11. Promessas

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Aquilo era real.
O beijo era palatável, sensorial.
Suho conseguia sentir o cheiro de macarrão frito enquanto o gosto dos lábios de Yixing nos próprios era de morangos. O coração batia acelerado tão acelerado, que suspeitou estar com medo, com o mesmo sentimento que lhe abatia quando o cientista Patterson vinha para testá-lo. Porém não...Era diferente.
O experimento tinha a sensação de que o próprio corpo derreteria, seria desfeito como a água que passa do estado sólido para o líquido. Cada terminação e construção celular era desfeita, desintegrada como pó e unidas novamente depois de milissegundos.
A pele do hacker era macia, quente. Despertava os desejos mais profundos de AZ7/01.
Desejo.
Em todos esses anos, Suho nunca tinha evoluído a própria mente para a idade física com a qual condizia. Nunca chegou a passar pela puberdade de fato, nem mesmo sentir atração por um outro alguém, pois, na época, o jovem estava ocupado demais preso dentro de um tanque completamente inconsciente.
No entanto, nos poucos minutos que se passaram, sentiu um calor dominar-lhe o corpo, o desejo invadir a própria mente ao mesmo tempo em que uma vontade carnal de ter Lay só para si chegou para devastar cada canto e recanto da pouca sanidade que ainda tinha.
Yixing, por sua vez, também não conseguia acreditar que aquilo era real. Havia se deixado levar pelas palavras do menor. Foi tomado completamente pelo desejo ardente que crescia dentro de si, pelo amor reprimido que por pouco faltava sufocá-lo, pela tentação diária de querer provar o gosto daqueles lábios.
Eram salgados como a água do mar.
Sem nem pensar duas vezes, tomado completamente pela impulsividade, AZ7/01 empurrou com força os ombros do hacker para que este deitasse no sofá.
Ambos abriram os olhos.
Os orbes ônix de Suho queimavam. Estavam ensandecidos.
A imensidão castanha do segundo, por sua vez, revelava um brilho surpreso. Estavam até mesmo um pouco arregalados, mas isso não queria dizer que o mais velho não queria nem um pouco aquilo.  Todavia, ao ver tal sentimento refletido no outro, assustou-se.
Parou por poucos segundos enquanto a razão tomou conta de si mais uma vez. Pensou que estava machucando o maior, que aquele sentimento não era surpresa, mas sim medo.
E o experimento não queria machucar o hacker.
Como uma fera que se dava conta do erro, Suho saiu de cima do mais velho e voltou a se sentar na outra extremidade do sofá mantendo uma expressão pensativa na face, talvez até triste.
Lay ficou sem reação. Com um gosto agridoce na boca. Por que ele parou? Foi a única coisa que conseguiu pensar.
- Suho... – franziu as sobrancelhas enquanto se sentou.
- Não, não chegue perto. – balançou a cabeça em negação. Agarrou também os próprios cabelos ao mesmo tempo em que exibia uma expressão desconcertada, assustada na face.
Pensava no quanto estava parecido com James. No quanto desejava algo e em quão amedrontado Yixing estava. Ainda que por breves segundos de uma epifania, o experimento conseguiu entender como Patterson se sentia.
Não queria ser como ele.
Os olhos capturavam cada movimento feito pelo hacker com discrição, como se estivesse pisando em ovos, ou, até mesmo, surpreso por ser capaz de ter tal sentimento. De senti-lo tão forte dentro de si que o corpo parecia queimar.
Yixing, nesse meio tempo, aproximou-se cada vez mais. Começou a ficar preocupado.
- Suho? – os dedos da mão direita estavam prestes a encostar naqueles ombros.
- Não chegue perto! – berrou. Arregalou os olhos em surpresa mais uma vez, pois viu que tinha assustado o mais velho. – Não quero te machucar.
- Me machucar? Do que está falando? – ficou sem entender.
- Su...Eu não quero ser como ele.
- Como quem?
- Como o homem mau.
Foi então que os músculos de Lay ficaram tensos. O maxilar também ficou trincado. Havia se dado conta de que AZ7/01 estava se culpando por sentir desejo, porém era pior do que isso. O mais novo contundiu um sentimento amoroso com outro bem pior. E tudo porque tinha deduzido que o hacker estava assustado.
- O que ele fazia? – era tomado pela curiosidade. Agora que Suho conseguia falar, ele podia saber.
Aquele brilho turvo no olhar, o desespero e o medo latente surgiam apenas quando o experimento se lembrava do próprio criador. Reviver os momentos da própria vida antes de Yixing era doloroso. Era visceral e vívido até demais, porque, até então, nunca teve ou nunca soube a concepção de tempo como o passar desse. Ou seja, para AZ7/01 era como se tudo tivesse acontecido ontem.
Como aquele momento...
“ Suho tinha acabado de completar o décimo sexto aniversário.
O laboratório, como sempre, cheirava a éter e a produtos de limpeza. Nenhum som humano era ouvido ali. A não ser o da respiração do cientista Patterson que sentia certo êxtase lhe consumir.
