10. La vie en rose

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“No quarto frio do laboratório era possível ouvir apenas o som dos bips e da máquina de oxigênio a trabalhar para mandar ar para a cânula colocada nas narinas da mulher.
Ainda que o silêncio estivesse ali presente, So Hee mantinha-se de olhos fechados enquanto um sorriso fraco etéreo surgia no canto dos lábios daquela face encovada, de aspecto doentio ao mesmo tempo em que os ouvidos eram preenchidos por “La vie em rose” de Édith Piaf que reverberava pelos fones de ouvido. As mãos magras e ossudas acariciavam a enorme barriga de sete meses de gestação.
O corpo se mantinha exausto, porém a mente estava enérgica o suficiente para se deixar levar com aquela melodia francesa que aquecia o coração, trazia-lhe memórias doces e fazia o seu pequeno bebê reviarar naquele útero. Chutá-lo. Estava se mexendo.
- Está gostando da música, Junmyeon? É uma das minhas favoritas. – sussurrou com o tom de voz doce.
Acariciou a barriga outra vez. Sentiu mais um chutar. Naquele breve segundo, sentiu o ar lhe faltar. O bebê era por deveras forte. No entanto, não se deixou abalar. Ainda era consumida pela música.
So Hee viajava com aquele som. Imaginava-se com o marido em uma praia. No dia do próprio casamento. Os olhares apaixonados, os corações batendo como um só...Jun. Por breves segundos pensou em como seria com o próprio filho.
- Jun-ah, ainda está acordado?
Um chute foi considerado como um sim. Sorriu.
- Quando você for adulto, descobrirá o sentimento cor de rosa que é amar alguém. Posso garantir que é uma das melhores sensações da vida. Seja romântico. Leve-a para Paris, a cidade do amor e dos enamorados. Coloque para tocar La vie em rose em uma noite de lua cheia, em um jantar a luz de velas na rua ou no terraço de um prédio, repare em cada detalhe dela, sinta o seu mundo ser preenchido apenas por aquela nova essência, por fim, beije-a nos lábios e a peça em casamento quando se der conta de que a sua vida só tem graça com a dela. Isso seria tão romântico. – prendeu o choro. – Desculpa, meu filho, é que a mamãe esses dias tem estado sensível.
A verdade era que a mulher estava cada vez mais fraca. O experimento sugava qualquer centelha de vida que havia naquele corpo. Entretanto, para a mulher, tal coisa era pouco importante, porque tudo no que conseguia pensar era na saúde e no bem estar do próprio filho. Se ele estivesse bem, nada mais teria tanta importância assim.
Aos poucos, a melodia de Édith Piaf ia desaparecendo para dar lugar a uma segunda mais melancólica, porém de igual beleza. Nesse momento, os olhos castanhos de Sun Hee revelaram um brilho vacilante. O sorriso, outrora quente nos lábios, esmoreceu-se aos poucos. Os dedos finos agarraram com força o tecido da roupa que trajava.
Deixava-se levar pela tristeza. As batidas do coração tornavam-se vacilantes. Um incômodo crescia no próprio peito. Isso era um aviso. Como se alguém viesse sussurrar-lhe no ouvido que o tempo estava acabando, que logo precisava partir.
- Junmyeon, a mamãe não está triste, tudo bem? – houve um chutar. – Não precisa se preocupar. É que tenho pensado muito no seu futuro. Me perdoa por isso? Só quero que tenha uma vida boa, Jun. Não vejo a hora em que te segurarei em meus braços.
Um suspiro pesado escapou por aqueles lábios finos. Sem nem mesmo perceber, uma lágrima solitária deslizou por aquela bochecha.
- Myeonnie... – o tom de voz erra carregado de carinho. – A mamãe irá te proteger, tudo bem? Não importa o que aconteça, estarei sempre com você. Ainda que venhas a se sentir sozinho, saiba que estarei sempre ao seu lado. A mamãe nunca iria te deixar sozinho. Nunca. Estarei cuidando de você onde quer que eu esteja, meu filho. Portanto cresça bem, tenha uma boa vida e sorria sempre. Junmyeon, já disse que você é a estrela da minha vida?
Um sorriso cálido surgiu outra vez.
- Estava chorando? – uma voz feminina familiar ecoou por aquele cômodo.
So Hee, assustada, ergueu os olhos. Era apenas a amiga, Jane Clinton. Poderia respirar mais aliviada.
- Ah, você me conhece. Estava ouvindo algumas músicas...
Os olhos azuis esboçaram um brilho de desconfiança, no entanto, ao ver os fones de ouvido e o reprodutor de música ligado, pareceu não se importar muito, ou não se preocupar com aquele choro.
