13. Tempo

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Instituto Salk

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Instituto Salk.
Estados Unidos, Califórnia.
Trinta anos antes.
2020.

Os olhos castanhos de Kyungsoo brilhavam por debaixo das lentes dos óculos de grau. Estava boquiaberto com tudo o que via. O laboratório era incrível, muito bem equipado. O jovem adolescente se sentia em um daqueles filmes futuristas.
Em um gesto inconsciente, as próprias mãos começaram a transpirar mais do que o normal. Os lábios estavam ressecados enquanto o estômago revirava. Sentia vontade de vomitar. O que não era lá muito adequado para um primeiro dia de trabalho nem muito menos para passar uma boa primeira impressão.
Kyungsoo nunca sequer imaginou conquistar um estágio em um dos maiores institutos de genética do país. Sabia que era bom na área científica pelo seu apresso com o saber, como também pelas altas notas na escola e elogios tecidos pelos professores. Ser um aprendiz de cientista aos dezoito anos era algo surreal. Inacreditável. Por diversas vezes se deu ao trabalho de beliscar o próprio ombro para saber se aquilo era um sonho ou não.(
Depois de algumas manchas avermelhadas, chegou à conclusão de que era real. O rapaz era invadido, a todo momento, por um sentimento de felicidade e ceticismo. Aquilo era praticamente inimaginável para um adolescente que, dias antes, testava mais um dos experimentos caseiros na garagem de casa. Todos aqueles cientistas andando de um lado para o outro, todos aqueles equipamentos... Tinha a familiar como reconfortante sensação de estar em casa.
Com um sorriso discreto no canto dos lábios, o adolescente continuou a caminhar com o grupo. Sob as lentes dos óculos, os olhos castanhos ainda reluziam. Por vezes, chegou até a ficar com as próprias bochechas coradas, porque surpreendia-se ao ver todos aqueles objetos e experimentos que via apenas nos livros e estudos que realizava em casa.
— Bom dia, caros estudantes. Como todos sabem, foram escolhidos para participar de projetos com os nossos mais renomados cientistas do instituto. Neste momento, iremos fazer a listagem dos alunos que serão direcionados para os cientistas de acordo com o que analisamos em seus currículos.
O estômago de Kyungsoo se contorceu em resposta. Estava nervoso afinal de contas. Queria acompanhar o cientista pelo qual mantinha admiração desde que era criança. Sabia que tinha outros bem importantes na mesma área e linha de pesquisa, mas queria poder vislumbrar com os próprios olhos tudo aquilo que estudou através de imagens. Queria ver se as suposições feitas eram mesmo realidade ou se não passavam de apenas suposições.
Estava perdido nos próprios pensamentos. As mãos chegaram a se fechar em punho ao mesmo tempo que os lábios foram contorcidos e as sobrancelhas franzidas. Até que os ouvidos perceberam um chamado que fez um sorriso surgir no meio daquela face tão séria.
— Do Kyungsoo, estará com o cientista Mark Jacob.
— Isso! — comemorou.
— Disse alguma coisa, senhor Do? — o homem franziu o cenho em curiosidade.
— Er... Nada. — as bochechas coraram mais uma vez.
O coração começou a bater mais rápido em resposta. Todo o corpo era dominado por uma sensação de ansiedade, de êxtase. Como se algo fosse mudar na vida do adolescente. E realmente mudaria.
˜X˜
— Doutor Jacob, este é Do Kyungsoo. O seu mais novo estagiário.
O moreno ainda estava petrificado por conta da felicidade súbita que sentiu ao entrar naquele laboratório e observar todos aqueles outros cientistas cuidando de vários experimentos, porém experimentos humanos. Estava chocado, pois tudo o que tinha lido era verdade. Inclusive, não soube o que dizer quando Mark Jacob virou para si com aqueles olhos azuis gentis e um pequeno sorriso no canto dos lábios.
— Ah, então você é o Do Kyungsoo.
— O... Senhor... Me... Conhece? — tudo parecia girar. Estava nas nuvens.
— Como não o conheceria? — soltou uma curta gargalhada. — Li todo o seu currículo e fiquei impressionado com o que vi. Decidi que seria meu estagiário na mesma hora.
— Doutor Jacob, sou muito o seu fã. — o adolescente estava estourando como fogos de artifício no próprio interior — Na verdade, o senhor tem sido a minha maior inspiração desde que comecei a ler sobre as suas pesquisas relacionadas ao DNA humano e alterações nos cromossomos para que se tenha uma mutação não só na estrutura física como também na mental e fazer com que os seres humanos tenham poderes...
— Vejo que não preciso explicar muito sobre a minha linha de pesquisa, não é mesmo? — sorriu.
— Toda e qualquer informação é bem-vinda. — coçou a cabeça.
— Muito bem. Podemos começar?
— Claro.
Kyungsoo estava tão interessado, como também hipnotizado na figura do cientista que nem sequer havia percebido que o homem — o qual os acompanhava — já havia se retirado do local fazia uns bons minutos.
O som dos passos ecoava como um marcador de tempo nos ouvidos do adolescente que se aproximava de várias celas de vidro. Dentro de algumas dessas, outros cientistas tomavam análises dos testes que realizavam nos experimentos. Todos pareciam tão novos. Era como se fossem da idade do Do. Na primeira cela, objetos flutuavam no ar enquanto um rapaz baixinho e franzino apenas os controlava com o poder da própria mente. Na segunda, um adolescente alto, bem alto, entrava em combustão. Controlava o fogo. O estagiário não deixou de ficar boquiaberto com tal fato. Na terceira, o experimento era capaz de criar e fazer sair ondas elétricas das próprias mãos.
Tudo aquilo era muito fora da realidade, mas, ao mesmo tempo, condizente com todas as próprias leituras que havia feito.
— Kyungsoo, você tem um nome americano? — Jacob quebrou o silêncio.
— Sim, senhor. É Dylan Keaton.
— Ótimo. Usaremos esse na pesquisa. A partir de hoje, é assim que será chamado no Instituto Salk. Tudo bem?
— Na mais perfeita ordem.
— Como pode observar, tenho aqui experimentos humanos. Durante muito tempo, testei mudar os cromossomos de humanos adultos, porém foi algo que se mostrou ser um pouco difícil já que todas as características como todos os códigos estavam definidos. Logo, em vez de criar uma mutação genética que resultasse em poderes, apenas criei mutações genéticas que se desenvolveram para anomalias, tumores, câncer. Eles não duravam mais do que três meses.
— Entendo. A célula simplesmente não aguentava aquela carga, aquele corpo estranho...
— Exatamente. Depois de perceber tal fato, decidi fazer a mudança com o embrião dentro do útero. Antes desses desenvolverem os próprios códigos genéticos. Tal linha se mostrou bem sucedida, porque, veja bem tenho quatro experimentos...
Os olhos de Kyugsoo foram erguidos. Notaram algo que até poucos segundos atrás lhe havia passado por despercebido. Havia uma quinta cela. Dentro dela, tinha um rapaz sentado no chão com as costas apoiadas na parede de alumínio. Os cabelos castanhos eram cheios, volumosos e caíam em uma franja sobre as sobrancelhas grossas. Os olhos castanhos eram pequenos, oblíquos como também chamativos. No entanto, apresentavam um brilho cansado, vago, Até mesmo a pele morena do desconhecido estava com certa palidez. Nas narinas, estava instalada uma cânula para que pudesse respirar melhor. Os lábios grossos e rosados estavam entreabertos. Os pulsos e os tornozelos estavam acorrentados enquanto eletrodos eram ligados em uma pequena tela que estava do lado de fora da cela. Ali, mostrava os batimentos cardíacos do experimento.
O Do, por sua vez, permaneceu intrigado, curioso. Ainda que aquele rapaz exalasse uma áurea abatida, cansada, tinha certa beleza. Havia tristeza naquele olhar, como se estivesse sendo deixado de lado por muito tempo. O estagiário não sabia muito bem o que sentir, todavia a cada segundo decorrido, a cada ato de inspirar e expirar, sentia-se cada vez mais conectado ao experimento frágil. Os dedos das mãos se moviam de forma inconsciente, porque queria tocá-lo. O coração chegou a bater mais forte no exato instante em que uma súbita tristeza lhe invadiu. Quem era aquele? E por que mexia tanto consigo? Tais pensamentos rondavam a mente do estagiário.
— Doutor Jacob, o senhor disse que tem quatro experimentos. Mas, e aquele? — Kyungsoo interrompeu o mais velho ao mesmo tempo que apontou para a quinta cela com o dedo indicador.
A expressão na face de Mark se contorceu em uma reação agridoce.
— É. Tenho cinco, na verdade. A mutação desse é o teletransporte. Contudo...Foi a minha tentativa mal sucedida com os embriões. Ele nasceu com a saúde mais frágil do que os outros e, bem...Estamos realizando testes e mais testes, mas não creio que vingará como todos os outros.
— Ah... — o pesar falou alto no tom de voz.
Os olhos azuis de Jacob direcionaram um brilho sério para o mais novo.
— Dylan, sob qualquer circunstância, não se apegue. Eles são apenas experimentos. Deixe para criar laços, vínculos, com alguém fora daqui. Tudo bem? Agora, preciso do cientista Dylan e não do adolescente. Consegue compreender?
— Claro. Perfeitamente, doutor Jacob. — tentou ser o mais afirmativo possível, entretanto o próprio olhar o traiu no segundo seguinte em que voltou a observar aquele experimento solitário e frágil.
˜X˜
Kyungsoo tinha a plena certeza de que aquele havia sido o melhor dia da própria vida. Os olhos chegavam a brilhar só de pensar em tudo o que havia aprendido, visto. O cientista Mark Jacob provou ser ainda mais competente e inteligente. O Do, por poucos segundos, sentiu que não conseguiria ultrapassá-lo nem um pouco. A admiração que sentia pelo mais velho também cresceu. O jovem não poderia ter feito escolha melhor. Foi tudo no que conseguiu pensar.
Os ombros estavam tensos, rijos. Doíam. A têmporas latejavam, porque o cansaço dominou todo aquele corpo. Os dedos finos da mão esquerda massageavam o ombro direito enquanto o som dos sapatos sociais ecoava em um “tap, tap” insistente pelo laboratório.
Naquele momento, não havia mais nenhum cientista por ali além do estagiário. A calmaria presente no lugar chegou a ser amedrontadora até. Kyungsoo ouvia apenas o som da própria respiração. Os olhos rondaram, por uma terceira vez, todo aquele laboratório. Todos os materiais e objetos seguiam intocáveis sobre os lugares que foram deixados. As celas eram iluminadas e os experimentos dormiam tranquilamente dentro dessas. Bem, todos menos um.