Observava, diante de si, o largo aquário cheio de água, com grilhões de corrente que saíam dali em direção vertical até uma plataforma acima desse onde repousava o experimento. Ao lado do tanque havia máquinas de monitoramento dos batimentos cardíacos e saturação de oxigênio do adolescente mutante.
AZ7/01 se remexia sobre aquela plataforma. Estava acordado depois de longas semanas inconsciente dentro da câmara. A forte luz da lâmpada incomodava os olhos desse que não poupou a quantidade de vezes em que piscou e franziu as próprias sobrancelhas. Os lábios permaneciam vedados por aquela forte mordaça enquanto uma enorme máscara de oxigênio escondia nariz, mordaça, bochechas e queixo do rapaz.
O experimento estava seminu. Vestia apenas uma calça comprida de pano branca. As costas sentiam a temperatura fria daquela plataforma de metal, o peitoral estava cheio de eletrodos, os dedos dos pés descalços se contorciam ao mesmo tempo em que os pulsos acorrentados, um em cada lateral do corpo, tentavam se soltar dali.
O adolescente não gostava de estar acordado. Preferia os apagões, porque lá nunca ficava preso nem via James Patterson.
— Hm...Hm...Hm... — os grunhidos saíram abafados.
Patterson sequer se moveu para fazê-lo parar, para tirá-lo dali. Diferente das outras vezes, Jane Clinton não estava ali. Tinha ido para uma reunião com o intuito de divulgar o experimento AZ7/01. O homem tinha feito tal coisa de propósito.
No comando do painel que controlava o enorme aquário estava um estagiário do grupo de cientistas americanos. Ao lado de James, estavam Violet e John, o qual fumava um cigarro com uma expressão de tédio na face. 
— O que pretende fazer? — perguntou despretensiosamente.
O cientista franziu o cenho em resposta. Não queria dar muitos detalhes, principalmente para um mero segurança.
— Está vendo a água dentro daquele tanque?
— Estou.
— A temperatura dela está abaixo de zero. É tudo o que precisa saber.
Sobre a plataforma, AZ7/01 ainda se remexia inquieto. Irritava-se, porque não conseguia enxergar direito, a máscara de oxigênio incomodava. Ele só queria que tudo aquilo acabasse. Os eletrodos espalhados pela cabeça do experimento registravam as ondas cerebrais desse. Essas estavam agitadas, desgovernadas. A água dentro do tanque já começava a se remexer sob o efeito dos poderes do jovem.
— Hm...Hm...Hm... — franziu o cenho.
— Brandon, aperte o botão. — não havia piedade naquele olhar.
Os braços foram cruzados. A plataforma saiu da posição horizontal e foi para a vertical em questão de segundos. O corpo do rapaz caiu de uma só vez dentro daquele tanque.
Ao entrar em contato com aquela água gélida, AZ7/01 — mesmo com a máscara de oxigênio — sentiu o ar desaparecer dos próprios pulmões. O choque térmico foi tamanho que o corpo começou a entrar em convulsões. Já não tinha mais o domínio de si mesmo.
O cérebro recebia o impacto de todo aquele poder por estar imerso naquela água assim como não estava conseguindo funcionar com aquela temperatura tão fria. Os olhos reviravam naquelas órbitas. Os batimentos cardíacos ficavam extremamente acelerados. Já eram cento e vinte e quatro batimentos por minuto.
Brandon sentia medo. Violet mantinha uma expressão de tédio. John estava com os olhos arregalados. Patterson mantinha-se perdido nos próprios pensamentos ao mesmo tempo em que mantinha um olhar afiado como analítico.
— Doutor Patterson, o que está pensando em fazer? — o estagiário se levantou. — Ele irá morrer.
Os olhos negros como o petróleo direcionaram um brilho assustador e intenso para o mais novo.
— Cale a boca e faça apenas o que eu mandar. — voltou a observar o aquário. Até mesmo um sorriso discreto surgiu no canto daqueles lábios.
Para AZ7/01, o mundo havia parado praticamente. Estava preso naquele sentimento de agonia, impotência. As correntes pesavam cada vez mais nos próprios pulsos. O corpo ficava cada vez mais leve. Tinha a sensação de estar se afastando, de estar indo embora.
A visão era turva, os ouvidos entupidos pela água e os pulmões sem oxigênio. Por breves segundos, chegou a sentir o desespero a lhe invadir. Estava sozinho. Queria pedir ajuda, porém não conseguia. O pesadelo não iria acabar tão cedo.
Só que, no meio daquela pequena imensidão, o adolescente sentiu alguém acariciar o próprio rosto, um sentimento bom. Parecia que alguém o protegia. Não sabia quem.
Deixou-se levar por aquele chamado, por aquela proteção que era tão boa. O cérebro já estava cansado, o coração atingiu o máximo de batidas por minuto. Tudo o que ele poderia fazer era atender ao pedido. Sem nem pensar duas vezes, o experimento fechou os olhos.
Do lado de fora do aquário, a máquina registrava uma linha reta e constante. Não havia batimentos cardíacos.
— Ele está morto! — a face de Brandon estava lívida. — O senhor o matou! Matou o próprio experimento! Irei denunciá-lo ao conselho!
— Violet. — não estava com muita paciência para ter de lidar com aqueles chiliques.
