o Guilherme e o Naldo: eu não senti nem metade do que tô sentindo agora. Essa minha frustração foi única do meu primo. Fui dominado por uma paixão que poucas vezes senti antes. Gostaria de ter sentido isso pelo Guilherme, mas… "
    - Você não vai acreditar! - César voltou, interrompeu a linha de pensamento do Júlio, com um grande sorriso no rosto. - Acabei de receber uma ligação de uma empresa, para uma vaga de auxiliar administrativo. Marquei uma entrevista para próxima segunda.
    - Sério? Nossa, que legal César! - Júlio falou, com um sorriso sincero no rosto.
    - Nossa, achei que iria demorar tanto pra conseguir outro, mas... Deu certo a minha busca pela Internet.
    - É… Hoje em dia é bem mais fácil com a internet. Eu fico muito feliz por você. - Apertando a mão do amigo.
    - Valeu. - César ficou muito contente, mas dentro de si, instalava-se uma sementinha de ansiedade pela entrevista que viria.
    O garçom trouxe o que eles pediram. Dois Beirutes, batata frita para ambos e dois grandes copos de refrigerante. Eles começaram a comer e permaneceram em silêncio nesse meio tempo. Até que César voltou a dizer:
    - Ei, cê não vai me dizer porque tá assim...? - Falou com a boca cheia. Júlio suspirou, engoliu e por fim disse:
    - Eu me envolvi com uma pessoa que não deveria e... Sei lá, acho que… - Dava pausas entre uma frase e outra - Acabei me apegando rápido demais.
    - Sério? Você...? - César disse, meio irônico com um riso de lado.
    - Como assim, eu? - Júlio franziu a testa.
    - Ah... Sei lá, achava que você não era do tipo de cara que se apegava. - Bebeu um gole de refrigerante. - Daqueles que, apenas curte aproveitar a maioria dos...
    - Achou errado César. - Júlio disse sério. Após engolir o que mastigava voltou - Tá me chamando de 'galinha' de uma maneira gentil né? E você tá se baseando em quê pra achar isso...?
    - Ah... Júlio, sem maldade, mas... Cê tava namorando o Guilherme, um cara 'dahora' e tal, e do nada, cê traiu ele com um vizinho que... Mano, nem é lá essas coisas. Então, o que poderia esperar além do término? E pouco tempo depois cê já tava indo pra baladinha com Andrei e Jessica, por isso eu achei…
    - Aham, mas não foi o Guilherme que me deixou chateado hoje. Acha mesmo que eu iria voltar atrás daquele idiota possessivo?
    - Tá vendo... - César refutou -... O que o cara fez, pra você pra tá chamando ele de idiota?
    - Nada. Mas o que isso tem a ver? Eu falei que não tava legal porque me apeguei a quem não deveria, não porque eu trai o Guilherme ou se o outro cara era 'isso tudo' ou não.
    - Tá certo, foi mal, a gente só desviou o assunto... - César estava quase terminando sua refeição. - Quem foi esse sortudo pelo qual você se apegou? - Indagou.
    Júlio não respondeu de imediato, mastigando e observando algo pela janela. César ficou calado, apenas olhando-o. Júlio voltou a falar:
    - Então, na sua cabeça eu sou um galinha sem vergonha né? - sei rosto carrancudo - E o que você seria? Um 'playba' metido a gostoso, que também não sabe se relacionar, e ainda estraga o relacionamento dos outros comendo a mina do amigo.
    - Ei... - César olhou-o de sobrancelhas franzidas tentando entender aquele tom do amigo, que não era grosseiro, mas certamente irônico e ofensivo. - Eu não falei isso com a intensão de te chamar de nada não. Só tô querendo te ajudar mano, conversar de boa apenas...
    - Claro, mas antes cê tem de expor os defeitos que eu tenho pra justificar os sofrimentos que eu passo. Sendo assim, os sofrimentos que você andou passando também foram por conta desses seus adoráveis defeitos? Ou seriam desvios de caráter?
    César ficou mais ofendido com o final da sentença do que com o fato citado em si, e sem alterar o tom para que não virasse uma briga entre os dois, não teve outra ideia a dizer a não ser:
    - Vai tomar no seu cú Júlio, não foi disso que eu tava falando...
    - Vai tomar no cú você! - Júlio retrucou com certa raiva no olhar. Após isso virou o rosto e tomou o resto de seu refrigerante disfarçando.
    Os dois ficaram mudos por tempo suficiente, pois ambos terminarem a refeição e permanecem sentados à mesa. César não aguentou mais aquela quietude, ainda mais depois de perceber que o Júlio parecia ter começado a chorar.
    - Foi mal mano... Não quis te ofender. E não precisa me ofender só pra me mostrar que eu te machuquei. Foi mal!
    - Tá certo... Me desculpa também. - Júlio disse ainda sem encarar o amigo, limpando a linha de lágrima que escorria em seu rosto.
    - Mas... - César olhou pra baixo pensativo, afastou os pratos - Cara, a gente mora junto, não há porque a gente ficar assim... Fala pra mim, o que foi que te aconteceu?
    - Sabe... Eu prefiro não falar. - Júlio voltou a ficar abalado, sua voz falhando e ele se levantou da mesa. - Se eu te falar já sei que vou julgado novamente e... - Olhou direto para o amigo - Você também não me conta o que cê apronta nas madrugadas então, não há porquê... - Ele foi tirando uma nota de vinte reais do bolso e jogou na mesa quando César disse:
    - Mas a gente não pode mudar isso? Ser mais... - César parou de falar. "Sincero um com o outro" foi o que pensou em concluir. Queria revidar dizendo algo a mais, porém, compreendeu que assim como ele, o amigo também queria ter seu tempo sozinho e não compartilharia seus segredos naquele momento. César calmamente arrumou os pratos na mesa, pegou os vinte reais do Júlio, juntou com as suas notas e foi até o caixa pagar o almoço.

Júlio & César (1ª Temporada)Onde histórias criam vida. Descubra agora