O Do sentiu o próprio coração acelerar mais uma vez ao depara-se com aquele experimento solitário. Estava na mesma posição que o havia visto pela primeira vez naquele dia. Os olhos castanhos olhavam para qualquer direção como se estivesse a procurava de algo, até que encontraram o cientista estagiário parado a lhes observar.
Kyungsoo não esperou por aquilo. Em resposta, sentiu o próprio coração acelerar. As bochechas coraram, porque era como se o outro rapaz estivesse analisando a alma do menor.
O sentimento de curiosidade retornou com muito mais intensidade. Agora, cada terminação nervosa do cérebro do jovem parecia implorar para que se aproximasse do experimento.
Kyungsoo não soube dizer ao certo em qual momento a imagem do garoto doente ficou mais próxima de si. Apenas deu-se conta de que encarava aqueles olhos castanhos que, agora, passavam a encará-lo também. Percorria cada canto e recanto do jovem estagiário. O olhar tão intenso enxergou a alma do Do.
As sobrancelhas na face do experimento estavam franzidas ao mesmo tempo em que cada traço, cada linha de expressão revelava uma súbita curiosidade. Ninguém nunca tinha ousado se aproximar daquele jeito da própria cela. Nem mesmo sequer demonstrar interesse por um alguém doente.
O menor depositou a mão direita no leitor de impressão digital. Como já estava cadastrado, o acesso lhe foi facilmente permitido.
O experimento, por sua vez, manteve-se sentado no chão. Os ombros desse encolheram em um suposto medo, no entanto os olhos não desgrudaram nem por um segundo do rapaz com jaleco branco.
A porta atrás de Kyungsoo se fechou. Ambos permaneceram em silêncio. Estavam, assim, conhecendo um ao outro. Conhecendo as próprias almas. Dizem que o cérebro humano leva quarenta segundos para se apaixonar por alguém. Esse foi o tempo da troca de olhares. Contudo Kyungsoo demorou algumas batidas do próprio coração para que o fizesse. Foi intenso. Real. Ambos se conectaram instantaneamente.
— Quem é você? — Aquela voz baixa, grave e de sinos soou como música nos ouvidos do Do.
Em resposta, as bochechas foram coradas e os olhos arregalados. De certa forma, não esperava que ele soubesse falar.
— Er... — Não sabia muito bem o que dizer. — Sou o novo estagiário do doutor Jacob.
— Ah. Mais um cientista. — Kyungsoo não soube dizer, mas sentiu um pouco de tristeza naquele tom de voz.
— Como se chama?
— Meu nome? — Apontou para si. O menor ainda não estava acostumado.
O experimento soltou uma risada.
— Não vejo mais ninguém aqui.
— Ah... — Coçou os cabelos. Estava nervoso. — Meu nome é Dylan Keaton.
Um sorriso surgiu no canto daqueles lábios grossos.
— Então você se chama Dylan. Gostei do nome.
— É. Como você se chama?
Os olhos castanhos emanaram um brilho desconhecido.
— KJI/27.
— Não tem outro nome? — As palavras saíram sem pensar.
— Tenho. É Kim Jong In.
Jong In. Tal nome provocou borboletas no próprio estômago de Kyungsoo. Fez com que uma alavanca girasse no próprio cérebro do rapaz que sentia cada terminação nervosa reagir. Inclusive, o próprio coração acelerou algumas batidas.
— E você? Também tem outro nome?
— Tenho. Mas digamos que não posso dizê-lo aqui.
— Contaria para mim? — Ajeitou-se no chão.
— Por que usa uma cânula para respirar? — Tentou mudar de assunto.
— Só conto se me disser o seu outro nome. — Uma sobrancelha foi erguida em resposta.
Jong In observou a armação dos óculos de Dylan escorregar pelo nariz desse. Os lábios em formato de coração estavam entre abertos. Os olhos castanhos exibiam um brilho desconcertado. As mãos foram para dentro dos bolsos do jaleco. Era visível o fato de que estava desconcertado.
Naquele momento, o experimento carregava consigo muitas perguntas. Uma delas era saber por qual motivo aquele cientista havia se aproximado. Por mais que nunca fosse bom, acostumou-se a ficar sozinho.
— Por que quer tanto saber? — Kyungsoo entrou na defensiva.
— E por que isso me faria dizer o meu?
— Se é assim... Não te conto.
— O que?
O Do percebeu que KJI/27 não cederia tão fácil assim. A face desse exibia uma expressão séria, concentrada. Não havia outra alternativa. Ele teria de contar. Portanto, soltou um suspiro pesado.
— Está bem, está bem. Eu falo. — Viu os olhos do outro brilhar. — Meu outro nome é Kyungsoo. Do Kyungsoo.
Jong In não disse uma palavra durante vários segundos. Era como se estivesse processando aquele nome dentro das próprias entranhas. Como se o próprio interior tivesse sido devastado por um furacão e, agora, estava arrumando os destroços. Aqueles olhos oblíquos estavam um pouco arregalados, porém logo tornaram a ficar calmos como o mar. Foi então que um enorme sorriso iluminou aqueles lábios.
— Esse é mais bonito. Gostei mais do que o primeiro. Posso te chamar assim agora?
Algumas batidas, com toda a certeza, foram perdidas.
— Já está prevendo o nosso próximo encontro?
— Claro. Por que não? Afinal, não é todo dia que alguém vem conversar comigo.
Houve apenas um olhar de canto de olho em resposta. Todavia o estagiário se alegrou ao pensar na possibilidade de falar com Jong In mais uma vez.
— Bem, eu já lhe disse o meu verdadeiro nome. Agora, precisa responder a minha pergunta.
O sorriso desapareceu daqueles lábios. O olhar voltou a ficar triste. Era como se o experimento estivesse sendo puxado para a realidade mais uma vez.
— Estou doente. Na verdade, já nasci doente. Fui o experimento que deu errado. Meu corpo não consegue suportar a carga do meu poder. Quanto mais o tempo passa, mais ele aumenta e mais fraco eu fico. Serei dizimado por mim mesmo. Um tanto triste, não acha?
— O doutor Jacob não encontrou nada que impedisse isso?
Ouviu gargalhadas céticas em resposta.
— Sou aquele que não presta para a coleção do doutor Jacob. Quando eu era pequeno, fui submetido a vários testes genéticos, várias cirurgias, porém nada adiantou. Depois disso, fui sendo esquecido e lembrado apenas de fazer os testes semanais para que pudesse ter algo no meu relatório ao menos. O cientista Mark gosta mais dos outros, porque eles são poderosos, fortes.
Kyungsoo não sabia muito bem o que dizer. Parece que, naquele momento, estava descobrindo um lado diferente do homem que era o seu próprio modelo de admiração. Aqueles olhos possuíam um brilho melancólico. O castanho parecia estar derretido em várias gotículas de pérolas, estas que atraíam totalmente a atenção do menor para eles.
O menor queria abraçá-lo ao menos. As pontas dos próprios dedos formigavam para que pudesse fazer tal coisa, para deslizar sobre a superfície daquela pele pálida. Nos poucos segundos que transcorreram, sentiu a necessidade de protegê-lo, porque nunca se imaginou possuindo o sentimento de rejeição como aquele experimento tinha.
Desde sempre teve o suporte da própria família. No colégio, era apenas um aluno como todos os outros. Não acontecia nada de excepcional. Mesmo sendo um dos melhores alunos, não tinha ninguém para lhe fazer bullying, nem sequer o zoar pela aparência oriental e muito menos para pedir cola como ajuda em trabalhos. Ele só seguia a própria vida normalmente com os poucos e melhores amigos que poderia ter. Por isso, não conseguia entender aquele sentimento que destruía Jong In desde que começou a entender o que acontecia ao próprio redor.
Pela primeira vez se deu conta da frieza que era ser um cientista. Lidar com as próprias emoções, controlá-las e dizer para si mesmo de que aquele ser humano bem a própria frente era apenas um experimento e nada mais era bem difícil. Porque o Do não conseguia mais esquecê-lo. Jong In já virou eterno na memória desse.
Kyungsoo se apaixonou como alguém que pega no sono. De uma vez só e profundamente.
— Qual é a sua mutação? — As palavras saíram baixas, estranguladas, agoniadas de tal maneira que queriam mudar de assunto.
Um sorriso curto invadiu o canto dos lábios do experimento. Em um repente, não estava mais lá. De forma mágica, tinha desaparecido. Até que, um segundo depois, o jovem cientista sentiu uma brisa quente soprar no lóbulo da orelha direita como também ouviu aquela voz grave atrás de si.
— Essa.
Com os olhos arregalados, o menor se virou para a direção em que o maior estava. O coração estava acelerado. As bochechas coradas. Não esperava por aquilo afinal de contas.
— Você...
— Eu posso me teletransportar. Legal, não é? Eu... — Arregalou os olhos ao mesmo tempo em que pousou a mão sobre o próprio peito. Sentia dor. Estava com falta de ar.
Antes que pudesse cair no chão, Kyungsoo o amparou. Possuía uma expressão aflita na própria face.
— O que foi? O que está sentindo?
Os lábios de KJI/27 já estavam sem cor.
— Sempre que faço isso eu me machuco. É por conta da... Minha doença, mas esta cela... Não me deixa escapar. Toda vez que me teletransporto, sinto que meu corpo é puxado para ficar no lugar. Cada molécula minha treme e eu sinto uma dor excruciante. Acredite, eu já tentei fugir.
— E o que aconteceu? — As sobrancelhas foram franzidas.
— Induziram-me ao coma por dois meses. Estavam preparando esta cela para mim, assim como senti que meu corpo ficou diferente. É como se a minha doença tivesse acelerado. Eu só queria tentar viver o pouco de tempo que me resta. Conhecer o mundo.
Tais palavras pesaram ainda mais no coração de Kyungsoo. No momento em que acionou a cama para o experimento se deitar, pensou consigo mesmo o que poderia fazer para ajudá-lo. Não queria se distanciar. Pelo o contrário, queria estar cada vez mais próximo.
— Você já leu livros?
Logo assim que Jong In deitou na cama, sentiu o pequeno espetar de uma agulha no cotovelo esquerdo. Haviam lhe dado um sedativo. Em pouco tempo, o sono iria lhe atingir.
— Já, mas era o básico para poder aprender a ler e a falar. — Soltou uma risadinha baixa.