A mulher sacou a arma da cintura, aproximou-se do rapaz e apontou essa para a testa do estagiário.
— Se falar mais alguma coisa, mando-a estourar os seus miolos. Não estou com humor para lidar com um estagiariozinho como você. Me denunciar. — gargalhou. — Sou James Patterson.
Os olhos azuis de Violet arderam só de pensar na possibilidade em dar uma animada naquele clima parado.
Dentro do aquário, o corpo de AZ7/01 estava estendido no chão, lívido. Sem vida alguma.
James estava realizando mais um dos próprios testes. Queria comprovar um pensamento que martelava por dias no mar de pensamentos. Seria uma perda e tanto para as próprias pesquisas se o adolescente morresse. Todavia não se importaria de começar um outro projeto como aquele.
Dois minutos se passaram. Mais nenhum batimento cardíaco foi registrado. O cientista já começava a perder as esperanças quando, no meio daquele silêncio pétreo, bips fracos começaram a surgir. Logo em seguida ficaram mais fortes.
O experimento recuperava a consciência como alguém que é cuspido do próprio sonho. Os olhos foram abertos de uma só vez. As narinas começaram a inalar o oxigênio daquela máscara de forma desesperada. A cabeça balançava, zonza, tentando se situar naquele espaço. A mão direita pousou sobre o vidro do aquário.
AZ7/01 se sentia estranho, diferente. O corpo estava mais forte. A visão não estava mais turva. Agora, conseguia enxergar perfeitamente debaixo d’água. O poder da própria mutação pulsava nas veias. Isso o mantinha vivo.
— Hm! Hm! Hm! — grunhiu ao observar Patterson se aproximar.
Tentou se soltar. O medo tomou conta de si mais uma vez. Contudo ficou petrificado ao observar a expressão no rosto daquele cientista.
James tinha um brilho desejoso no olhar. Os lábios estavam contorcidos em um sorriso, ao passo que cada linha de expressão se desenrolava em algo amedrontador. Ele observava o adolescente com um sentimento de posse, de estupefação. Reconhecia que AZ7/01 tinha sido o seu trabalho mais eficiente. Era dele e não haveria ninguém que conseguisse tirar isso de si.
O rapaz percebeu tal sentimento. Por isso sentiu medo”.
— Suho? Suho? — Yixing tentou trazer esse de volta a realidade, mas sem sucesso.
O moreno parecia estar perdido em pensamentos profundos. Lembranças das quais o hacker não gostaria nem um pouco de saber.
Antes que pudesse chamar a atenção do outro mais uma vez, a porta do apartamento foi aberta com força. Yi Fan passou por ali com pressa. A expressão naquele rosto era o puro pavor.
— Yixing, nós precisamos conversar.
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Com uma desculpa inventada, o hacker conseguiu levar o experimento para o quarto e trancá-lo lá. Presumiu que assim teria mais privacidade com Kris, porque a expressão que observava naquela face era a do puro caos.
Algo bem sério devia estar acontecendo. Em uma atitude instintiva, Yixing sentiu o próprio coração doer e a vontade de olhar para a porta do quarto em que Suho estava era imensa, no entanto controlou-se para não desviar o foco da conversa.
— O que quer falar? — a voz saiu soprada, como se de algum modo já tivesse descoberto as palavras do amigo.
— Yixing, os cientistas malucos descobriram a nossa localização. Sabem onde o Suho está. Tao me contou no bar logo assim que recebeu a mensagem.
Por breves segundos, o menor sentiu tudo a própria volta girar. Queriam tirar Suho dele. Não. Não poderia deixar. Via o quanto o experimento era feliz ali, assim como havia progredido.
Concordava que viver confinado em um espaço de cento e cinquenta metros quadrados não era o melhor estilo de vida nem o que Yixing queria para o mais novo. Suho merecia conhecer mais e mais do enorme mundo a sua volta. Por isso não poderia deixar que o experimento voltasse para a vida de antes.
— O que? — foi tudo o que conseguiu dizer, pois só conseguia pensar no rapaz que estava trancado naquele quarto.
— Nós estamos ferrados. — o desespero era evidente. O lábio inferior chegou até mesmo a tremer. Os olhos, por sua vez, brilhavam como quem queria chorar. — Acabou. Se eles nos pegarem, acabou. E nós ainda vamos ter de lidar com o colecionador.
Ainda tinha o colecionador. Lay soltou um gemido baixo em resposta. Queria vomitar. O estômago revirava dentro de si mesmo com uma propulsão que fazia o rapaz chegar à conclusão de que aquele era o final da linha. Não dava mais.
Todos os próprios esforços estavam se esgotando assim como o tempo. O hacker só queria ficar com Suho por mais tempo. Deixá-lo ir seria mais difícil do que pensou ser, porque jamais pensou nessa possibilidade depois que soube dos próprios sentimentos.
O que iriam fazer? O que? Não sabia.
Estava sem saída.
— Kris... — os dedos da mão esquerda passaram por entre os cabelos.
— Nós iremos morrer. O Tao irá descobrir a verdade e eu... — começou a surtar.
— Não posso deixar que peguem o Suho. Não posso.
