Capítulo 10 - Batalha ideológica

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A cápsula estava em absoluto silêncio após a frase que saiu do rádio de comunicação. Toda a atmosfera estava em suspensão esperando que Charles dissesse algo, ou pelo menos que ele voltasse a respirar. Aquelas duas palavras não fariam qualquer efeito em outro momento, mas na situação atual e associada àquela voz, fizeram o coração do astronauta saltar uma batida: "Olá, Charles."

O crepitar do rádio se manteve, dando sequência à voz monótona que se projetava dele:

– Fico feliz que você tenha sobrevivido para assistir o meu triunfo.

Após recuperar o fôlego, Charles respondeu em um tom repleto de determinação:

– Cadê a Tsu?

– Ah, Charles... Sempre colocando a vida das pessoas à frente da sua. Por que você está tão preocupado com a vida dela se não vai ser capaz de manter a sua própria? Não há mais salvação para vocês, amigo – o exagero na entonação dessa última palavra deixou clara a ausência de qualquer vestígio de humanidade. – Mas não se preocupe, a morte dela foi bem rápida, eu preciso voltar logo e não tinha necessidade de ficar estendendo aquele momento.

A notícia se depositou como uma âncora no coração de Charles, fazendo com que seu peito pesasse e ele afundasse na cadeira, as últimas gotas de determinação escorrendo por suas mãos enquanto sua mente ia aos poucos se dissolvendo, misturando seu próprio vazio ao vazio do espaço que o rodeava. Não tinha mais esperança, toda a expectativa de que houvesse salvação se desfez no momento em que a voz de Louise saiu por aqueles alto falantes. Tudo pelo qual a humanidade havia batalhado iria colapsar, a esperança de devolver equilíbrio à galáxia iria por ralo abaixo se Charles não fizesse alguma coisa rápido. Precisava ganhar tempo, manter Louise falando pelo máximo de tempo possível, poderia se entregar ao luto depois que resolvesse a situação em que se encontrava naquele momento.

– Louise, por favor, me escute. Você precisa repensar sua decisão. O que está prestes a fazer não tem retorno, é um caminho direto para o fim do Projeto de Restauração da Vida, é destruir tudo que a humanidade batalhou por tanto tempo para construir.

– Você não precisa me dizer isso, Charles, meu objetivo é justamente esse. Você pode estar achando que o que estou prestes a fazer é errado, que é drástico demais, mas com o tempo eles vão perceber que estou fazendo tudo isso por amor à humanidade, para nos devolver a soberania que alguns poucos líderes resolveram nos tirar ao entregar a galáxia de mão beijada para esses seres. Iremos dominar e nos espalhar, crescer e prosperar, atingiremos o ápice da evolução ao distribuirmos nosso DNA por todo o universo. Seremos imparáveis.

A preocupação de Charles ia crescendo à medida que ele percebia o aumento da empolgação de Louise com seu discurso.

– Você realmente deve ter enlouquecido para achar que destruir toda essa quantidade de vida em prol de um ideal deturpado é a coisa certa a se fazer. Louise, a história da humanidade é baseada nessa lógica de usar e jogar fora, de sugar toda a capacidade produtiva de um local e abandoná-lo à própria sorte, e isso quase levou a nossa ruína. Levamos muito tempo para perceber que não é a soberania que dita nosso sucesso, mas a harmonia, a igualdade, foi isso que motivou esse projeto. Não estamos entregando nossa sobrevivência para outras espécies, estamos cultivando nossa própria vida no futuro, não é possível que você não seja capaz de enxergar isso. E tudo isso é comprovado no nosso dia a dia. Plantações em monoculturas precisam de toneladas de defensivos e fertilizantes para atingir uma produção que sistemas consorciados atingem ao simular o equilíbrio que há na natureza, ao permitir que as próprias espécies pragas se controlem, ao garantirem harmonia ao sistema, e assim é com o ser humano. Estamos gerando equilíbrio, entregando harmonia para uma espécie descontrolada, estamos prevenindo nossa extinção ao criar mecanismos que transformem nossa vida no que ela deveria ser desde o início: união.

O discurso de Charles pairava no ar, a tensão era palpável e o único som era da respiração de Louise pelos alto falantes.

– Confesso que foi um discurso inspirador, Charles, uma pena que não houvesse ninguém para ouvi-lo.

E com isso Louise desligou a comunicação. Charles ainda tentou contactá-la, mas não obteve resposta. Era o fim, sua vida estava entregue nas mãos do destino, assim como a vida daqueles seres nos outros planetas. Pensou em sua carreira, sua família, no legado que tinha deixado e se isso teria alguma serventia no futuro. Imaginou todas as possibilidades de desenvolvimento tecnológico com o surgimento daquelas espécies, teriam um mundo novo a explorar encontrando respostas para perguntas feitas há milhares de anos, talvez encontrassem o segredo para longevidade ou a cura para o câncer, as possibilidades eram inesgotáveis. Viu todo o esforço colocado naquele projeto e todas as pessoas que trabalharam junto com ele ao longo dos anos. Viu o rosto de Marcos e o sorriso acanhado de Tsu passarem diante dos seus olhos. Lembrou de cada momento que passaram juntos e de como tudo tinha acabado tão depressa. Não fazia ideia de quanto tempo estavam naquela situação devido aos eventos ocorridos com a explosão de matéria escura, mas sabia que estava cansado, o peso que sentia em suas costas não o deixava esquecer disso. Todos esses pensamentos passaram como um turbilhão a medida que Charles acionava os motores e tomava o controle da cápsula migratória uma última vez.

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