Gerard e eu estávamos no chão úmido da calçada há alguns metros de distância da festa, faziam longos minutos, e ele havia chorado tanto que era possível sentir uma pequena poça em meu ombro, onde eu o confortei inicialmente; havia também uma menor no meu colo, onde ele mesmo por vontade própria repousou a cabeça, deixando o seu corpo deitado completamente no chão e fazendo minha coxa de apoio para a sua bochecha molhada. Depois de tanto chorar, sua respiração finalmente estava normalizando, embora ainda houvessem soluços constantes, resquícios do choro recente. Eu agora o via puxar o ar pelo nariz afilado e o expelir, ora ou outra mudando o percurso, recebendo o oxigênio pelas vias nasais e expulsando pela boca, como um exercício de respiração.
– Gerard? Que tal se você me contasse o que aconteceu agora? – Sugiro calmamente, sem quaisquer intenções de persuadi-lo, mas sim buscando lhe fazer sentir confortável o suficiente para desabafar.
Gerard se mantém emudecido, o que me levou a concluir que talvez ele não quisesse falar sobre isso por ora.
Eu decido respeitar o seu espaço e não perguntar mais, ao invés disso, levo a mão novamente em seu cabelo, lhe afagando a infinitude de fios negros novamente, que a cada toque emanavam um perfume adocicado do shampoo que usara horas antes de sairmos.– Vamos embora, nós podemos ir a pé. Sua casa não está muito longe daqui, em quinze minutos de caminhada nós chegamos. – Digo-lhe tentando soar o mais calmo e compreensivo possível. – Vamos, levante-se.
Gerard nada diz, apenas assente, levantando-se e espalmando a própria roupa em seguida, a fim de se livrar de sujeiras que pudessem haver ali.
– Não trouxemos a sua bengala e esse chão é cheio de pedregulhos. Não queremos um acidente, certo?! Se importa em segurar o meu braço?
Agora ele passou a negar com a cabeça, indicando que não havia problema. Sem mais demoras, cruzo nossos braços com muita cautela, assim como ele fez quando me guiou pelas escadas ontem no momento em que a luz veio a faltar.
Andamos durante pelo menos cinco minutos em um silêncio incômodo, e eu me sentia minimamente perturbado cada vez que algum soluço teimoso escapava de sua garganta, reflexo da crise de choro que tivera outrora.
– Desculpa sugerir que você viesse... – Tento esticar algum assunto enquanto andávamos tranquilamente pela calçada. – Eu pensei que seria uma boa, e acabou que...
– Eu estraguei tudo. Eu sou a porra de um óbice. Um completo inútil. – Gerard interceptou-me com uma voz fria e repleta de mágoa contida.
– Ei, não fala isso. Com certeza isso não é verdade.
– E o que você sabe sobre mim? – Ele novamente articula, tornando a repetir a mesma pergunta que fizera ao sair do carro algum tempo mais cedo. – Nos conhecemos há dois dias, não tem como você assegurar que não sou inútil.
– Bem, Gerard, inutilidade significa algo que não é útil para nada, hum? Não serve para uma merda. Você já me ajudou com o café da manhã e me guiou pela sua própria casa quando estava escuro. Você colocou a mesa para que pudéssemos comer, você se... depilou sozinho, você se serviu sozinho e você faz todas as outras coisas sozinho. Isso tudo é útil. Sua ajuda foi útil para mim, e o fato de saber se virar por conta própria é útil para si mesmo. – Retruco, ouvindo-o apenas respirar profunda e pesadamente outra vez. – Não acho que seriam necessários anos e anos de contato com você para concluir se você é ou não inútil como diz. E não, você não é.
Nos reconduzimos novamente ao silêncio, mas dessa vez decido deixar que a quietude permanecesse até que chegássemos.
O restante da caminhada foi tranquila, e felizmente Gerard já não tremia mais. Os fungares pelo choro ainda estavam ali, mas ele parecia distenso agora. Embora o frio estivesse muito presente e eu o sentisse três vezes mais por estar vestindo apenas uma fina blusa, ainda sim era uma noite agradável para caminhar. As árvores pintadas de laranja claro dançavam em sua própria melodia de folhas farfalhantes, aquilo me agradava. O outono é bonito de se ver e vivenciar.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Behind Your Eyes
Hayran KurguO luto trouxe a Gerard não só a dor da perda como também a ausência de visão, o prendendo em uma cegueira psicológica como mecanismo de autodefesa. Sofrendo de uma doença psicossomática e lidando com cuidados excessivos, tendo toda a sua independên...