_ Pois diga-me, agora deixaste-me intrigada!
_ Digo sim, é um índio, o mais belo de todos, perfeito em todos os sentidos. Além de cavalheiro, gentil, romântico, atencioso, galanteador, responsável e infelizmente ou felizmente, cumpridor das regras da sociedade. Tens sido minha alegria desde que retornei, não penso em outra coisa, está presente em todos os meus sonhos.
_ Não compreendo! E o que vos impede, se ele não é comprometido?
_ Não é casado, mas é prometido. Não é permitido a miscigenação. _ baixando os olhos, sentou-se no banquinho que fizera outrora e riscou a terra no chão com um pedaço de galho quebrado que encontrara caído.
Os cachorrinhos agora estavam deitados também sob uma sombra, respiravam ofegantes com suas linguinhas minúsculas para fora da boca. Helena, vendo a tristeza da amiga aproximou-se e sentou-se do lado.
_ Diga-me, o índio sabe de teus sentimentos?
_ Sabe sim, vem me ver todos os meses, no terceiro dia da lua cheia. A noite em que os homens saem à caça.
_ E já pensaram na hipótese de ele deixar a aldeia?
_ E viver como europeu? Sim, ele disse que não saberia como viver. E é preciso honrar sua linhagem, casando-se com a prometida de sua infância. Uma índia abusada que se diverte com o melhor amigo dele as escondidas. _ começou alterar-se mas conteve-se. _ Se pudesses conhecê-lo saberias que não minto. Quando estamos juntos não preciso de muito. Amo aquele sorriso, a voz, o cheiro, a mão forte e com um toque tão macio, aqueles olhos negros e profundos que parecem penetrar-me a alma. Ai, ele abraça apertado como que me envolvesse em um casulo apenas dele...
Falava com tanto entusiasmo, que calou-se no instante em que seus olhos cruzaram os da amiga. Helena estava boquiaberta e olhos arregalados, não esperava que a menina tivesse experimentado tanta intimidade. Assustada, teve medo da próxima reação; havia falado demais, não era nem a metade do que sentia pelo índio, mas era demais pra jovem à sua frente. Uma jovem de boa índole precisava de modos, ser recatada e não assanhada; caso contrário não acharia um bom casamento.
_ Perdoai-me, excedi-me um pouco. _sorriu sem graça e tentou mudar de assunto.
Não pôde, a amiga já estava envolvida demais para deixá-la a deriva.
_ Não te preocupes, não direi nada a ninguém, só me espantei, pois, não esperava tamanha situação. E o que pretendes, ter um relacionamento extraconjugal? Quando ele se casa?
_ De maneira alguma pretendo ser uma rameira, não estamos namorando, somos apenas amigos. Ele se casa ao final do próximo ano.
_ Mas tu dizes de uma forma que não parecem apenas amigos. Já se beijaram alguma vez?
_ Apenas uma vez, mas por impulso. O instinto foi mais forte. Não se repetirá. Mas nos sonhos não consigo impedi-lo, confesso-vos.
_ O que pretendes fazer? Não podes viver desta forma! Precisas convencê-lo que não é necessário tal sacrifício, não é preciso honrar o nome ou a família se não estiver na aldeia.
_ Ainda não sei, não consigo pensar corretamente. Quero apenas estar com ele, a presença dele me acalma, me faz bem. A ele me entregaria sem precisar de muita coragem. Era absolutamente tudo o que eu queria. Mas não podemos. _ Os olhos embaçaram-se, uma lágrima quis descer mas foi impedida. Enxugou o rosto e olhou para a copa da árvore que presenciara tantas cenas nas noites de lua cheia.
_ Se me permites, posso sondar a senhora minha avó, no que deves fazer. Se não tomardes uma atitude sofrerás por toda uma vida.
Emilie relutou por um instante mas cedeu. Precisava de alguém com sabedoria e um pouco mais de vivência. Afinal, seu coração gritava tão alto de amor e desejo que corria o risco de cometer uma loucura qualquer hora.
O coração havia domado a mente, essa se via incapaz de planejar ou criar uma solução plausível para o momento. Desejava se entregar ao instinto e propor fugir com Jakvan tal como a senhorita Helena faria. Era forte o sentimento, a dor da distância e da incerteza; as recordações dos momentos juntos, a alegria que sentia com a presença dele, era agora impossível resistir tal paixão. Em sua mente, todos já desconfiavam; seus olhos brilhavam tanto quanto a lua nas noites de encontro. A vontade era de correr por aqueles campos floridos, entre aquelas trilhas cercadas por enormes árvores às margens do rio, até chegar a aldeia e pular em seu colo, abraçar forte e demoradamente; para que todos vissem e soubessem que encontrara o amor de sua vida e não abriria mão dele por tradição nenhuma, não importava-lhe as consequências.
Mas em alguns lampejos de lucidez, lembrava-se de sua mãe, de seu pai, seus tios, a sociedade, o medo e a insegurança de Jakvan e acalmou-se os ânimos. Respirou fundo e olhou novamente a jaboticabeira.
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Domando o instinto [ Concluído]
Historische RomaneUm acidente, muitos tabus, um amor improvável numa eterna paixão. Um lindo romance de época. Jaci, uma moça linda, curiosa e inteligente, de muita empatia e um afiado olhar crítico. Permanece sempre fiel aos seus princípios, mas nada a impede de...