"Antes que pergunte"

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Depois de colher duas frutas chocolatudas e guardá-las muito bem embaladas na mochila, seguimos o percurso que acompanha a subida do rio. Dessa vez, eu tomo a dianteira e caminho um pouco mais confiante com o mapa aberto entre as mãos.

- Sabe, Aura, você foi minha primeira opção para formar dupla. - Íris tem a fala cortada por uma inspirada ofegante.

- Jura? Por quê?

- Meu grupo é um quarteto. Mas um dos caras namora e os outros dois são irmãos. Imaginei que fosse ficar sozinha, já que é a integrante mais nova do seu grupo.

- Foi muito gentil da sua parte, mas chega a dar medo a precisão das suas deduções. - solto uma risada curta, assim como ele. De repente, a luz do sol enfraquece e ambos olhamos para cima. Fico surpresa com mais da metade do céu coberto por nuvens pesadas e escuras.

O vento começa a correr com mais violência, causando um assobio arrepiante por todo o vale em que nos encontramos. O rio ao nosso lado, antes raso e calmo, está agitado e volumoso. Estamos no meio de uma subida e precisamos ficar perto da parede para não nos molharmos.

- É melhor descermos! - em algum momento, o som da tempestade próxima está alto o suficiente para precisarmos gritar. - Até a clareira, Aura.

- Não! Tem uma caverna logo ali. - aponto para uma passagem pequena a poucos metros. - Vamos nos abrigar enquanto a tempestade não passar. - meu rival e amigo concorda com a cabeça, protegendo o rosto da chuva intensa que se inicia sem aviso prévio.

Com a ventania contra nós, avanço com dificuldade até a entrada da caverna, pulando para dentro de qualquer jeito. Sinto meu peito subir e descer com velocidade, a adrenalina queimando na pele e o suor escorrendo pelas costas. Sem pensar muito mais, arrasto-me até a entrada.

No entanto, a cena que encontro não é nem um pouco agradável: Íris ainda está na encosta, relativamente perto de onde estou. Estico o braço e ele chega bem perto de alcançar, mas uma tromba d'água castiga-o sem dó. Nos milésimos de segundo que nossos olhares se cruzam, posso ver um misto de terror e aceitação. 

Um instante depois e a confusão de membros, galhos, água e asas desaparece rio abaixo. O choque bate tão forte que tonteio para trás, depois a culpa por ter dado a ideia. Minha face arde e lágrimas escorrem aos montes até intensos soluços balançarem meu corpo inteiro. Caramba! Nem tinha espaço para ele alçar voo! E nem posso ir atrás, soltamos as pulseiras na clareira.

Me desculpe, Íris. Me desculpe! Quantas coisas eu poderia ter feito para impedir que fosse levado pela correnteza? Minha reação de ir até a borda da caverna deveria ter sido mais rápida! Qualquer coisa! Ele teria pensado em algo e mantido a calma... Abraço as pernas, escondendo o rosto entre os joelhos tanto por vergonha, quanto por tristeza.

De repente, um eco minimamente curioso se sobrepõe à tempestade. Não é um som alto, mas distinto dos demais. Meu choro vai ficando mais baixo à medida que respiro com mais profundidade, quero ter certeza de que não estou ouvindo coisas. Vem de algum canto perdido da estrutura de pedra.

Levanto-me devagar, apoiando o peso em uma das paredes rochosas. Conforme adentro a caverna, sempre com passos cautelosos e tateando todos os cantos, a luz vai ficando para trás e apenas a minha curiosidade que me move. Aos poucos, a chuva violenta e o vento sibilante vão deixando de incomodar-me. 

Um brilho azulado, quase lilás e estranhamente reconfortante aparece não muito distante, originado de algum lugar depois de um buraco discreto na parede esquerda. Além disso, o som aumenta a cada passo combinado com o barulho de vento. Como raios tem vento dentro de uma caverna?

Assim que deslizo para dentro sem muita hesitação, meus cachos perdem o controle e entram em uma dança frenética para todos os lados. Preciso fechar um pouco os olhos perante a luz intensa e finalmente posso definir o que ouço: são raios, pequenos e numerosos, em todas as direções. Já não sei onde focar minha visão até uma imagem duvidosa chamar minha atenção.

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⏰ Última atualização: Aug 04, 2020 ⏰

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