— Façamos então o seguinte. A partir de amanhã, irei lhe trazer alguns livros e também irei conversar com você. O que acha?
Os olhos oblíquos e castanhos de Jong In brilharam.
— Isso quer dizer que somos amigos mesmo? Desde agora?
— É. Nós somos. — Kyungsoo possuía um olhar intenso.
Sem nem mesmo perceber, o experimento deixou escapar uma lágrima solitária pela face. Um curto sorriso foi moldado naqueles lábios ao passo que o efeito do sedativo avançava e ficava cada vez mais forte.
— Obrigado. — Foi tudo o que conseguiu dizer.
Antes que o jovem cientista pudesse dizer algo em resposta, KJI/27 já havia mergulhado na própria inconsciência.
˜X˜
Kyungsoo cumpriu com a própria palavra. Na noite seguinte, lá estava o jovem rapaz com um livro para Jong In, que o leu rapidamente. Assim começou a amizade entre os dois. Todos os dias, KJI/27 lia um livro ou então conversava com o estagiário sobre as coisas do mundo externo, sobre a vida desse.
As noites agora nunca mais seriam as mesmas. Estavam agitadas, com cor, com aquele sentimento de que tudo estava certo. O experimento sentia o próprio coração quente ao mesmo tempo em que o Do se apaixonava cada vez mais. Ambos começaram a necessitar um do outro.
Jong In, com o passar dos dias, ficava cada vez mais doente. Pelo menos uma vez na semana eram realizados vários testes com o moreno. Testes esses para saber como estava a mutação do experimento, a saúde, como os genes estavam se comportando. Observou-se que o jovem se tornava cada vez mais poderoso, porém cada vez mais frágil. A mutação parecia se alimentar dele.
O cientista Mark Jacob já sabia qual seria o final de tudo aquilo, no entanto não queria contar para o seu próprio estagiário, pois sabia que esse estava se aproximando demais de KJI/27. Deu-se conta disso quando houve uma vez em que se esqueceu de pegar um documento e teve de voltar para o laboratório, lá encontrou Dylan lendo para o experimento doente. Sabia que aquilo não era nada bom. Já o tinha avisado para não se deixar envolver pessoalmente, porém, de certa forma, era bom para Jong In. Pelo menos, não ficaria sozinho afinal de contas.
Houve um dia, um dos quais Kyungsoo nunca se esqueceria, em que todos os cientistas do laboratório estavam realizando testes nos outros experimentos. Era possível ver labaredas de fogo pelo ar, pedras se erguendo com o poder da mente, a telecinese de Baekhyun fazendo um objeto explodir, raios sendo jogados no ar. Ali, eles eram o centro das atenções. Os cientistas sorriam com o resultado, até mesmo o doutor Jacob fazia anotações com uma expressão satisfatória na face.
Já do outro lado do laboratório, em uma cela, completamente solitário, KJI/27 estava sentado no chão, com o lado esquerdo do corpo apoiado sobre o vidro gélido daquela parede. O corpo desse estava trêmulo. Ardia em febre enquanto os olhos estavam caídos, a cânula de oxigênio nas narinas estava desarrumada enquanto o rapaz parecia se desintegrar. Era como se houvesse dois Jong Ins. Um real e o outro era a sombra, o que seria desse se estivesse em outro lugar. A mutação estava agindo. O poder de teletransporte estava ali. Todavia, diferente dos outros que eram prestigiados, estava a deriva, ignorado, sem que ninguém estivesse prestando atenção de fato nele. Precisava de ajuda, entretanto era esquecido.
O Do nunca se odiou tanto por não poder ajudá-lo naquele momento.
˜X˜
— Sério que a Carter te convidou para ir ao baile? Uau. Isso deve ser bem legal. — Os olhos de Jong In brilhavam em excitação enquanto os lábios estavam contorcidos em um sorriso.
Naquele dia, o experimento havia tido uma pequena melhora. Havia um pouco de cor naquelas bochechas e a própria respiração estava boa, controlada, por isso estava sem aquela cânula nas narinas. Kyungsoo ficou muito feliz por tal coisa. Isso fez com que uma chama acendesse no próprio coração. Era a esperança. Talvez, o experimento pudesse ter um final feliz, não é mesmo?
— É. Ela me convidou, mas eu não aceitei. — Coçou a cabeça. Estava envergonhado.
— Por quê? Pelo o que me disse, ir ao baile da escola é um evento histórico, que fica guardado na memória e todos os meninos vão de terno, as meninas usam vestidos. Há a coroação do rei e da rainha. Todos dançam, brincam. São felizes. Por que não aceitou?
‘Porque eu queria ir com você’. Foi a resposta que mencionou apenas nos próprios pensamentos. As bochechas assumiram um tom avermelhado ao mesmo tempo em que o coração perdia algumas batidas. Estava ficando levemente nervoso.
— Por conta de tudo o que falou. É um evento que fica guardado na memória, logo é bom ir com as pessoas especiais. Para criar memórias especiais.
— E você não tem nenhuma pessoa especial?
‘Tenho’. Mais uma palavra não dita.
— Na escola?
— É. Pelo o que me disse, a Carter parece gostar de você. — Havia um brilho desconhecido naquele olhar. Por pouquíssimos segundos, Kyungsoo pareceu jurar que Jong In estava com ciúmes.
O silêncio se instalou entre os dois. Talvez porque ambos estivessem tão envergonhados que não conseguiam exprimir os próprios sentimentos. Todavia KJI/27 também se sentia um pouco melancólico. Por que Kyungsoo não queria aproveitar aquele momento? Era a chance dele se divertir. Por vários dias havia reparado e carregado consigo o sentimento de que o jovem cientista estava desperdiçando a própria vida para passar um tempo com ele. Depois de tudo o que ouviu, depois de todas as histórias... O maior não achava justo o segundo se sacrificar tanto daquela forma. Ele deveria viver.
— Ei, se eu fosse você, iria. Sabe, às vezes me pego pensando em como deve ser estudar em uma escola, ir ao baile, sair com os amigos... Queria fazer tudo isso. O mundo lá fora deve ser bom. É por isso que deveria ir ao baile.
— Mas eu não gosto da Carter de um certo jeito para levá-la ao baile! — as bochechas ficaram ainda mais vermelhas.
— Ok. Não está mais aqui quem falou. E como seria esse tipo de gostar para que pudesse convidar alguém?
Kyungsoo arregalou ainda mais os olhos. As pontas das orelhas estavam ficando quentes. Observava algumas mechas dos cabelos do experimento caindo sobre os olhos desse. Aqueles lábios entre abertos, os olhos de brilho intenso, a face harmoniosa e bela. Ele era iluminado pela luz artificial do local. Ainda sim, o coração do estagiário batia tão forte quanto se fosse pela luz da lua.
— Por que está me perguntando isso? — Tentou mudar de assunto.
— Porque me deixou curioso.
— E como seria o seu gostar? — As palavras eram afiadas.
Jong In soltou uma gargalhada em resposta. Achava engraçada e fofa a expressão tímida que o menor carregava na face. Sabia que o próprio coração pulsava por aquele estagiário. Desde quando tinha começado a sentir tal coisa? Não sabia. Havia se dado conta a poucos dias quando o estagiário precisou ir embora mais cedo e ele ficou sozinho. Nunca havia sentido tanto a falta de alguém. Deu-se conta de que queria sempre estar ao lado do Do. Entretanto preferia manter isso em segredo, porque o menor tinha uma vida inteira pela frente. Ele não e ainda estava fadado a ficar preso para sempre dentro daquele laboratório.
— Por que está me perguntando isso?
— Por que me deixou curioso. — Ergueu as sobrancelhas em um gesto de altivez.
— Está certo. Está certo. Como deve ser dançar em um baile? — Soltou um suspiro pesado.
— Er... — Ergueu uma sobrancelha. — Eu posso te mostrar. Bem, primeiro precisamos ficar de pé.
Quando assim o fizeram, Kyungsoo, naqueles brevíssimos segundos, percebeu que Jong In era um pouco mais alto. Precisava erguer um pouco a própria face para poder encará-lo. Isso, de certa forma, deixou-o um pouco tímido, pois era ele que iria tomar a iniciativa. Ele seria aquele que convidaria o outro para dançar.
— Concede-me esta dança? — estendeu a mão direita no ar. A imensidão castanha estava trêmula. No estômago, borboletas dançavam ao passo que os próprios pensamentos registravam que nunca havia estado tão próximo do experimento como agora.
KJI/27 levantou uma das sobrancelhas em um gesto curioso no exato instante em que deixou o canto dos próprios lábios ser curvado em um sorriso tímido. Algo dentro de si fervilhava. Não sabia dizer o que era, no entanto cada canto e recanto do próprio corpo praticamente implorava para fazer aquilo, para se aproximar cada vez mais do Do.
— Claro. — As mãos se encontraram.
— Agora, a sua mão esquerda vem para o meu ombro. — As bochechas do estagiário ficaram ainda mais coradas. — E a mão direita fica sobre a minha enquanto eu coloco a minha mão esquerda na sua cintura. Tente imaginar uma música calma, lenta.
— Eu nunca ouvi música. — O tom da voz era intenso.
— Posso cantarolar uma. Er... Já sei.
Os corpos começaram a se mover de um lado para o outro sutilmente enquanto da boca de Kyungsoo escapava uma baixa melodia. Um cantarolar que era agradável aos ouvidos de Jong In, mas que soava um pouco triste também. Os olhares se encontraram. Perdiam-se um no outro ao passo que sentiam um calor emanar sobre si. Os corações dançavam sob a mesma melodia.
— Viu? Estamos dançando. — Kyungsoo baixou o olhar para os próprios pés.
— Gosto de dançar. Seria legal se eu estivesse assim em um baile. Já consigo me imaginar de terno.
— Você ficaria lindo. — Sussurrou.
— O que disse?
Não poderia mais esconder. Não queria mais fazer isso. O estagiário estava pronto para confessar os próprios sentimentos.
— Era com você que eu queria ir ao baile. Não com a Carter. É por isso que eu não vou.
— O que está dizendo? — Os lábios de Jong In ficaram secos.
O Do ergueu os olhos. Estavam brilhantes, intensos. Apaixonados.
— Gosto de você, Jong In. Não sei quando isso aconteceu, mas não consigo me imaginar estando longe de você. Quando estou em casa ou na escola, sinto um vazio. Como se algo estivesse faltando. Quando estou aqui, sinto vontade de mostrar o mundo inteiro para você, de cuidar de você. Jong In, você é a primeira pessoa que quero ver ao acordar e a última ao dormir.
