Blood

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(Gerard)

A manhã já havia chegado, eu sabia pelo som dos carros passando na rua com mais frequência, embora fossem quase inaudíveis pelo barulho presente da chuva despencando agressivamente sobre o telhado.

Dor de cabeça. Muita dor de cabeça, era o que eu sentia.

A dor que irradiava desde a nuca até o topo do meu crânio era irritante, e a sensação era de que minha massa cefálica estava se transformando em pedregulhos, daqueles minúsculos que ficam no fundo de um aquário qualquer.

Eu ainda me sentia mal por ter deixado Frank sozinho no escuro durante a tarde de ontem, ainda mais depois que eu percebi o quanto ele tinha medo. Frank foi legal comigo o dia todo, se recusando a me tratar feito uma criança problemática e todas essas coisas, e eu teria sido empático o suficiente para lhe fazer companhia se não fosse a crise de choro terrivelmente forte que eu passei a segurar ainda quando estávamos na sala de estar.

Eu tinha essas crises constantemente, e eu as escondia para que ninguém descobrisse, porque além de humilhante, era também um saco imaginar todos me tratando com mais diferença que o habitual por pensarem que sou a porra de um doente mental que simplesmente chora e para de respirar do nada, como se tivesse tijolos no lugar dos pulmões.

Não satisfeito em ter uma crise durante a tarde de ontem, sendo obrigado a abandonar o pobre garoto sozinho, tive também uma de madrugada e precisei fazer de um tudo para que Mikey não acordasse e me ouvisse chorar até cair no sono.

Eu já estava acordado há um bom tempo, apenas lidando com aquela dor de cabeça latejante, praguejando por ter de enfrentar mais uma manhã. Embora Frank tenha se mostrado despreocupado com o que eu faço ou deixo de fazer durante o dia, dando-me assim um pouco da independência que eu venho buscando e tentando provar que posso ter há um longo tempo, ainda sim era chato ter a mesma rotina de sempre.

Por falar em Frank, eu sabia que ele já estava acordado uma vez que um barulho de panelas caindo surgiu do andar de baixo. Certamente ele já estava caindo ou derrubando coisas pela casa.

Levanto-me e sigo para o banheiro dentro do meu quarto sem muito ânimo, mas ainda sim satisfeito por poder fazer isso sozinho.

Ao pisar em algo que julguei ser uma peça de roupa do Michael largada pelo chão, me lembro de fazer uma anotação mental para não esquecer de usar a bengala para tatear o caminho enquanto meu irmão estivesse dividindo quarto comigo, do contrário, eu certamente cairia de cara e perderia um dente. Eu não quero perder um dente.

Adentro o banheiro tateando a parede com o indicador  até encontrar a pia, onde escovo os dentes sozinho. Sozinho! Pela primeira vez, os ensinamentos que adquiri nas aulas de orientação e mobilidade que tive anos atrás, estavam finalmente sendo úteis.

Após realizar minha higiene bucal, tateei um pouco mais os azulejos da parede até alcançar o Box. Dispo-me na monotonia habitual e entro debaixo da ducha quente. O meu corpo pareceu me agradecer instantaneamente pelo feito e era como se meus músculos sorrissem ao irem de encontro com aquela água tão agradável. Tateei a prateleira de itens de banho até encontrar a barra de sabonete, pegando-a em mãos e deslizando pelo corpo.

Nova nota mental: preciso me depilar. Nem me lembro quando foi a última vez.

Na verdade, me lembro, mas o trauma foi tão grande que eu simplesmente preferia esquecer! Minha mãe quis fazer isso por mim, e foi de longe uma das vezes em que eu mais me senti humilhado em toda a minha maldita vida.

Eu já sentia meu torso quase todo livre da espuma, mas antes mesmo que eu terminasse o meu banho, uma batida na porta do banheiro faz com que o meu corpo expressasse um pequeno espasmo de susto.

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