A paciente observava aqueles cabelos loiros presos em um rabo de cavalo balançarem contra a gravidade. Pelos olhos da receptora do AZ7/01, Jane era linda.
- Você tem uma péssima mania de se prender ao mundo irreal da fantasia e da música. – afirmou em tom de crítica.
Uma risada foi ouvida em resposta.
- É tão bom, Jane. Quero que o Jun conheça tudo isso quando for mais velho.
A cientista franziu o cenho em asco. Era a mesma expressão que James Patterson esboçava quando referiam-se ao bebê como um ser humano e não como um experimento.
- Ele é um experimento, So Hee. Não terá tempo para ouvir música.
- Jane, ele não é um objeto. É o meu filho.
- Ok. Peço desculpas.
So Hee apenas mostrou um leve franzir de sobrancelhas.
- Jane, quero que ele conheça e saiba o quão bonito esse mundo é. E o quão mais incrível pode ficar com uma trilha sonora perfeita.
- Você soa como uma jovem apaixonada.
- Já consigo imaginá-lo ouvindo “La vie em rose” por aí. E... – a expressão brilhante e sonhadora deu lugar para certa melancolia e medo.
- O que foi? Está sentindo alguma coisa? E o AZ7/01?
A mulher franziu os lábios. Detestava aquele nome técnico e científico horroroso.
- Pode me prometer uma coisa?
- O que? – a cientista não tinha entendido nada.
- Se eu não estiver aqui, no décimo quinto aniversário do Junmyeon, pode apresentá-lo a uma música?
- Qual?
- Con te partiro do Andrea Bocelli. É a música que eu mais amo. Seria uma forma de dizer que partirei, que estarei com ele para onde quer que vá.
Clinton permaneceu em silêncio. Não sabia muito o que responder.
- Você promete? – So Hee precisava de urgência.
- Prometo.”
No quarto, sob aquela iluminação em meia lua, contrastando claro com escuro, tocava uma música de Édith Piaf. A garrafa, no tapete, continha metade do vinho que houve ali outrora. Enquanto outras estavam vazias e jogadas no chão junto com uma taça que ainda se mantinha de pé.
No meio de toda aquela bagunça, Jane Clinton estava no limiar da sanidade e da bebedeira. As bochechas estavam rosadas ao mesmo tempo em que os olhos continham um brilho etéreo, alucinado, preso às memórias de um passado distante, porém que, naquele contexto, eram bem reais.
- Eu prometi...Prometi, mas ele não é o seu filho.
As palavras eram jogadas para o vento.
- O Sam não é o seu filho, So Hee. Ele é o meu filho e ninguém irá tirá-lo de mim.
************
O céu estrelado daquele teto parecia estremecer com os gritos de dor do experimento que virava de um lado para o outro naquela cama hospitalar em mais um dos próprios pesadelos.
Gotículas de suor era espalhadas pela testa ao passo que o coração batia tão rápido que a qualquer momento poderia saltar-lhe pela boca. Os dedos agarravam com força a grossa colcha, os lábios eram mordiscados e o mundo de Yixing parecia desabar mais uma vez.
Tal coisa já havia virado rotina, porque o inconsciente de Suho tinha mais marcas do que ele sequer poderia saber.
Eram marcas consistentes, presentes e que jamais se regenerariam. Precisava lidar com os próprios fantasmas.
Lay apareceu na soleira da porta com um semblante ofegante. Ainda que os pesadelos fossem decorrentes, detestava ver Suho sofrer.
Com calma e leveza, caminhou em direção ao mais novo. A mão direita era erguida, estendida em pleno ar como se ela fosse o calmante, o porto seguro do experimento que agonizava no mar interior de si mesmo.
Aquela pele estava quente. Pegava fogo. As lágrimas, por sua vez, rolavam soltas por aquela face. O coração do hacker se despedaçou cada vez mais.
- Suho, isso é apenas um pesadelo. – balançava-o. – Estou aqui.
Os gritos continuaram a escapar pelos lábios.
- Não! Por favor, não! Não vá embora! Não! – AZ7/01 murmurou.
- Suho, estou aqui...
- Yixing. – as sobrancelhas foram franzidas. – Yixing! – abriu os olhos em um rompante.
O mais novo viu que estava no quarto estrelado mais uma vez. O gosto amargo daquele pesadelo ainda estava na boca, porém o doce dos olhos do mais velho o fazia, pelo menos, esquecer-se de uma parcela daquilo ainda que a sensação de vazio, de ausência, tomasse conta do próprio peito.
- Você está bem? – Lay deslizou o indicador pelo braço do moreno.
- Estou com dor. Eu...
AZ7/01 não sabia explicar o que era aquele sentimento, pois nunca havia sentido tal coisa. Aquela sensação...As imagens. Também não conseguia se lembrar delas, todavia o próprio coração estava mutilado, como se faltasse uma parte. Parte tal que nem mesmo Yixing era capaz de substituir.