KJI/27 ficou sem palavras por um bom tempo. O coração, agitado com toda aquela fala, reagiu com os batimentos fortes. O olhar brilhava confuso assim como os pensamentos que estavam desalinhados, inundados de felicidade, como também do realismo de toda aquela situação.
— Nós não podemos ficar juntos.
— Por quê?
— Porque eu estou doente. Porque eu irei morrer! — Pela primeira vez, o maior estava colocando todas as aquelas palavras que por muito tempo as manteve presa na própria garganta. — Sou um experimento. Estou fadado a ficar preso aqui. Se continuar gostando de mim, a sua vida só irá ficar estagnada. É você que precisa viver, que precisa conhecer o mundo.
— Mas eu quero conhecer o mundo com você. — Lágrimas esparsas surgiam no canto dos olhos do menor.
Ambos se separaram do enlace da dança.
— Estou fadado a desaparecer. Logo serei esquecido e outros experimentos virão depois de mim. É assim que funciona. O doutor Jacob ama o Chanyeol, porque ele é poderoso. Esses cientistas só estão atrás de poder. A minha vida já foi programada para ser assim. Eu não posso ter uma pessoa de quem gosto. Não posso ter sentimentos. Eu só posso ficar aqui existindo e sendo útil para eles de alguma forma. Nem assim eu sou. Acho que, por ser fraco, eles só querem me matar mais rápido. No entanto, Kyungsoo, não sabe o quanto desejo me tele transportar daqui para outro lugar, mas até isso eles me tiraram. É por isso que estou preso e acorrentado aqui dentro desta cela inibidora. Para não fugir. E eu não duvido nada de que armaram todo um esquema externo para que eu não possa tentar sair mais uma vez. Queria. Juro que eu queria sair e... Porém não posso. Nem quero te prender nisso tudo também.
— E quem disse que isso é uma prisão? Quem disse que estou preso? — Estava tentando se recuperar do soco no estômago que as palavras do experimento lhe deram. — Irei tirar você daqui, Jong In. Vou te levar para conhecer o mundo e nós ficaremos juntos. Não está mais sozinho. Estou aqui, bem ao seu lado, lembra?
O experimento não aguentou. Começou a chorar ali mesmo por sentir a veracidade daquelas palavras e por ter o sentimento correspondido ainda que não se achasse digno de tal coisa.
O menor, por sua vez, se aproximou do moreno novamente. Segurou na mão desse olhou para aqueles olhos úmidos, para a expressão bela e sofrida naquela face e disse:
— Não irei te abandonar, Jong In. Por favor, aceite os meus sentimentos.
— Kyungsoo, quero viver um romance como nos livros que você leu para mim. Nós poderemos ter um final feliz.
Pousou a mão sobre a bochecha do outro. Ali, depositou várias carícias.
— Claro que sim. Nós seremos muito felizes. — Aproximou o rosto. — Eu te amo, Jong In.
Houve um arregalar de olhos em resposta. O experimento queria aproveitar cada segundo que aquelas palavras ainda estavam a ecoar nos  próprios ouvidos. Ali, pela primeira vez, sentiu-se amado de verdade. Não conseguia mais esconder nem mesmo sequer tentar suprimir tudo o que sentia, porque era rendido por aqueles olhos grandes que lhe passavam confiança, amor, verdade.
— E se eu dissesse que também te amo? O que faria?
Kyungsoo apenas sorriu. Sem nem dizer uma palavra, apenas deslizou a própria mão da bochecha do maior para os cabelos desse ao mesmo tempo em que aproximou o rosto e beijou aqueles lábios macios.
Os corações bateram em uníssono. Acelerados. Em comemoração por finalmente estarem juntos. As lágrimas tornaram o beijo salgado como o calor daqueles corpos aproximavam-nos ainda mais. As mãos incontroláveis, percorriam cada milímetro daquela face e pescoço para depositar carícias.
KJI/27, por sua vez, estava nas nuvens. Sentiu-se leve o bastante para flutuar. Sempre quando ouvia o estagiário ler alguma cena amorosa, pegava-se pensando em como seria beijar, em como seria amar alguém. A realidade superou a expectativa em todas as formas. Aquilo era melhor do que havia pensado. Por que não tinha se declarado antes? Por quê? Era tudo o que conseguia pensar.
— Eu irei conseguir te tirar daqui. — Ouviu a voz de Kyungsoo quando os lábios se separaram. — Nós teremos o nosso final feliz.
— Você promete? — Foi inundado pela felicidade.
— Prometo.
˜X˜
O jovem cientista ficou dentro daquela cela até Jong In adormecer. O experimento não queria deixá-lo ir. Estava feliz, ansioso, agitado. Da mesma forma como o menor também não fazia nenhuma questão de ir embora, no entanto precisava fazê-lo.
Kyungsoo carregava consigo a certeza de que tiraria o experimento dali. Ele, de uma vez por todas, largaria aquela carreira no mundo das ciências. Iria se tornar um médico. Cuidaria de Jong In. Encontraria uma cura para a doença desse. Iria mostrá-lo todos os lugares favoritos, todos os livros, os filmes, a praia da Califórnia. Tudo. Iriam escapar. Com toda a certeza iriam. O Do faria o máximo para que isso se concretizasse.
Os passos eram lentos, arrastados. Abaixo dos olhos estavam o resquício de noites mal dormidas enquanto o coração carregava o peso de ter de deixar KJI/27 mais uma vez.
— Mark Jacob adorará saber que um dos estagiários dele estava aos beijos com um experimento. — Uma voz masculina ecoou por todo aquele largo corredor.
Ao erguer os olhos, Kyungsoo observou um outro cientista. Mechas dos cabelos negros, que iam até o pescoço, estavam atrás da orelha. Os olhos castanhos mantinham um brilho perverso, talvez. Os lábios, contraídos, adicionavam para aquela face uma expressão ainda mais sombria.
O jovem estagiário sentiu um calafrio percorrer a própria espinha, no entanto não se deixou abater pelo medo repentino. Manteve-se com a postura ereta e o brilho firme no olhar enquanto lia no crachá do outro o seguinte nome: James Patterson.
— Me desculpa. Quem é você? Não te conheço.
— Mas eu te conheço, Dylan Keaton. É melhor tomar cuidado. Experimentos não podem sair do laboratório. Assim como não podem se envolver com humanos.
— Eles não são humanos também?
Patterson se limitou a soltar uma risada obscura.
Kyungsoo encarava aquele olhar que soava perverso. Como se algo no próprio interior o dissesse que aquele cientista não era flor que se cheirasse. Por poucos momentos, foi tragado pela expressão obscura naquela face. Tinha o pressentimento de que ele pudesse ser algum rival de Mark Jacob.
Não estava tão errado assim.
— O que você quer? — O estagiário deixou o olhar em fendas.
— Só quero que tome cuidado.
— Não precisa se preocupar. Sou muito cuidadoso.
— Veremos.
Aquele novo sorriso obscuro causou calafrios na espinha de Dylan Keaton.
°°°°°°°°°°°°°°
Os passos eram apressados. Urgentes. As respirações estavam ofegantes enquanto uma mão sentia o transpirar da outra. Segurava-a como se fosse o próprio porto seguro, a coisa mais preciosa que poderia ter.
As batidas do coração aconteciam de acordo com a visão daquele corredor infinito. Kyungsoo não parecia ter esperanças de ver a saída tão cedo e isso o atormentava. Era possível ver a aflição naqueles olhos tão escuros como o céu sem estrelas. Gotículas de suor deslizavam pela própria testa ao passo que os lábios eram contraídos ao sentir que os passos de KJI/27 atrás de si começavam a diminuir.
Conseguiriam escapar. Fugiriam com toda a certeza. Pensou. No entanto o alarme soando pelos alto-falantes pareciam querer lhe dizer o contrário. As luzes vermelhas piscando traziam ainda mais histeria para o interior do jovem estagiário que apenas queria que tudo aquilo acabasse. A única vontade era salvar o experimento.
— Kyungsoo, estão vindo atrás de nós. Não consigo usar os meus poderes para teletransportar duas pessoas. — a voz de Jong In soou atrás do menor. — Estou com medo.
— Não se preocupe. Vai dar tudo certo. — O brilho no olhar do rapaz vacilou.
Na noite anterior, toda a pequena melhora na saúde de Jong In havia ido embora. O estado de saúde desse retrocedeu. A respiração do maior estava dificultosa, por isso, voltou a usar a cânula de oxigênio. Ficava cansado mais rápido.
O experimento se mostrava abatido, receoso. Porém o jovem cientista fez de tudo para acalmá-lo. Disse que tudo daria certo. Que, no dia seguinte, estariam fora daquele laboratório.
Só que Kyungsoo não contava com um detalhe: estavam sendo perseguidos como dois ratos que fugiam. Ninguém além de ambos sabia do plano de fuga. Alguma coisa deveria ter acontecido.
Bem a frente de ambos havia uma porta. O menor não hesitou em abrir e adentrar nas escadas de incêndio. Os degraus eram intermináveis, também; Jong In diminuía cada vez mais o passo.
— Aguente firme. Não desacelere. — O silêncio foi quebrado.
— Não sei se consigo. Meus pulmões... Kyungsoo, não quero que nada de ruim aconteça...
— E não vai. Vou te proteger até o final.
Depois de descerem mais de três lances de escada, o Do sentiu a mão de KJI/27 escorrer das suas próprias. Ao virar a cabeça, observou que a face do maior estava muito pálida e a testa repleta de suor. A cânula havia sido retirada das narinas desse, fazendo com que respirar fosse dificultoso, no entanto tentava seguir firme, porque queria de todas as formas viver. Aproveitar a vida com aquele estagiário.
— Jong In! — Havia preocupação naquele tom de voz.
— Não se preocupe. — Segurou a mão do outro mais uma vez. — Vamos seguir em frente. — Esboçou um pequeno sorriso.
Kyungsoo apenas acenou com a cabeça em resposta. Continuaram a correr.
Com medo de que pudesse acontecer algo com experimento, decidiu sair em um andar qualquer. A visão do corredor infinito se estendeu mais uma vez na visão de ambos. Agora, as luzes estavam brancas. As respirações estavam ainda mais ofegantes, da mesma forma que o cansaço era latente. Não aguentariam por muito mais tempo, mesmo que fossem obrigados a fazê-lo.
