"Something New"

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Capítulo 02

As coisas tinham ficado corridas para o César. Desde que havia se mudado às pressas, aproveitando um favor indispensável economicamente, para o apartamento que dividiria com o Júlio, não parou um minuto. Seu domingo foi dedicado à montar, sozinho, todos os seus móveis no quarto novo, além de esvaziar caixas e roupas das malas.

Obviamente, Júlio não o ajudou, até porque ele passou fora o domingo inteiro. César aproveitou para conhecer todos os cantos do apartamento e a vizinhança, que a partir daquele momento seria a sua nova residência. Reparou que o chuveiro realmente tinha algum problema, pois o morno ficava frio e o quente ficava morno. Ele tomou um banho frio mesmo, graças ao calor que fazia. Ademais, o resto do banheiro era bem ajeitado e limpo.
Instintivamente tentou abrir a porta do quarto do Júlio e notou que estava trancada. "Saquei o esquema" Ele pensava, analisando. Mas os mantimentos eram todos expostos, tanto na geladeira quanto no pequeno armário ao lado dela. "Hmm... Interessante. Ao menos ele não parece ser mão-de-vaca, escondendo coisas ou dividindo tudo nos mínimos detalhes." Continuava analisando. O sofá, apesar de visivelmente gasto, tinha algumas mantas cobrindo-o, deixando mais macio para quem fosse se sentar. César o achou confortável e até tirou um cochilo depois de fumar um cigarro e aproveitar a vista da janela.

César tinha de ir no bairro de Pinheiros buscar seu uniforme novo do restaurante onde trabalharia a partir de quinta-feira. Rapidamente ele conseguiu fazer isso na segunda à tarde, e à noite ele descansou, isolando-se e adaptando-se ao seu novo quarto.
Ele voltou a falar com o Júlio somente na manhã de terça-feira.
- Bom dia. - Disse indo ao banheiro.
- Bom dia. - Respondeu Júlio. Um segundo depois, fora da vista do César, Júlio esboçou um sorriso, talvez inconscientemente, enquanto preparava algo no fogão.
Em seguida, César se serviu de café com um pouco de leite. Notou que, ainda não havia nada que fosse seu, na geladeira ou na dispensa. Acendeu um cigarro e sentou-se na ponta do sofá. Assim que Júlio sentou-se na única cadeira da mesa e começou a tomar seu café da manhã, César achou que seria o momento:
- Então Júlio, como a gente vai fazer com as compras? - Indagou, tratando de jogar a fumaça pela janela. Júlio sentia o cheiro no ar, distraído e respondeu:
- Na verdade ainda não pensei nisso. Por quê?
- Porque eu acho que tô pegando seu leite desde que me mudei e... Antes que dê alguma confusão, seria bom se a gente conversasse sobre isso. - César disse tomando um gole do café.
- Não tem problema nenhum cê ter tomado meu leite. - Deu uma breve risada. - De certa forma é até bom, as vezes ele estragava quando era apenas eu a tomá-lo. - E deu uma pausa, olhando o celular. César estranhou o silêncio prolongado, ainda esperando uma resposta.
- Tá... Mas e quanto às demais coisas?
- Eu não sei César... Ainda não pensei nisso. Cê tem alguma ideia, alguma sugestão, já que tá tão preocupado? - Júlio disse rápido e de boca cheia.
- Também não tenho, mas achei que você... - César não gostou do olhar veloz, mas esnobe, que o Júlio expressou, ainda com a cabeça baixa em seu iPhone. - Deixa pra lá... Quando eu tiver alguma ideia eu te falo. - Levantou-se e foi para o seu quarto.
"Dane-se! Tenho mais o que fazer do que ficar perdendo tempo com alguém que não quer dialogar sobre nada. Preciso cortar o cabelo ainda hoje." Refletiu, bagunçando o cabelo e olhando-se no pequeno espelho do guarda-roupa. Colocou um boné preto, sacou seu cartão de débito e foi ao mercado mais próximo.