Os olhos foram para a porta do quarto. Lá, do outro lado, o experimento estava sentado com as pernas cruzadas, a mão direita espalmada sobre o vidro e o olhar com um brilho preocupado. AZ7/01 sequer pensava em si mesmo. Estava preocupado com Yixing. Era sempre o mais velho que rondava os próprios pensamentos. E o próprio sabia disso.
Era o que lhe causava mais dor e sofrimento. Pois o menor nem mesmo sabia da verdade.
Não aguentou. Precisava salvá-lo. E iria fazê-lo. Lay pensou com determinação.
— Yixing...
— Já sei o que iremos fazer.
— O que?
— Vamos para outro lugar.
— Onde?
O hacker apenas esboçou um curto sorriso melancólico em resposta. Pois, mesmo que indiretamente, outras pessoas precisariam ser envolvidas no meio desse furacão.
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O laboratório da base científica chinesa estava um caos. Tao perdia-se no meio de tanto ir e vir de cientistas apressados. Assim como equipamentos iam e vinham, o som daquelas máquinas e das mensagens trocadas por rádio faziam o rapaz se sentir no meio de um cataclisma.
Os próprios pensamentos estavam confusos. Sem saber para onde ir, apenas se manteve estático no olho daquele tornado.
Em um repente, uma mão pousou sobre o próprio ombro. Assustou-se.
— Virou gato escaldado, chinesinho? — John sustentou um sorriso debochado na face.
— Meu nome é Tao. — foi tudo o que conseguiu dizer.
— Tanto faz. O que está fazendo aí parado? Não vai pegar a sua arma? Já peguei a minha. — ergueu a mão esquerda com satisfação para mostrá-la.
— Eu...
Nesse meio tempo, James Patterson surgiu entre os dois. O cientista estava com uma expressão carrancuda, no entanto os olhos brilhavam em ansiedade.
— Tratem de pegar logo os seus equipamentos, pois iremos partir logo, logo. Em breve, AZ7/01 estará em minhas mãos novamente.
Tao não sabia explicar, mas sentiu medo daquelas palavras. No fundo, desejou que o experimento não pudesse ser encontrado, pois temia o que pudesse acontecer com esse.
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— Yixing, aconteceu alguma coisa? — Suho tinha as sobrancelhas franzidas em curiosidade e preocupação.
Depois de conversar, como também acalmar Yi Fan, Yixing estava no quarto sem desgrudar os olhos da imagem do mais novo enquanto segurava um copo com um suco de limão e sedativo.
Gotículas de suor escorriam pela testa em um ato inconsciente de nervosismo. Precisava esconder de Suho toda a nova verdade que havia surgido. Era imprescindível continuar com aquela mentira. O hacker só precisava encontrar o jeito certo de continuar.
— Não aconteceu nada. — soltou uma risada fraca.
— Por que o Yi Fan estava assustado?
— Assustado? Não. Você se enganou. Ele estava irritado.
O experimento franziu ainda mais as sobrancelhas. Sentia que havia algo fora do comum, porque Lay mais se parecia com um ator de alguma série do que consigo mesmo. O moreno não sabia explicar, porém via que todos os atos do mais velho eram mecânicos demais. Tinha algo ali.
— Por que ele estava irritado?
— Queria fazer uma surpresa, mas já que insiste... — soltou um suspiro pesado. — Quero fazer um passeio com você.
— Passeio?
— É. Quero lhe mostrar o mundo que há fora desse apartamento.
— O mundo lá fora...
Suho começou a relembrar da vez em que tinha visto o mundo lá fora. Havia acabado de fugir do laboratório. Todos aqueles sons altos, todas aquelas pessoas caminhando de um lado para o outro. As cores, os prédios. Começou a ficar nervoso, pois era uma memória sufocante, angustiante.
— Não precisa ficar nervoso. Estou aqui. — abaixou-se. Ficou na mesma altura que o menor.
— O mundo lá fora é grande. Muito grande. Suho...Eu tenho medo.
Os olhos castanhos de Yixing estavam tão firmes, dóceis e gentis que Suho conseguiu encontrar a paz absoluta neles.
— O mundo é grande mesmo. — Lay não evitou a risadinha. – Só que você está comigo e estou com você. Irei te proteger a todo custo.
— Yixing... — as batidas do coração eram aceleradas.
— Então, quer conhecer o mundo comigo?
— Quero. — respondeu sem hesitar.
O mais velho sorriu.
Sendo assim, por que não bebe esta limonada? Deve estar com sede.
AZ7/01 de fato estava. Sem nem pensar duas vezes, pegou o copo e deu enormes goles na bebida refrescante. Era agridoce, contudo lhe apetecia o gosto. Nem sequer reparou que o maior engoliu em seco.
Logo em seguida, Suho se levantou e, ao fazê-lo, sentiu-se zonzo. Quase deixou o copo cair no chão, porém o hacker foi mais rápido e o pegou em um reflexo.
— Yixing. — colocou a mão na testa enquanto franziu as sobrancelhas.
— O que foi? Está sentindo alguma coisa? — fingiu-se de desentendido.
— Minha cabeça está girando. Eu... — tentou dar mais um passo, no entanto cambaleou mais uma vez.