A atmosfera naquele ambiente era pesada, amedrontadora. Talvez, beirava o desespero. O coração do menor nunca bateu tão acelerado como naquele momento. Nunca ousou pensar que um dia poderia fazer algo como aquilo. Sentia-se cometendo o maior crime do mundo por querer apenas ajudar alguém, todavia não se arrependia em nada. Estava apaixonado.
— Os fugitivos estão ali! Peguem-nos! — A voz de um dos soldados despertou a adrenalina como também o pavor no Do. Este passou a correr cada vez mais rápido.
Porém, por uma questão de tempo, não foram rápidos o suficiente. Quando deu por si, já estavam encurralados por soldados em um semicírculo enquanto KJI/27 estava atrás de si um tanto quanto encolhido.
Seria esse o fim da linha? Ele queria que não.
Mark Jacob saiu do meio daquela pequena multidão de agentes armados. A expressão naquela face era de tristeza, desapontamento. Atrás do mais velho, estava James Patterson com um ar soberbo e superior.
— Dylan, por que fez isso? Eu disse que não era para se envolver pessoalmente...
— Doutor, admiro muito o seu trabalho, mas não posso deixar KJI/27 ficar aqui. Não posso. Ele merece viver. — Os olhos estavam brilhantes. Pareciam querer derramar lágrimas.
— Viver? Ele está doente! É um experimento que deu errado! Vai mesmo arriscar a sua carreira promissora por isso?
Jong In sentiu o peso daquelas palavras. Olhou para o Do. Mark Jacob tinha razão. Ele estava doente. Aquilo tudo era uma perda de tempo, contudo havia uma parte de si que queria aquela perda de tempo. Por mais que soubesse da expectativa curta da própria vida, queria aproveitá-la ao máximo. Queria ser capaz de fazer aquilo do qual foi privado desde que nasceu: viver.
— Eu não me importo com ela!  Só quero salvá-lo! Vocês pouco se importavam com o Jong In! Ele não merece ficar preso naquela cela daquele jeito.
— Mas é assim que ele vai ficar. — Jacob se irritou. — Eu o criei! Você é apenas um adolescente qualquer que chegou aqui há pouco tempo e já está sendo rebelde. Ele é o meu experimento!
— Ele é um ser humano! — Kyungsoo berrou. — Eu... Eu... Me apaixonei por ele!
O experimento tremia atrás do estagiário. Os olhos desse estavam um pouco arregalados. Naquele momento, ele não temia pela própria vida, mas sim pela do Do, porque conseguia observar o olhar irado de Mark para o menor. Não foram muitas vezes que havia visto, porém em todas elas se assustou profundamente.
A verdade era que KJI/27 não aguentaria se algo acontecesse com Kyungsoo. Não depois que ouviu aquelas palavras. O próprio coração estava acelerado ao passo que o corpo era invadido por uma melancolia desconhecida, por um medo que cravava nos próprios ossos. Sentia vontade de chorar, de que aquele minuto estava suspenso por um sopro de vida. O calor do corpo do menor aquecia as mãos gélidas do experimento que tremia, sentia os lábios secos, suspenso no meio de toda aquela confusão. 
— Doutor Jacob... — As palavras saíram sussurradas, sopradas da boca de Jong In.
— É melhor me entregar esse experimento, Dylan Keatton. — O cientista afirmou por entre os dentes.
— Nunca. Irei tirá-lo daqui. — Os olhos negros de Kyungsoo estavam tão intensos quanto um universo no mais perfeito caos.
— Você foi uma grande decepção para mim. — Soltou um suspiro pesado. — Bom, já que não quer sair por bem... Que passemos por cima do seu cadáver.
— NÃO!
Depois do grito de Jong In, o tempo começou a passar em câmera lenta. Atrás de si, Kyungsoo sentiu uma breve brisa roçar na própria nuca para, em um piscar de olhos, ver o experimento a frente de si com o intuito de servir de escudo.
O tempo permitiu apenas que o menor arregalasse os olhos e contorcesse a face em uma expressão de desespero ao passo em que via duas armas apontadas; preparadas; carregadas; atirar em KJI/27. A blusa branca do maior foi manchada pelo rubro daquele sangue na altura do abdômen e dos pulmões. Aquele passou a ter um brilho longínquo nos olhos castanhos enquanto um curto sorriso triste foi formado naqueles lábios. Os joelhos fraquejaram. Caiu no chão.
O Do estava catatônico. Estático. Não conseguia sequer se mover. As batidas do coração estavam aceleradíssimas no exato instante em que todos os pensamentos gritavam de dor, entravam em um colapso total. Não, aquilo não poderia estar acontecendo. Não mesmo. Aquele que estava a própria frente não era Jong In, não era. Tais falas surgiam na mente do estagiário que sentia as lágrimas deslizar pelas bochechas, porém ao vê-lo desabar no chão, gritou:
— JONG IN!
Kyungsoo saiu em auxílio do maior. Sentou-se no chão; colocou o tronco do moreno em suas pernas e braços enquanto a cabeça ficou apoiada no ombro do menor que encarava os olhos com um brilho longínquo.
— Por que fez isso Jong In? Por quê? — O sangue de KJI/27 sujou as mãos e o jaleco do estagiário.
Outro sorriso triste surgiu no canto daqueles lábios. Desta vez, com um pouco mais de dificuldade.
— Porque eu não poderia deixar... Que fizessem isso com... Você. Eles iriam... Me machucar...
— E não acha que eu estou machucado?! Olhe só para você! — O desespero era latente, visível.
Ninguém ousou se aproximar. Até mesmo Mark Jacob estava calado ao passo que observava aquela cena com um brilho soturno no olhar. Com o pesar nos ombros de que aquele final seria trágico demais. Ele o havia aconselhado. Ele o havia.
Jong In estava preso no olhar atormentado de Kyungsoo. Concluía que aquelas lágrimas eram a coisa mais bonita que já havia visto em toda a própria vida, contudo o próprio coração parecia ser rasgado ao meio por ver o sofrimento daquele rapaz que demonstrava sentimentos tão genuínos por ele, que o queria fazer querer viver. Aquilo tinha sido necessário. O Do ainda poderia fazer escolhas. Ele não.
— Eu... Precisava te proteger... Eu... — Tentou terminar, porém foi impedido por uma vasta quantidade de sangue que foi expelida da própria boca.
— Jong In! — Não sabia sequer o que fazer. Apenas carregava consigo o sentimento de não querer perdê-lo por mais que esse estivesse escorrendo por entre os seus próprios dedos.
— Kyung...
Sentia-se cansado. A dor dominava-o por completo como uma árvore que cria raízes que se espalham por toda a terra. Respirar se tornou praticamente um ato de bravura. Ficava cada vez mais difícil fazê-lo. Os pensamentos nublavam ao passo que as pálpebras começavam a ficar pesadas.
— Está tão frio aqui.
— Não se preocupe. Eu te esquento. Irei te salvar, Jong In.
Uma risada curta foi ouvida do experimento.
— Não tenho mais salvação.
— Tem sim. É claro que tem. Irei te mostrar o mundo.
— Soo, às vezes, eu queria ter a inocência que você tem. — Ergueu a mão para tocar aquela bochecha. Precisava fazê-lo. — Conheça o mundo por mim. Viva intensamente. Você tem a chance de fazê-lo. Este já era o meu destino desde que nasci. Meu corpo é fraco demais. Quero agradecer por, nesse pouco tempo, ter me mostrado o quão legal seria ter uma vida propriamente humana lá fora.
As lágrimas se intensificaram na face do estagiário. O experimento tinha uma expressão tão serena naquele rosto que o deixava irritado. Ele não queria deixar que o curso das coisas seguissem para aquele final. Não mesmo. Tentaria reverter a situação até o fim.
— Isso me soa como uma despedida. Não gosto de despedidas.
Viu um pequeno sorriso.
— Sabe, consigo ver nós dois dançando no seu baile de formatura. Fiquei noites e noites pensando nisso. Me imaginando em um smoking e você também. Fico olhando para os seus olhos enquanto me guia na dança. É a imaginação mais feliz que tenho.
— Nós vamos fazer isso. Eu prometo. Irei te levar para dançar.
— Kyungsoo... Estou cansado. Quero dormir. — Piscou uma vez.
— Não. Você não pode. Está me ouvindo, Jong In? Fique acordado. Fique aqui comigo.
— Posso te dizer uma coisa? — O experimento sentiu a própria energia se esvair. Não aguentaria mais.
— Claro. O que quer me dizer?
Neste exato momento, além do sorriso, lágrimas deslizaram pela face de KJI/27.
— Obrigado. Por tudo. Eu... Eu... Te amo.
— Eu também...
O Do não conseguiu terminar a frase, pois a mão do maior que estava sobre a bochecha desse deslizou e caiu em um baque surdo no chão. O brilho daqueles olhos desapareceu. Estavam agora injetados, a cabeça de Jong In tombou um pouco para o lado enquanto o último suspiro se esvaiu.
— Jong In... — Balançou-o, mas não obteve uma resposta. — Jong In... JONG IN!
Quando se deu conta de que ali estava apenas um corpo sem vida, Kyungsoo surtou. Começou a gritar como também a chorar copiosamente. Os ombros tremiam. O rapaz soluçava enquanto o coração havia se rasgado em mil pedaços. Não conseguia acreditar no que havia acontecido. Não conseguia respirar, porque encarar o corpo sem vida da pessoa que amava lhe era extremamente doloroso. Queria ter levado Jong In para conhecer o mundo, queria ter dançado com ele no baile de formatura, queria ter tido mais tempo com ele.
Porém, nada disso aconteceria. O tempo havia se esgotado. Ele apenas chorava, sentado naquele chão, ao mesmo tempo em que abraçava Jong In com força. Esse continuava com os olhos castanhos abertos e injetados. Estavam direcionados para Mark Jacob, que nunca se esqueceria deles e daquela cena tão dramática quanto Romeu e Julieta.
O Do estava tão em estado de choque, que não conseguia processar muita coisa do que estava acontecendo ao próprio redor. No entanto uma imagem ficaria gravada como tatuagem na própria mente. Quando ergueu os olhos, conseguiu ver a figura de James Patterson a lhe observar com uma expressão obscura. Um sorriso altivo e presunçoso estava estampado naqueles lábios que proferiram as seguintes palavras com escárnio:
— Eu te avisei.
Evocação
Um nome despedaçado em pedaços
Um nome despedaçado no vazio
Um nome que nunca responde
Um nome que irei morrer chamando.

A única palavra que resta na alma
Até o último eu não podia pronunciar
Minha amada
Minha amada.