Suho sentia a ausência nas entranhas.
- Onde está doendo? – o hacker logo se desesperou.
- Aqui. – levou a mão direita para o lado esquerdo do peito. – O meu órgão que bate está doendo.
A face do mais velho era iluminada por aquela luz azul. Os contornos eram bem delineados, o brilho no olhar, intenso.
Naqueles poucos segundos que se passaram, Suho foi atraído como um ímã para aquela imagem diante de si. Zhang Yixing estava etéreo. Tão lindo que parecia ser uma estrela caída do céu.
Como se fosse um sonho.
O experimento tinha medo de que, em algum momento, o maior desaparecesse e tudo aquilo acabasse. Sendo apenas um sonho para uma mente tão machucada.
- Por que o seu coração está doendo?
- Yixing.
- O que foi?
- Você é de verdade?
- Claro que sou. Estou bem aqui. – segurou a mão do menor e a depositou sobre a própria bochecha. – Você consegue me sentir.
As bochechas do mais novo coraram em resposta.
- Tenho medo. – quebrou o breve silêncio.
- De você me deixar como a mulher do meu sonho. Dói tanto. – uma lágrima solitária deslizou por ali.
Yixing franziu as sobrancelhas de um jeito singelo, porém tão belo e etéreo que o mar ônix dos olhos de Suho ficou instantaneamente atraído por aquela face.
O hacker não sabia muito bem o que dizer. Apenas sentia a necessidade urgente de abraçar o menor, sarar aquelas feridas para que as próprias também fossem saradas.
Suho era tão puro, inocente.
Lay se sentia praticamente um pecador imundo por amá-lo.
Cansado de esperar, o dedo da mão direita do mais alto foi erguido para tocar e acariciar aquelas bochechas de aspecto saudável.
Aquela pele era macia...As mãos praticamente imploravam para tê-lo perto de si.
- Eu nunca te deixarei, Suho. Nem mesmo nos seus piores pesadelos.
Os lábios grossos formaram um bico em resposta.
- O nunca dura até quando? – estava curioso.
- Dura para sempre.
- O para sempre...
- Ainda que não me queira, ficarei ao seu lado.
Suho arregalou os olhos exibindo um possível medo.
- Quero Yixing comigo. Ir embora não. Meu peito dói, eu... – começou a chorar como uma criança.
- Ei, ei. – exibiu um pequeno sorriso. – Já disse que estarei aqui sempre.
Em meio ao céu estrelado o tempo parou. Mais uma vez tudo havia congelado e apenas ambos pareciam existir. Yixing se perguntava o porquê daquilo. Será que o próprio coração sentia uma urgência em registrar aquilo? Parecia que sim, pois logo, logo, tudo iria acabar.
O hacker, mesmo falando todas aquelas palavras e sentindo todos aqueles sentimentos, abandonaria Suho.
- Yixing. – o mais novo quebrou o silêncio e mordeu os lábios.
- Hm. – foi tudo o que conseguiu dizer.
- Por que o batedor das pessoas...
- O coração delas.
- ...O coração delas bate mais rápido quando estão com alguém? Por que só conseguimos respirar quando estão perto? Yixing, Suho...Eu estou confuso.
- Porque as amamos.
- Amamos? O que é isso? – as sobrancelhas foram unidas.
- O amor é quando nos rendemos a uma pessoa. Não há mais nada que nos prenda aqui, apenas ela. O amor é uma guerra em que alguém sempre perde.
- Yixing, você já...
Suho não conseguiu terminar de falar, pois foi puxado de supetão para um abraço. O calor de Lay o envolvia. Era tão reconfortante. As mãos do maior acariciavam aqueles cabelos negros como a noite, enquanto sentiu o depositar de um beijo na própria testa.
O experimento se deixou levar por aquela sensação boa. Fechou os olhos e esboçou um curto sorriso. Não precisava se preocupar com mais nada, porque o hacker estava ali, estava com o próprio porto seguro. Poderia enfim descansar.
- Suho. – Yixing sentiu uma lágrima solitária deslizar pela bochecha no mesmo instante em que olhou para a parede. – Eu me rendi.
Não houve resposta, porque o menor já havia adormecido de vez.
*********
Busan, Coreia do Sul.
2050.
Os olhos castanhos observavam o teto limpo daquele quarto com um misto de expressões desconhecidas. Os lábios estavam torcidos enquanto os dedos tamborilavam sobre a superfície macia daquele colchão.
Era com um misto de ansiedade que chegava a conclusão de que as próprias coisas estavam prontas. Dali a poucos dias estaria embarcando para a China no avião particular.