— Não quer se sentar?
O experimento estava confuso. Não se sentia daquele jeito antes. Agora, todos os próprios pensamentos eram nublados, os músculos relaxavam por algo maior que os forçava. Subitamente, um cansaço desenfreado tomou conta do próprio corpo. As pálpebras estavam tão pesadas que sequer conseguia mantê-las abertas.
— Não... Eu... — as palavras saíram confusas.
Antes que pudesse pensar em outra coisa, o moreno caiu inconsciente nos braços de Lay que o levou para sala onde Kris o esperava com todas as coisas arrumadas.
O corpo foi colocado dentro da bolsa aberta. Yixing franziu as sobrancelhas ao ver o melhor amigo pegar as cordas para amarrar os tornozelos e os pulsos do menor.
— Nem vem com essa cara. — Yi Fan torceu os lábios. — Sabe que precisamos fazer isso para não sermos pegos.
— Eu sei, é só que...
— Está se importando demais com ele.
— Não tenho culpa por ter me apaixonado.
Um suspiro pesado escapou da boca do maior.
— Ainda irá precisar entregá-lo para o colecionador.
— Podemos não pensar nisso agora? — irritou-se.
— Só estou dizendo o que vai acontecer. — pegou o rolo de fita adesiva, cortou uma tira e colocou sobre os lábios de AZ7/01. — Não se preocupe, quando chegarmos a van, ire soltá-lo.
O hacker nada respondeu. Perdia-se nos próprios pensamentos. Observava a figura de Suho amarrada e amordaçada. Concluiu que não era aquilo que queria para o mais novo. Queria que esse fosse livre.
Naquele momento, de certa forma, também percebeu que machucava AZ7/01. Sentiu-se tão ruim quanto James Patterson era.
Despertou dos próprios devaneios quando ouviu o som do zíper da bolsa se fechar e a imagem de Suho desaparecer diante de si.
Yi Fan colocou o refém desacordado sobre os ombros. Saíram depressa do apartamento logo assim que conseguiram pegar todas as coisas. O mais velho dos três ia na frente com o experimento enquanto Lay ia atrás com um brilho de pesar no olhar.
Observava o melhor amigo descer as escadas e o tecido preto da bolsa desaparecer aos poucos. No momento em que faltava apenas uma parte para desaparecer por completo, cabelos acinzentados entraram na frente daquela visão.
— Menino Zhang, o que está fazendo de pé uma hora dessas da manhã? — aquela voz feminina familiar tomou conta dos ouvidos do rapaz.
“Ah não. Alguém só pode estar de brincadeira”. Pensou tentando reprimir um gemido de frustração.
— São cinco e meia da manhã de um sábado. — ouviu-a novamente.
— Senhora Ming...
Ela conseguiu se virar bem a tempo de ver a ponta da bolsa que guardava Suho como os fios platinados de Yi Fan. Conhecia-o, porque muitas vezes já o viu acompanhado da presença de Yixing.
— O que seu amigo está carregando? — esboçou uma expressão suspeita na face.
Aquela era a pior hora em que a própria vizinha poderia aparecer. Em resposta, o coração começou a ficar acelerado. Gotas de suor deslizavam pela testa como um calafrio percorria a própria espinha dorsal.
— São tacos de golfe, senhora Ming. — interrompeu-a com um pouco de rispidez no tom de voz.
— Tacos de golfe?
— Sim. Encontramos um campo ótimo para jogar, mas ele é bem conhecido. Só conseguimos reservar um horário para agora cedo e eu preciso ir. Não posso me atrasar.
Não esperou por uma resposta da mulher. Apenas saiu andando. Poucos minutos depois, já estava dentro da van e ao lado de Suho que ainda estava dentro da bolsa.
— Por que demorou tanto? — Yi Fan não conseguiu esconder a leve irritação no tom de voz.
Houve um rola de olhos por parte de Lay.
— A senhora Ming resolveu me parar para fazer um monte de perguntas.
— Esses vizinhos fofoqueiros... Bem, pegou tudo?
— Peguei.
— Ótimo. Agora vamos para o nosso destino.
O sol começava a nascer por entre aqueles prédios e no meio do céu alaranjado quando uma única van branca saiu dos limites do bairro de Zhabai.
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— Então é aqui que AZ7/01 está. — Patterson encarou a porta daquele apartamento com um brilho de triunfo no olhar. — Te peguei. O que estão esperando? Podem arrombá-la. — direcionou o olhar para seus fiéis seguidores.
Violet esboçou um meio sorriso no exato instante em que, para o cientista, aqueles olhos azuis  — idênticos aos da própria esposa. — Exibia um ar, um brilho de vilania.
— Como o chefe manda. — afastou-se e esmurrou a porta com um forte chute.
O objeto foi aberto em questão de segundos.  A luz solar começou a iluminar o cômodo outrora escuro, porém Patterson preferiu a luminosidade artificial da lâmpada ao acendê-la.
Não havia indícios de ter alguém ali.
Violet, Tao e John, com as armas nas mãos rapidamente adentraram como se espalharam pelo imóvel. James, por sua vez, analisava meticulosamente cada detalhe que passava diante de si.