O sol vermelho que paira sobre a colina
E a querida lua lamentavelmente
Estou chamando o seu nome
Em uma colina solitária.

Eu chamo o seu nome em uma grande tristeza
Eu chamo o seu nome em uma profunda tristeza
Minha voz alcança o céu
Mas o céu está muito longe da Terra.

Me transforme em pedra
Vou chamar seu nome até morrer
Minha amada
Minha amada.

(Kim So Wol)

°°°°°°°°°°°°°°°°°°

Yixing observava aquele homem congelado dentro da cripta com as próprias sobrancelhas franzidas e um brilho de curiosidade no olhar. Kim Jong In... Aquele deveria ser o seu nome. A aparência imutável desse era de uma pessoa em seus dezenove, no máximo vinte anos. Ele estava diferente dos outros experimentos. Não havia sinal algum de respiração nem sequer de vida. Ali, tratava-se apenas do corpo de um rapaz que talvez poderia ter sido um experimento. Ao concluir tal coisa, o hacker arregalou os olhos.
— Merda, está ficando cada vez mais frio aqui. — Kris quebrou o silêncio petrificante daquele lugar no exato momento em que começou a esfregar as mãos nos próprios braços com o intuito de se aquecer.
— Nós estamos trancados com um corpo! — Lay ergueu o próprio tronco que estava um pouco encurvado. — O que você me fez fazer, Yi Fan! — O desespero começou a crescer, porque ele pouco sabia o que aquele colecionador estaria fazendo com Suho naquele momento. As batidas do coração falharam. Só de pensar em qualquer coisa, já se sentia aflito.
Arrependimento. Era isso o que sentia. Não devia ter se deixado levar pelas ideias do amigo. Deveria ter salvado AZ7/01 quando ainda tinha chance. E se não conseguissem sair dali? Aquele seria o próprio fim? Tornar-se uma estátua de gelo que nem KJI/27?
— O que? — O maior olhou para a figura do amigo e do desconhecido que estava dentro daquela cripta. — Do que está falando?
— Ele... — Apontou para rapaz congelado. — Está morto! Nós estamos trancados aqui e ficaremos congelado igual a esse cara! E isso é tudo culpa sua!
— Culpa minha?!
Yi Fan não queria admitir, mas estava com medo. Toda aquela situação era surreal. A aflição era evidente naquele olhar, porque em vez de se resolver, tudo se complicava ainda mais. Era tragado por aquele buraco negro, por aquela bola de neve criada no exato instante em que decidiu falar de um possível novo trabalho para o amigo. Por quê? Por quê? Foi um completo idiota. Se soubesse controlar a própria boca, nada disso estaria acontecendo.
— É claro que é culpa sua! — Yixing se exaltou. Não aguentava mais. Desde o dia anterior... Não suportava ver a expressão de medo e dor na face de Suho. Não suportava a ideia de que havia ferido profundamente o coração daquele experimento tão puro. — Você que me obrigou a continuar com isso! A mentir para o Suho só para se ver livre dele! Eu iria fugir com ele, porque não posso mais vê-lo sofrer! Como acha que deve ter sido a vida dele dentro de um laboratório?! E, agora, esse colecionador de merda quer trancafiar o AZ7 dentro de uma câmara para ficar de enfeite na própria sala! Ele quer tirar de mim a pessoa que eu amo para deixá-la de enfeite! Está entendendo isso, Yi Fan?! Você realmente entende?! O que faria se isso fosse contigo?! — Lágrimas de raiva deslizaram por aquelas bochechas.
O mais alto não conseguiu dizer uma palavra em resposta. O cataclismo na face do menor já lhe afetou o suficiente. A dor era palpável assim como o desespero. As palavras do outro ecoavam na própria mente. Não sabia o que fazer se alguém tentasse ferir Tao. Provavelmente, não mediria esforços para protegê-lo, pois, só de pensar, o próprio coração chegou a doer.
— Ninguém merece ser privado de viver, Kris. Ninguém. E eu quero viver ao lado dele. Quero protegê-lo. Por que não consegue enxergar isso? Por que não parece gostar dele?
As bochechas do platinado coraram em vergonha.
— Não é que eu não goste dele. Eu... Não queria que se apegasse, porque sabia que iria se machucar. Misturou o trabalho com o pessoal.
Lay soltou um suspiro pesado em resposta.
— Não posso mandar no meu coração. Não posso controlá-lo. Foi inevitável. Amar é inevitável.
E como era, Yi Fan pensou. Também não escolheu se apaixonar por Huang Zi Tao. Apenas se deu conta de tal fato depois do terceiro copo de Jack Daniels. Já era tarde demais.
— É uma merda, não é? — Sentou-se no chão e passou a mão por entre os cabelos. — Irei sair tão machucado quanto você. Mentir nunca é bom, porque as pessoas não irão se apaixonar por você. Elas irão se apaixonar pela ideia que têm sobre você.
— No meu caso, destruí um sentimento recíproco por uma ideia errada de mim mesmo. — Gargalhou. Um brilho melancólico perpassou os olhos castanhos.
— Que droga, hein?
— Yi Fan, me ajude a salvá-lo. Não quero perder o Suho.
— E o cientista? E o Tao?
— Daremos um jeito. — Não sabia, porém prometia. — Por favor. Me ajude. Se continuarmos aqui, irei perdê-lo, e nós iremos morrer congelados. Não conseguirá resolver o que precisa.
Se havia algo mais urgente do que tudo, para Kris, era encontrar Tao mais uma vez. Não poderia adiar isso. Não mais.
— Bom, precisamos encontrar algum sistema de segurança. Somos hackers afinal de contas.
Yixing esboçou um enorme sorriso. O amigo estava com ele.
— É. Nós somos.
°°°°°°°°°°°°°°°°°°°
O coração de Jane estava acelerado. As mãos unidas em uma prece silenciosa. Dos olhos fechados saíam lágrimas esparsas de esperança enquanto a mente revivia os últimos momentos. O laboratório, agora, estava imerso sob o mais absoluto silêncio. No entanto a mulher ainda conseguia ouvir os comandos alterados de Patterson para toda a equipe e Violet e John sobre as coordenadas de AZ7/01. Encontraram-no mais uma vez.
Sobre as bochechas, sentiu o toque gélido do próprio marido, o olhar de pouco interesse ao passo que os próprios ouvidos relembraram aquelas seguintes palavras: irei trazê-lo de volta.
Era nelas que Clinton depositava a própria força. Com os joelhos prostrados, sentia-se fraca para tentar se mover. Os ombros estavam trêmulos, porque os pensamentos viviam a lhe pregar peças naquelas incontáveis horas que estava ali.
Tudo o que mais queria era ter Sam novamente nos próprios braços, na proteção do próprio abraço. A cientista não sabia se aguentaria outra notícia negativa. Não quando sabia que havia outra pessoa que tomou o experimento de si. Não poderia. Não...
Sammy era o seu próprio filho. Se ela o perdesse, toda a própria sanidade ruiria. Ela sabia, desde sempre, que conseguiria viver sem o marido, sem a profissão de cientista, mas não sem aquele bebê que enlaçou a mão pequenina em seu próprio dedo em um ato desesperado de apoio, carinho. Não conseguiria deixar de ser mãe.
Por isso, só queria dar uma lição naquele hacker que deveria estar fazendo mal para o experimento e voltar a cuidar desse novamente. Só queria protegê-lo.
— Sam, por favor, volte para os braços da mamãe. Sinto tanto a sua falta. Não me deixe sozinha. — A voz melancólica ecoou naquele silêncio gélido.
Por mais que não tivesse uma resposta, carregava consigo a esperança de que as próprias preces fossem atendidas.
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— Mais que...
Patterson chutou com força as pedras pequenas que se estendiam por toda a margem daquele lago. Uma breve nuvem de poeira se estendeu diante daqueles olhos de um brilho irado. Não havia nenhum sinal de AZ7/01. Já era a segunda vez que o experimento conseguiu escapar.
Isso era algo totalmente inadmissível para ele. Os dados estavam corretos. As informações concretas. O equipamento dos chineses não poderia ser tão inútil daquela forma. Não mesmo. James sabia muito nem o quanto eles queriam colocar as mãos imundas na própria criação.
O gosto da sensação de perder o prêmio quando se está quase alcançando ficou ainda mais amargo na própria boca. Debaixo daquele céu azul, o cientista pegou um cigarro, pô-lo na boca e o acendeu logo em seguida.
A nicotina não resolveu o problema de todo, porém foi o suficiente para fazê-lo pensar com clareza, com o experimento. Agora, era muito mais intenso, porque todos aqueles chineses estúpidos pareciam julgá-lo. Como se fosse inútil.
Deixou a fumaça etérea escapar pela própria boca. Diante daquelas espirais alvas, pode carregar nos próprios pensamentos a imagem de uma bela punição. O castigo que desejava por tanto tempo, tornou-se ainda mais vívido. Mais prazeroso. James chegou a confessar de que aquela era uma das motivações que o fazia continuar.
— Alguma pista? — Indagou no exato instante em que viu um tufo de cabelos loiros.
— Não. Nada.
— AZ7/01 está sabendo brincar de esconde-esconde bem demais para o meu gosto.
Violet soltou uma curta gargalhada.
— Quem diria que um animal sem inteligência como ele conseguiria.
— É porque tem aquele hacker. — Deu mais um trago no cigarro.
Zhang Yixing. Lembrou-se daqueles olhos pequenos e misteriosos revelados na foto. Era ele que estava levando AZ7/01 para longe. Era aquele hacker que estava dificultando as coisas. Por quê? Um experimento como AZ7/01 não seria nada interessante para ele. A não ser que algo a mais estivesse envolvido.
Sentiu um arrepio percorrer a espinha. Não poderia deixar que nada lhe tirasse a própria mina de outro. Não mesmo.
— Posso matá-lo se quiser. — Violet passou a observar o lago assim como James.
— Até que não é uma ideia ruim. Só assim será um chinês a menos para me perturbar.
A mulher gargalhou.
— Esses asiáticos são insuportáveis.
— Como acha que o experimento está?
— Espero que com medo, porque será muito bem castigado por isso.
Antes que uma resposta pudesse ser ouvida, a aura daquele lugar mudou. O vento agitou as gramíneas da margem com uma força que Patterson encarou como uma possível resposta, porém como o prelúdio de uma mudança.
O cigarro ficou cada vez menor. A sensação do passar do tempo estava ainda mais presente. Era como se esse estivesse lento mesmo nada tendo mudado. O som de passos apressados estalando sobre o cascalho foi ouvido.