Varios minutos depois. Júlio tomou banho e ao sair do banheiro, César estava guardando algumas coisas no armário da cozinha e ouviu o outro dizer de maneira serena:
- Você arrumou o chuveiro?
- Sim... Era uma pequena falha no fuzil e ontem eu consegui dar um jeito. Ficou ruim? - Ele falou ainda virado para o armário.
- Não... Ficou ótimo. Ás vezes ele pode voltar, mas, por enquanto tá muito bom. - Uma pausa. César ainda não voltou o olhar. - Obrigado viu. - Júlio disse.
César apenas fez um gesto com a cabeça e quando Júlio entrou no quarto, um ar de desagrado perpassou seu rosto. "Parece que vai ser difícil conviver com esse cara hein. Ele tenta ser humilde, mas, seu orgulho é bem maior." Refletiu César.
Júlio saía para o trabalho por volta das 13 horas e quase em seguida César também saiu para cortar o cabelo. Foi ao salão de cabeleireiro de sua amiga Simone que ficava num conhecido Shopping Center próximo à Avenida Rebouças. Ele teve de aguardar sua vez, escutando música no fone de ouvido.
O salão tinha decoração sofisticada, com muitos espelhos, flores, cores pastéis e fotos de modelos em vários locais com seus cabelos super produzidos; o salão era voltado para um público elitizado e que podiam pagar pelos serviços caríssimos ali prestados. César poderia até se sentir intimidado, mas ele não estava, mesmo com suas roupas pretas em sua maioria, ele tinha certo estilo. De cabeça baixa, distraído em seu celular, o que quer que pensassem dele parecia não atingi-lo.
Uns trinta minutos e cinco fases de “Guitar Hero” depois, o César foi chamado. Por conta da distância, a amiga o chamou por um gesto de mão e ele seguiu pelas cadeiras, espelhos e pelos clientes ao redor.
- Oi meu lindo! Tudo bem? - Simone falou abraçando-o.
- Tudo ótimo gatona e você?
- Estou maravilhosa! - Ela disse animada, jogando seu cabelo estilo "Channel" com luzes para trás e girando a cadeira para que César se sentasse. - Minha agenda tá meio devagar essa semana, mas daqui a pouco chegará uma das minhas clientes mais exigentes.
- Entendi. Não quero te atrapalhar tá... - César disse e ela balançou a mão num gesto de "não ligue pra isso". - Muito obrigado Si, por conseguir essa brecha para mim...
- Senta logo - Simone falou com um sorriso.
Ele sentou de frente para o espelho, percebendo noutro espelho atrás de si, que seu cabelo estava mais comprido do que ele imaginava. Simone, colocou a capa sobre ele, mexendo rápido naquele cabelo denso borrifando água aqui e ali, falava:
- O que eu não faço por você não é? - Aproximando do ouvido dele – É só disfarçar, igual daquela vez. Quando tiver saindo, vou te entregar uma comanda e você preenche, para que achem que você pagou igual a todo mundo. Tudo bem? - Ele riu pelo espelho e concordou com a cabeça. - Como você vai querer?
César foi dizendo como queria seu corte, nada muito demais, apenas diminuir o volume em cima e dos lados, deixando de um jeito que ele pudesse fazer um topete satisfatório.
Simone fazia seu trabalho cantarolando baixinho; era alta, magra, tinha um bonito rosto e algumas tatuagens pelo braço. Eram amigos desde a época da faculdade, onde ela ainda estava cursando administração.
Os dois conversaram pouco durante o corte: primeiro porque foi mais rápido do que achou que seria e segundo porque Simone tirava as dúvidas de uma mulher. A cliente estava recostada na bancada ao lado da cadeira do César e falava elegantemente sobre seu cabelo loiro, quase platinado, que não sabia qual penteado fazer para determinado evento. Entretanto, enquanto Simone sugeria alguns modelos e os serviços disponíveis, a mulher não parava de olhar para o César. De altura mediana, de batom rosa, roupas requintadas com um farto decote, exibindo uma bolsa Gucci preta e dourada. Por mais que ele disfarçasse, como quem não está vendo, ela mantinha os olhos nele sempre que a Simone desviava o olhar.
Terminado o corte, a mulher foi até o caixa e os dois amigos saíram para conversar, na entrada do shopping próximo a uma passarela. Simone e César acenderam seus cigarros e colocaram o assunto em dia. César dizia:
- Agora eu tô na zona sul, morando lá no Parque Figueira, conhece?
- Por esse nome não? Fica perto da Vila Cristóvão? - Simone indagou.
- Não... Na verdade eu não sei. - Eles riram. - Ainda vai fazer uma semana que tô morando por lá, ainda não conheço os bairros ao redor.
- E esse rapaz, cê conheceu onde? Não é um Magno da vida não né?
- Não, não é... Ele é gay. Eu o conheci na Internet, através de um anuncio no Facebook, mas não sei se isso foi bom ou ruim. Eu tava precisando de um lugar pra morar e aí... Foi o mais em conta que encontrei.
Simone estava encarando-o com olhar de suspeita, um sorriso bem humorado. César riu e disse:
- Não, eu não virei gay. - Ela riu alto quando ele entendeu. - Somente ele é. Pode parar com essas ideias...
- Ah... Achei que tava vindo pro meu time.
- Não. Mas, ele parece ser gente boa, apesar de ser bem orgulhoso e a gente já tretou já. Mas tá tudo de boa agora.
- Você também gosta de uma treta né meu amor...? - Ela falou carinhosamente irônica. - Por falar em time... Cê reparou na Larissa?
César franziu a testa, pensando e deduziu:
- A mulher que tava falando contigo? E me encarando como se eu fosse um frango girando na prateleira...
- Ela mesma! Ela jura que eu não reparei né?. - Riram. E depois pegou o celular, jogou a bituca do cigarro fora e mostrou uma conversa do aplicativo para ele, que também terminara de fumar. - Ela quer seu número. O que faço? - Virou o aparelho pra ele ver.
- Nossa... Sério? - Admirou-se pela atitude da mulher e ficou indeciso, dando uma pausa, sobre o que responder. - Ah, pode dar meu número. Não tenho nada a perder mesmo. - Seu olhar vagueou por um segundo - É ela é bem gostosa.
- Ahf… E é mesmo.- Os dois gargalharam. - Tá certo. Respondo pra ela já já. - Simone disse, caminharam pelo estacionamento até a outra saída enquanto escrevia no aparelho. - Mudando de assunto... E aquele probleminha lá César? - Ela assumiu um tom mais sério.
- Tudo bem. Tá tudo controlado. - Ele disse dando uma piscadela confiante. Ela lançou-lhe um olhar de esguela e disse:
- Espero. Vou acreditar em você hein.
Ele deu uma leve trombada ombro a ombro com ele e em seguida despediram-se. Com algumas poucas palavras, César a convidou para conhecer seu novo apartamento, abraçaram-se e cada um foi para seu caminho. Ele, agora se sentia mais bonito, com cabelo cortado rente do lado e com um corte desfiado em cima, pois, seu cabelo era muito espesso, assim conseguiria fazer penteados espetados ou outros que quisesse. Um cabelo bem produzido sempre trás mais confiança a qualquer um.

Júlio & César (1ª Temporada)Onde histórias criam vida. Descubra agora