Chegou a conclusão de que o apartamento era apenas para uma pessoa, o qual se interessava bastante por computadores e outros artigos de tecnologia.
Ainda na sala, ao caminhar, ouviu um estalido baixo sob a sola dos sapatos sociais. Era o som de algo se quebrando. Viu que se tratava de um lápis. Debaixo do lápis estava um folha de papel.
Em um gesto curioso, abaixou-se e pegou-a. Ali, em ideogramas chineses que pareciam ter sido escritos por uma criança de oito anos estava escrito o seguinte nome: Suho.
O cientista não precisou ver a figura do rapaz para saber que se tratava de AZ7/01. A certeza daquela afirmação emanava das próprias entranhas. Tinha-o encontrado. Um sorriso surgiu no canto daqueles lábios. Era obscuro.
— Tem até um nome. Que patético.
Amassou a folha e jogou-a no chão. Aquele nome, para James, era algo inútil, pois logo o experimento retornaria e voltaria a ser como um objeto  um animal controlado.
— Ele não está aqui. — a voz de Violet ecoou pela sala. — Fugiram.
— O que? Já verificou em todos os cômodos?
— Já. Estão vazios.
Um grunhido de raiva foi ouvido. O americano, mesmo com a afirmação, saiu se pôs a olhar o resto do apartamento de forma mais ávida do que alguns minutos atrás. Tudo o que conseguiu encontrar foi uma cama hospitalar em um quarto estranhamente estrelado.
O ódio começou a queimar, a se espalhar por todo o corpo do cientista. A mão foi fechada em punho enquanto um grito era suprimido na garganta, mas não por muito tempo. Patterson surtou. Gritou e, em um impulso de raiva, jogou a cama hospitalar no chão.
Não conseguia acreditar que aquilo estava acontecendo. Estava tão perto. Tão perto. AZ7/01 tinha conseguido escapar mais uma vez.
Ele...
Soltou um berro ensandecido. Patterson queria castigar o experimento cada vez mais. Achava pouco tudo o que os cientistas chineses haviam feito. AZ7/01 precisava sentir na própria carne o que era confrontar o próprio criador.
Saiu em disparada daquele apartamento. Ao chegar no corredor, deparou-se com uma idosa chinesa a lhe encarar.
— O que estão fazendo no apartamento do meu vizinho? — franziu as sobrancelhas.
Vizinho? James pensou em curiosidade. Talvez ela pudesse saber de alguma coisa.
A expressão no rosto da mulher ficou lívida ao observar Violet e John se aproximarem do mais velho. Ambos estavam armados.
— Os senhores são da polícia, não são? — tornou a falar. — Eu sabia que ele tinha feito algo de ruim. Eu sabia.
Patterson aproveitou o momento. Sabia que confissões viriam.
— Somos. O que ele fez?
— Hoje de manhã, vi-o acompanhado do amigo que carregava uma enorme bolsa preta. Parecia que lá dentro tinha um corpo.
Um corpo? AZ7/01. Os olhos do cientista brilharam em resposta.
— Um corpo?
— Sim. Estava atravessado sobre o ombro do mais alto.
— Sabe me dizer para onde foram?
— Não sei. Meu vizinho disse que estavam indo jogar golfe. Mas não acreditei muito.
Como toda pessoa enxerida. James pensou em resposta.
— Pode me dizer o nome do seu vizinho?
— Claro. Ele se chama Zhang Yixing.
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A luminosidade atingiu os olhos ônix logo assim que as pálpebras foram abertas. Sentiu dor.
Suho também sentia a própria mente girar. Os pensamentos não eram nada lógicos e, no meio daquele turbilhão de sensações, teve vontade de vomitar.
Sentiu que abaixo de si havia um colchão e travesseiro macios, mais até do que da cama em que costumava dormir. Porém, o quarto não era o mesmo.
Quando os olhos se acostumaram com a luminosidade, não encontrou o céu estrelado que estava acostumado. Nem mesmo os objetos tecnológicos de última geração. Ali, só havia, além da cama, uma cômoda e um singelo guarda-roupa.
Olhou ao redor.
Estava sozinho.
Em resposta, sentiu as batidas do próprio coração ficarem cada vez mais aceleradas. O medo tomou conta de si, pois — em um estado de alarme — só conseguia pensar em onde poderia estar Yixing. O que poderia estar acontecendo.
Os lábios estavam ressecados. O corpo ainda sob o efeito de sedativo que havia ingerido. Não conseguia mover um milímetro sequer de si com lucidez. Mesmo assim, levantou-se.
Sentiu a temperatura gélida do chão se chocar com a planta dos próprios pés. Pôs-se a caminhar de forma trôpega a procura do hacker.
O desespero só aumentava a medida em que andava e não encontrava um rastro sequer do mais velho. Lágrimas começavam a surgir nos próprios olhos enquanto os lábios eram abertos, mas nenhuma palavra saía desses.
— Yixing... Yixing. — o tom de voz era sussurrado, desesperado.
Depois de poucos minutos, chegou na sala. Também estava vazia. O peito começou a doer. As lágrimas, ainda que esparsas, deslizaram pela face do rapaz.