De forma inconsciente, um sorriso obscuro surgiu no canto dos lábios de James. Parecia saber, sentir que algo estava diferente.
— Doutor Patterson! Doutor Patterson! — Um dos assistentes dos cientistas chineses se aproximou com uma expressão ávida na face.
— O que foi? — Não estava com muita paciência.
— O tempo está começando a mudar. Veja. — Estendeu o aparelho eletrônico. — AZ7/01 foi encontrado.
— Onde?
— Em Hangzhou.
Já não era sem tempo, pensou no exato instante em que o sorriso obscuro retornou para a própria face.
°°°°°°°°°°°°°°°°°°
Kyungsoo ainda não conseguia acreditar no que via. Sequer escondia a própria felicidade por ver o experimento de James Patterson deitado, inconsciente naquela maca. A câmara vazia, já estava aberta para recebê-lo.
— Como está a saúde dele? Os sinais vitais? — Indagou para a médica que ali estava.
— Estão perfeitos. Parece que foi muito bem cuidado.
— Ótimo.
Até que aquele hacker não foi um mau serviço, pensou. Os olhos afiados não desgrudam daquela face serena, do rubor nas bochechas.
Estava saudável e forte. Tudo aquilo que precisava em um experimento. Queria poder, logo os fracos não lhe interessavam nem um pouco. Um gosto amargo invadiu-lhe a boca.
O príncipe de gelo ainda estava imóvel dentro do castelo. Jong In... A lembrança daquele toque cálido o invadiu. Arrepiou-se. Não. Não se poderia deixar levar com aquelas memórias traiçoeiras. Não poderia deixar o próprio coração ser aquecido outra vez. Não mesmo.
O antigo Do Kyungsoo morreu há muito tempo. Agora, estaria disposto a controlar o mundo.
Sorriu outra vez. A coleção de troféus estava completa. Finalmente.
— Graças a você, o mundo inteiro está nas minhas mãos. — Aproximou o rosto da face do mais novo.
A respiração tranquila tornou-se agitada, ofegante. Quase como se Suho estivesse tendo algum tipo de pesadelo. As mãos se tornaram trêmulas e as pálpebras faziam força para se mover.
— O que? — Kyungsoo não esperava por aquilo.
O experimento estava acordando? Isso não poderia acontecer se o sedativo estivesse sendo utilizado da forma correta.
Os olhos da cor do ônix foram revelados. Por breves segundos, ali estava o brilho de confusão. Esse logo foi substituído pelo medo ao se deparar com aquela face tão perto da própria.
Onde estava? Onde estava Yixing? Será que... Eram inúmeros pensamentos que perpassavam a mente confusa. Quem era aquele que o observava com um olhar quase tão assustador quanto o cientista mau? Os batimentos cardíacos aceleraram. Era o medo que corroía os ossos. Era tudo verdade. Suho havia sido deixado. Yixing o abandonara.
Em uma reação instintiva, ergueu-se e saltou daquela maca. Foi parar no chão, agachado, encolhido como um animal assustado enquanto o sorriso na face daquele homem ficava cada vez mais retorcido, bizarro. A mulher que estava ao lado desse foi à direção do experimento para sedá-lo, porém Kyungsoo a impediu.
— Quem é você? — Suho quebrou o curto silêncio. As palavras saíram praticamente sussurradas.
Os ombros estavam trêmulos. Os olhos passearam por parte do local. Não estava acostumado com aquele ambiente nem com a ausência de Yixing. Talvez fosse o segundo fato que estava fazendo o próprio coração doer.
O Do franziu as sobrancelhas em resposta. Não esperava por aquilo.
— Não sabia que tinha aprendido a falar, AZ7/01. Quem te ensinou? — Chegou um pouco mais perto do moreno.
— Suho. — Corrigiu-o.
— O quê?
— Aprendi com Yixing.
— Yixing? Ah... — Deu-se conta de que foi com o hacker. O que mais havia acontecido no período em que o experimento ficou com Lay? Pensou.
— Onde está o Yixing?
Em um inspirar demorado, AZ7/01 se ergueu. O olhar ainda era desconfiado, receoso, amedrontado. Da mesma forma em que os ombros estavam contraídos. AZ7/01 queria o porto seguro. Um lugar em que pudesse se acalmar.
Kyungsoo, por sua vez, apenas soltou uma gargalhada demorada. Como ele era inocente. Pensou.
— Foi embora. Agora, irá ficar comigo.
A realidade, quando dita pelos lábios do colecionador, machucou ainda mais do que no momento em que foi dita pelo hacker. Talvez Suho ainda esperasse que tudo não passasse de uma mentira no final das contas.
— Por quê? — A pergunta saiu de modo inconsciente.
— Porque é assim desde o início. Você irá ficar bem ali com os meus outros troféus.
Os olhos escuros seguiam a direção mostrada pelo dedo indicador apontado. Ao se dar conta do que havia naquela parede, sentiu o coração gelar. Na face calcou-se uma expressão de desespero.
Aquelas câmaras contendo outros experimentos aprisionados só o fazia lembrar de James Patterson. A respiração se tornou desregulada, porque o próprio corpo sentia e lembrava. Como lembrava. A sensação intrínseca de medo o aterrorizava, de estar preso enquanto toda aquela água subia e não podia fazer nada. Apenas ser consumido por ela.
O sentimento de solidão...
Não. Ele não queria voltar. Não queria.
Em uma reação instantânea, colocou as mãos sobre as orelhas, como se não quisesse mais ouvir. Lágrimas começavam a surgir nos olhos ao passo que o coração era invadido pela mesma dor do dia anterior. Talvez até pior, porque havia conhecido a breve sensação de estar rodeado de pessoas, de sorrir. Não queria sentir o frio da solidão mais uma vez.
— Não. Suho não pode. Suho não quer... — O tom de voz era trêmulo por conta do choro.
— Mas você não tem querer. — Kyungsoo soltou uma gargalhada de escárnio. — É apenas um troféu.
— Suho sente. O troféu não. Sou... Humano.
AZ7/01 deu uns passos para trás. Queria fugir dali.
— Min Hee, ponha-o para dormir. Já estou cansado dessas baboseiras.
— Ninguém vai encostar um dedo nele!
Ao ouvir aquela voz, o experimento sentiu as próprias pernas fraquejar. O coração voltou a bater acelerado, da mesma forma que o sentimento de estar seguro o invadiu. Os olhos lacrimejaram quando viram a figura do hacker naquele cômodo.
— Yixing!
Sem nem pensar duas vezes, o Zhang saiu correndo em direção ao mais novo, no entanto foi impedido por seguranças armados que apareceram ali. Era como se uma barreira tivesse sido criada. Os canos daquelas armas apontadas para si o impediam de dar mais um passo.
— Quem diria que conseguiria escapar do meu palacete. — Kyungsoo sustentou um tom de voz mordaz.
— Não deixarei que façam nada com ele. — Direcionou o olhar para o moreno. — Suho, me desculpa. Eu não queria ter mentido para você. Me arrependo. Não queria ter deixado você ir, Suho. Te amo demais e levarei você embora comigo.
O experimento não conseguia desviar o olhar da face do hacker, porque aqueles olhos castanhos brilhavam tanto... Refletiam o velho Yixing. O homem que Suho conhecia. A pessoa que nunca lhe faria mal.
A mente ainda se lembrava das palavras frias, dolorosas que continuavam a deixar feridas abertas no coração de AZ7/01, no entanto as lágrimas evidentes no outro faziam com que o mais novo se rendesse, quisesse acreditar que tudo não havia passado de um pesadelo. De que o antigo Yixing estava de volta.
Na verdade, ele nunca foi embora.
— Suho, eu não queria. Me perdoa. Fui um idiota. Deveria ter te protegido melhor.
— Yixing... É você mesmo? — A voz falhou.
— Sim. E nós vamos para casa.
Kyungsoo explodiu em risadas céticas.
— Acham mesmo que irão para casa? Você é o meu troféu, AZ7/01. Nem ouse escapar.
— Suho não quer voltar para o tanque. Suho não vai.
O desespero era ainda maior, porque Lay estava ali. Não queria que o visse daquele modo, assim como não queria estar preso. Era quase como se pudesse ouvir a voz de James Patterson ecoar na própria mente.
— Levem o hacker para o lugar de onde não deveria ter saído. E você, AZ7...
No instante em que Yixing começou a ser levado à força, tudo entrou em uma bela catástrofe. Ao ouvir os berros de protesto do hacker, o experimento sentiu toda a barreira mental se romper. A linha tênue entre a sanidade e a loucura havia sido cruzada mais uma vez. Os poderes afloraram em um átimo e, com um alto grito, quebrou o vidro do enorme aquário que havia na sala. Os tanques também foram destroçados. Todos os outros experimentos caíram no chão em um baque surdo.
Pela primeira vez, Kyungsoo sentiu medo. Estava abismado com tamanho poder de AZ7/01. Nada do que tinha imaginado superou a realidade.
— Ande! O que está esperando? Sede-o agora! — Berrou para a própria médica.
Os olhos de Suho estavam brancos, revirados nas próprias órbitas.
— Não vão fazer nada com o Yixing!
Com a visão periférica, o experimento observou a médica, trêmula de medo, aproximar-se pé ante pé. Registrou tal ato como ameaça. Em apenas um repente ou, melhor dizendo, em um erguer de mãos, Suho levou toda a quantidade de água existente naquela casa para a sala.
A parede de entrada foi destruída pela pequena tsunami que se formou. Carregou consigo todos os móveis e aprisionou todos os outros dentro de enormes bolhas como havia feito com o hacker da primeira vez.
Yixing estava emudecido com aquelas imagens. Observou os seguranças que ficavam sem ar debaixo d’água, inclusive o colecionador, o qual tentava escapar a todo custo.
AZ7/01 foi se aproximando do mais velho lentamente. As batidas do coração do Zhang eram descompassadas, pois estava perplexo com o fato de aquela demonstração de poder não ser um por cento do que Suho realmente era capaz. Ele é, de fato, uma arma letal, pensou.
— Yixing, vamos para casa. — Sorriu com os olhos brancos.
— Vamos.
Ainda sim, não tinha medo dele. Tudo o que Lay queria era amá-lo sem medidas.
Os prisioneiros só foram libertos daquelas águas quando ambos os rapazes já tinham ido embora.
Kyungsoo fervia em ódio enquanto se contorcia em agonia à procura de oxigênio.