— Yixing... Yixing... — o tom de voz ficava cada vez mais alto. — Yixing!
— Suho, você acordou. —  aquela voz familiar ecoou nos ouvidos do experimento como música.
Os olhos apressados foram erguidos. O hacker estava parado no batente da porta da cozinha. Os cabelos estavam levemente bagunçados e um sorriso discreto iluminava o canto daqueles lábios. Já o olhar era doce e gentil.
Em um gesto instintivo, Suho saiu correndo e abraçou o mais velho.
— Yixing, onde estava? Fiquei com medo.
Ouviu uma risadinha em resposta.
— Estava aqui o tempo todo. Já disse que não sairei do seu lado.
— Meu filho, você viu a... — uma voz feminina surgiu ali antes que AZ7/01 pudesse responder alguma coisa. Uma mulher de cabelos um pouco grisalhos e de feições parecidas com as de Yixing apareceu na sala. — Olá! Você acordou. Está se sentindo melhor? — ficou um pouco surpresa ao ver o mais novo abraçado ao filho.
Suho, escondeu-se atrás do hacker. Não sabia quem era aquela. Estava desconfiado. A mulher percebeu tal coisa.
— Desculpa. Esqueci de me apresentar. Meu nome é Zhang Li Lu. Sou mãe do Yixing.
— Mãe do Yixing? — franziu as sobrancelhas em curiosidade.
— É. — sorriu. — Ele saiu de dentro de mim.
O experimento parou para pensar naquela última frase. Imaginou, de forma literal, o hacker, com o tamanho atual, saindo de dentro do corpo da mulher. Arregalou os olhos com tal visão. A expressão facial adquiriu certa palidez.
— Você está bem? — perguntou preocupado.
— Sim. Estou. — gargalhou. — Olha, veja como o meu Yixing é lindo desde criança.
Mostrou uma foto do maior para Suho, que ficou ainda mais sem entender nada. Não conseguia associar a imagem do bebê naquela foto com o homem que estava parado do próprio lado. Ainda observava que tinha traços levemente parecidos, como os olhos, por exemplo. Só que não ligava os pontos.
Lay, visivelmente envergonhado e desconfortável com a atitude da mãe, colocou-se no meio de ambos, segurou a mão do menor e disse:
— Er... mãe, depois vocês conversam mais. Vamos, Suho.
Levou-o para fora daquela casa. Em questão de segundos, AZ7/01 foi bombardeado pela torrente de imagens e sons que lhe cercavam.
A própria volta havia apenas o verde da grama e das árvores que pareciam se estender de forma infinita, assim como o céu azul. Ao redor, conseguia ouvir o som de pássaros e outros animais. Por fim, sentia o calor dos raios solares beijar-lhe a face.
Era uma sensação boa. Melhor do que a primeira.
Suho sentia a própria pequenez diante daquele mundo tão grande que sequer teve o privilégio de desfrutar. Diferente da última vez, não sentia medo. Pelo contrário, sentia o calor do sol aquecer o próprio coração.
Sabia que não estava sozinho. O toque macio da mão de Yixing o lembrava de tal coisa. A tranquilidade o invadiu de súbito fazendo com que fechasse os olhos e esboçasse um sorriso tímido no canto dos lábios.
Com presença de Lay, sentia-se protegido. Nada poderia lhe abalar. Em vez de sentir medo, aproveitou cada coisa nova que via.
Pela primeira vez, soube reconhecer o sentimento de liberdade, pois naqueles eternos segundos de uma fração de tempo, AZ7/01 sentiu que era livre.
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Jane entrelaçava e soltava os dedos em um gesto ansioso. Desde que soubera do aparecimento do Sam, não conseguiu mais descansar.
Andou, sem parar, de um lado para outro dentro daquele laboratório.
Os pensamentos estavam acelerados, pois não parava de imaginar como o próprio filho estaria. Será que estava com fome, frio, sede? Ou, pior, estaria ele machucado? Não conseguia nem visualizar uma coisa daquelas.
A única coisa que queria era ter o Sammy de volta.
O laboratório, que antes estava silencioso, foi tomado pelo som de passos apressados, irritados. Logo a figura carrancuda de James Patterson apareceu.
Sem nem pensar, Clinton foi ao encontro do marido com uma expressão esperançosa na face.
— E então? Onde ele está? Onde está o AZ7/01? — desespero. Anseio. O tom de voz era carregado de tais sentimentos.
O homem apenas olhou para a mulher com o canto dos olhos em uma atitude de desprezo.
— Ele escapou mais uma vez. — foi seco, ríspido.
— O que?
Agora, era a cientista que não conseguia acreditar naquilo. Como não haviam conseguido capturá-lo? Trazê-lo de volta? Como? Se era trabalho dos seguranças?
— Como não conseguiram pegá-lo? — perguntou mais uma vez.
Patterson soltou um suspiro cansado em resposta.
— Ele já tinha fugido antes. Com outras pessoas.
— Outras pessoas? — cada revelação era um baque.
— É, Jane, parece que outras pessoas estão com o nosso experimento.