AZ7/01 não poderia ter escapado daquela maneira. Não poderia! Socou o chão em resposta. Iria encontrá-lo novamente e, com toda a certeza, mataria o hacker.
No entanto, precisava se preocupar com outra coisa, pois, ao olhar para os outros troféus, viu que Byun Baekhyun estava de olhos abertos.
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Dentro da van, Yi Fan não conseguiu esconder o sorriso surpreso depois de ouvir todo o relato de Yixing sobre o que tinha acontecido com o colecionador.
— Ei, mandou bem, AZ7.
Suho, por sua vez, redirecionou um olhar sério para o maior e disse:
— Babaca.
O silêncio se instalou durante breves segundos. Olhares foram trocados e, logo em seguida, tudo o que foi ouvido foi apenas uma mistura de várias risadas.
— Ele ainda está irritado com você.
— Não tiro a razão.
— Suho, o que quer fazer quando estiver em casa?
— Quero ficar com Yixing.
Um enorme sorriso surgiu nos lábios do hacker em resposta. Tinha se esquecido de todos os problemas. Nada mais importava, porque tinha o experimento ao lado outra vez.
Aqueles olhos da cor do ônix eram convidativos. Tragavam-no para um universo próprio. Para um abismo de desejo no qual as mãos necessitavam tocá-lo e os lábios beijá-lo. Todavia, tal efeito hipnótico durou muito pouco, pois Yixing foi trazido de volta para a realidade com o barulho de tiros pegando a lataria de raspão.
— O que foi isso?! — Berrou.
— Ah não. Ah não. — Yi Fan olhou para o retrovisor. — Estamos ferrados.
— Por quê?
— Porque o cientista está atrás da gente.
Suho arregalou os olhos. James Patterson... Não. Precisava fazer algo. Tinha de escapar, porque, se voltasse... Se ele voltasse... Lembrou-se da surra que levou quando tentou fugir pela primeira vez. Os ombros começaram a tremer.
— Água. Água. — Foi tudo o que conseguiu dizer.
— Aqui não tem água.
— Suho, não precisa ter medo. Irei te proteger. Custe o que custar.
Yixing, com um brilho sério no olhar, encarou AZ7/01. Disse tais palavras, porque queria acreditar nelas, porém sentiu medo demais para fazê-lo.
No carro atrás, Violet praguejou em resposta.
— Ei, não sabe atirar? Que merda de pontaria é essa?
Huang Zi Tao estava com as mãos trêmulas. Por pouco não deixou a arma cair no chão. Os olhos estavam arregalados enquanto tentava disfarçar as próprias emoções.
Yi Fan... Não conseguia acreditar... Durante todo esse tempo era o barman que estava escondendo AZ7/01. Foi enganado. Apenas serviu como um mero banco de informações para Zhang Yixing.
Ele mentiu... Logo os sentimentos do Wu eram uma farsa. Nunca foi amado.
Tao queria matá-lo.
— O que estão fazendo?! Calem a boca e tratem de parar aquele carro. — James vociferou.
Vacilar, naquele momento, era um ato imperdoável para o cientista. Estavam tão perto... A ansiedade aumentava cada vez mais. Praticamente corroía o homem por dentro. Precisavam ser perfeitos.
Uma corrida contra o tempo foi iniciada. Na pista vazia, os carros disputavam quem alcançaria uma velocidade tão alta em tão pouco tempo. Por apenas alguns momentos, tiveram de desviar de outros carros. Inclusive, chegaram quase a causar um acidente.
Na van, o clima era pesado. Os humores estavam alterados enquanto Suho se mantinha aéreo, pensando em uma solução ao passo que Yixing e Yi Fan discutiam.
— Acelera! Vai mais rápido!
— Já estou acelerando! Daqui a pouco o velocímetro vai quebrar!
— O Suho... Eles não podem...
— Já sei disso. Não vai acontecer nada.
Violet, por sua vez, perdeu a paciência com o péssimo trabalho do segurança chinês. Sem nem pensar duas vezes, pegou a própria arma e o empurrou para o lado.
— Veja o que é ter pontaria. — Os olhos azuis tinham um brilho esnobe.
A van branca se movia em uma velocidade extraordinária. Ia além do que conseguia, por isso alguns sons estranhos começaram a ser ouvidos.
Com a mira bem diante de si, a mulher apenas sorriu e apertou o gatilho.
— É assim que se faz.
O projétil furou o pneu traseiro. Por conta da alta velocidade, o automóvel pareceu voar por poucos segundos até captar três vezes e parar no meio da estrada.
Suho foi o único que se manteve consciente. Entretanto a dor o deixou em um estado letárgico. Os pensamentos eram difusos. A visão estava um pouco turva ao passo que os ouvidos absorviam o silêncio.
— Yixing? Yixing? — Chamou, porém sem resposta.
Não tardou para que avistasse o hacker um pouco mais a frente, no chão da van, com a testa ensopada de sangue.
— Machucado... Machucado. Yixing.
Assustou-se. Queria ver se ele estava bem, mas quando pensou em dar um passo, a porta traseira do veículo foi aberta. Mãos fortes o puxaram e algemaram os pulsos do experimento.
— Não! — Gritou — Yixing! Não!
Violet se aproximou de Lay para tocá-lo e a menção disso deixou AZ7/01 nervoso. Ninguém tocaria no moreno. Ninguém.
— Yixing! Não! Yixing! — Debatia-se.
— Cala a boca. — John injetou um forte sedativo na jugular do mais novo.
Em meio a tanta resistência, o corpo do experimento foi ficando cada vez mais pesado. A mente confusa. As pálpebras piscaram várias vezes até ele cair na inconsciência com a imagem gravada de um Yixing ensanguentado.
James Patterson, ao presenciar tudo aquilo, esboçou um sorriso obscuro. Tinha acabado de ter uma ideia.
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Jane não sabia por quanto tempo estava correndo. Apenas o fazia, porque sentia medo de tudo aquilo ser apenas uma ilusão da própria mente.
Não conseguia acreditar, mas o coração pulsava, chorava de tanta saudade. As palavras de Patterson ecoavam repetidas vezes nos próprios ouvidos: “conseguimos pegá-lo de volta. Estão cuidando de AZ7/01 agora”.
Com isso, o cientista sabia muito bem onde o próprio filho estava.
— Sammy. Sammy. — Balbuciou em meio ao cloro baixo.
O percurso durou apenas alguns minutos. Para Clinton foi uma eternidade. Assim que passou pelas portas daquele setor, viu o experimento preso a mesa de aço inoxidável. Já haviam colocado os tampões sobre os olhos. Agora, estavam colocando a vendo sobre os tampões.
— Doutora Clinton, o que faz aqui? — Um cientista chinês se aproximou.
— Mande todos saírem.
Não desviou o olhar de AZ7/01.
— Mas...
— Mande todos saírem.
Assim o fez. Quando já estava ao lado do rapaz e sem cientista algum, abraçou o corpo inconsciente de Suho.
— Sammy, meu filho. Senti tanto a sua falta. Tanto. Veja só, está tão machucado. — Olhava para os pequenos cortes, arranhões. — Aquele hacker te fez muito mal, não é mesmo?
Acariciou as bochechas do mais novo. Jane parecia estar flutuando. Sentia-se completa outra vez. Até mesmo esboçou um sorriso no canto dos lábios.
Com um jeito cirúrgico, umedeceu um pedaço de gaze e, sentindo voltar no tempo, começou a limpar as feridas do outro.
— Não se preocupe. Não deixarei mais ninguém te fazer mal. A mamãe está aqui agora.
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Yixing acordou em um sobressalto. Como se tivesse levado um susto. As íris foram nocauteadas pelo brilho intenso da luz do cômodo. Piscou algumas vezes. Nos ouvidos, ecoavam bips ritmados e constantes. Sentiu que estava deitado sobre um colchão e, ao tentar mover as mãos, não conseguiu fazê-lo, porque estavam presas à algemas bem resistentes, assim como os próprios pés.
Desesperou-se enquanto as lembranças vinham como imagens torrenciais. Agora, conseguia ver claramente o laboratório diante de si, mas nenhum sinal de AZ7/01.
— Onde está o Suho? Cadê ele? Me tirem daqui! — Berrou e se debateu. — Me tirem daqui! Onde está o Suho?!
Alguns cientistas passavam e olhavam para Lay como se ele fosse um lunático. Outros, inclusive, ficavam irritados com todo aquele escândalo.
— Que tal falar um pouco mais baixo? As pessoas estão olhando.
Viu aquela mulher loira se aproximar. Violet. Pensou. Os olhos azuis carregavam todo o cinismo ao passo que trazia consigo uma expressão de raiva.
— Onde está o Suho? O que fizeram com ele? — Tentou se soltar.
— Aquele animal? Não te interessa.
— Se vocês encostarem um dedo nele, eu...
— O que vai fazer? Saiba que posso explodir os seus miolos agora. — Tocou na arma que estava na cintura.
— Eu não tenho medo.
— Mas deveria ter se quiser ver aquele animalzinho outra vez.
Yixing engoliu em seco. Ela não estava mentindo
— Onde ele está?
Violet gargalhou.
— Está em ótimas mãos.
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A consciência foi retornando aos poucos para AZ7/01. Começou com a sensibilidade na ponta dos dedos. A respiração ficou cada vez mais forte logo em seguida, os pensamentos cada vez mais altos, até que sentiu vontade de abrir os olhos, porém não conseguiu. Algo o impedia de fazê-lo.
Os braços estavam para trás, devidamente acorrentados. Sequer conseguia erguê-los. Os joelhos estavam dobrados enquanto os tornozelos também estavam acorrentados. As solas dos pés desnudos não conseguiram desgrudar do chão.
— Hm... Hm... Hm...
Tentou falar, entretanto a mordaça, devidamente apertada, impediu-o. Em resposta, começou a se debater, a tentar se soltar. Os batimentos cardíacos já estavam acelerados, porque a sensação de estar vivenciando o próprio pesadelo era bem nítida, real.
Yixing? O que teria acontecido com Yixing? Lembrou-se dele inconsciente, ensanguentado enquanto aquelas pessoas tentavam tocá-lo... Não. Eles não poderiam fazer mal para o hacker.
Ficou ainda mais desesperado. Queria se soltar, mas tinha se esquecido de como era difícil. Em um repente, unhas afiadas cravaram nas próprias bochechas enquanto uma  mão segurava o rosto de experimento com força.
— Sentiu saudades de mim, AZ7/01? — O tom de voz sombrio de James Patterson reverberou por toda a cela.

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