A mulher nada respondeu. Estava tentando processar a ideia de ter outras pessoas com o próprio filho. O que será que estavam fazendo com Sam? Será que o tratavam mal? Voltou a ficar desesperada.
James seguiu para o enorme painel bem na frente de ambos. Ali, digitou alguma coisa. Logo a imagem de um jovem chinês apareceu no telão de holograma do computador central. Ao lado da foto, apareciam as seguintes informações.
“Nome: Zhang Yixing
Data de nascimento: 07/10/2023
Natural de: Changsha, China”.
O cientista tinha um gosto amargo na boca enquanto não desviava os olhos daquele chinês de olhos pequenos e dissimulados. A raiva era crescente, pois sabia que AZ7/01 estava com esse, mas que faltou muito pouco para pegá-lo.
— É ele, Jane. — socou o painel. — É ele que está com AZ7/01.
Os olhos azuis de Clinton observaram a foto com um misto inicial de surpresa para logo depois sentir a raiva também a lhe consumir.
Zhang Yixing. Aquele era o nome da pessoa que havia arrancado Sam dos próprios braços.
Já o odiava.
Queria vingança.
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— Yixing, o que significa mãe? Por que aquela mulher disse que era a sua mãe?
O vento quebrantou na face de ambos e bagunçou os cabelos de Suho que não conseguia desviar os olhos do enorme lago.
— Porque ela é. — soltou uma risadinha. Yixing achava engraçada, algumas vezes, a inocência do mais novo. — Bem, uma mãe é uma pessoa que te ama, cuida de você, te protege...
AZ7/01 não respondeu. Apenas ficou a lembrar de alguns momentos da própria vida e perceber que em todos eles, Jane Clinton estava lá cuidando dele. Sendo assim, poderia dizer que ela era a sua mãe, ainda que algo no próprio interior o fizesse crer no contrário.
— Acho que tenho uma mãe também. — a expressão na face era pensativa.
— Quem? — foi a vez do hacker ficar curioso.
— A mulher loira de jaleco branco.
O mais velho a conhecia. Antes de raptar o experimento, Yixing observou-a nas câmeras, no monitor do próprio computador.
— Sabe o nome dela?
— Jane.
Foi a única palavra que conseguiu reconhecer em filmes norte-americanos. Ele logo associou à cientista, pois o som que ouvia quando a chamavam era o mesmo.
Yixing pensou se deveria explicar que aquela não era a mãe verdadeira do mais novo, no entanto pensou também na confusão em que ficaria a mente de Suho. Por isso desistiu no segundo seguinte.
— Por que a sua mãe pegou a foto de um bebê e disse que era você?
— Porque era eu mesmo.
Suho desviou os orbes ônix do lago e passou a observar o hacker. Ficou ainda mais confuso.
— Você nunca foi assim desde sempre?
— Não. Nem você. Nós nascemos pequenos e vamos crescendo conforme o tempo passa. Vamos envelhecendo.
AZ7/01 se manteve calado. Voltou a fitar o lago. Mais uma vez, o vento gelado daquela tarde voltou a ricochetear na face de ambos.
O silêncio duradouro se instalou no meio dos rapazes. O experimento se perdia em pensamentos ao mesmo tempo em que Yixing dava um centavo por todos eles.
Aquele momento se estendeu por longos minutos. O hacker parecia querer  aproveitar cada segundo daquele momento, pois, de súbito, uma sensação de tristeza lhe invadiu. Como se tudo aquilo fosse acabar em um estar de dedos.
Suho, em um gesto inconsciente, começou a brincar com a água. Com as mãos erguidas e com o poder da própria mente, fazia espirais de água.
A expressão facial era plena, tranquila, contudo o interior era tão revolto quanto o mar em tempestade. O jovem sentia que muito do próprio tempo lhe foi roubado e ele o queria de volta. Mal sabia que era impossível recuperar o tempo perdido.
Trazia nos lábios um gosto amargo.
— Yixing. — quebrou o silêncio.
— O que foi?
— Gosto daqui.
— Hã? — agora era o maior que não entendia nada.
— Você não irá me abandonar, não é mesmo?
— Claro que não. De onde tirou essa história?
O experimento esboçou um sorriso triste.
— Quero ser livre para sempre. Você irá me proteger, Yixing?
— Claro. Sempre.
— Isso é uma promessa?
— Sim... — continuou sem entender.
— Por favor, não a quebre.
— Eu não a quebrarei.
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A noite em Pequim era iluminada.
Os ventos eram fortes.
O tempo iria mudar.
Naquela pista de pouso, um avião tinha acabado de parar. A porta desse se abriu e dali saiu um homem que sustentou uma expressão de deslumbre na face. Estava perplexo com todas aquelas luzes enquanto as fitava com os próprios olhos castanhos.
O colecionador tinha um motivo para comemorar. Agora, estava mais perto do que antes. Só de pensar, um sorriso triunfante já surgia naqueles lábios. Iria buscar o seu prêmio, o seu troféu.
Depois de muito tempo, teria um objeto para colocar na própria estante.
Em breve, tudo estaria acabado. Porque, em meses de espera, finalmente havia colocado os próprios pés na China.
E o que mais queria era ter AZ7/01 nas próprias mãos. 

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