Iria buscar o mais novo troféu...
O colecionador exibiu um meio sorriso naquela face que há muito já não sabia mais como fazê-lo. Pensava em como o experimento ficaria ali, a vista de todos, como um belo objeto em exposição.
E, claro, em como ficaria poderoso depois de adquiri-lo. Não que os outros troféus não fossem tão bons, mas é que...Com AZ7/01 era diferente. Esse experimento era mais avançado, mais forte, poderoso e detinha um poder sobre algo que impactava de forma direta em toda a humanidade.
Em breve, ele o teria.
Naquele cômodo pouco iluminado, o corpo pequeno se remexeu inquieto naquela cama. As mechas dos cabelos negros foram bagunçados. A mente, por sua vez, viajava para um lugar ainda mais distante. Isto fazia com que velhos sentimentos fossem ressuscitados.
- AZ7/01, os seus dias estão contados. – soltou uma gargalhada obscura. – Não vejo a hora de te exibir para os outros.
As mãos, agitadas, pegaram o celular que estava no bolso. Os olhos brilharam quando a luz do visor iluminou aquela face.
Precisava contar a boa nova para o seu burro de carga, ou, melhor dizendo, para o hacker.
“É melhor já ir preparando o meu prêmio, pois em breve estarei na China. Assim que eu chegar, mandarei uma mensagem para marcar o nosso encontro.
Espero que esteja tudo bem com meu AZ7/01”.
*********
O ambiente no apartamento era o mais tranquilo daquela noite. Yixing arrumava a mesa para jantar enquanto Suho estava sentado no chão tentando encontrar uma maneira correta de segurar o lápis para tentar escrever os novos ideogramas que tinha aprendido com o mais velho. Ao fundo, algum telejornal era exibido.
A definição de uma família feliz estava ali. Naqueles momentos calmos e tranquilos, nos quais a singularidade ronda todo o processo. Era tão fugaz que as pessoas só percebiam a importância de tudo aquilo quando virava apenas uma memória.
- Ei, Suho, como está saindo com a escrita? – a voz de Lay reverberou pelo imóvel.
O menor mordiscou o lábio inferior em resposta. Havia aprendido tal gesto a observar Yi Fan.
- Suho...Eu não sei. – deixou o olhar em fendas. – É difícil. – segurava o lápis com a mão fechada, como se estivesse preparado para dar um soco em alguém enquanto rabiscava vários círculos na folha outrora branca.
- Está segurando o lápis do jeito que eu te ensinei? – colocou a panela com o cozido de peixe sobre a mesa.
Dessa vez, as sobrancelhas foram franzidas.
- Não sei, eu...Por que preciso disso?
- Por que eu sinto que essa situação me é familiar? – o mais velho sussurrou para si com um tom cômico.
Antes que mais alguma coisa pudesse ser dita, o som da porta sendo aberta tomou a atenção dos dois rapazes, Logo a imagem de Kris surgiu com um semblante envergonhado. Tinha acabado de receber uma mensagem de Hung Zi Tao.
Depois de alguns encontros e shots de Jack Daniels, ambos se tornaram mais próximos. Precisavam um do outro. Necessitavam do toque, do beijo, da presença, de tudo. Por vezes Kris chegava a esquecer-se de que estavam em lados diferentes de uma mesma moeda. Só queria conhecer cada vez mais aquele rapaz de olheiras profundas.
- Yi Fan! – Suho exibiu um sorriso no rosto.
- Er...Oi. – ainda não estava acostumado com toda aquela proximidade do menor.
- Chegou em boa hora. – Yixing ergueu a cabeça. – Estou colocando a mesa.
- É impressão minha ou isso aqui está parecendo um filme clichê de família feliz? – o loiro franziu as sobrancelhas.
- Você acha? – o hacker soltou uma gargalhada.
- É... – começou a ouvir o noticiário. – Ih, aquele vocalista morreu.
- Morreu? – foi a vez do experimento falar em um tom de voz curioso. – O que é isso?
- Bem... – o barman coçou a cabeça. – Morrer é quando você dorme e não acorda mais. Quando você desaparece. Deixa de existir.
AZ7/01 ficou alguns segundos digerindo aquela resposta. Foi possível observar que a face começou a empalidecer com algo que pensava.
Em poucos segundos, a mudança no clima era notória. A aura daquele ambiente havia se tornado pesada. Zhang sentiu os ombros ficarem tensos.
Os dedos das mãos do mais novo começaram a ficar irrequietos. O brilho no olhar era trêmulo.
- Isso...Isso...Acontece... – Suho não conseguia encontrar as palavras certas.
Yi Fan franziu as sobrancelhas sem entender o motivo de tudo aquilo.
- Acontece com todo mundo, dã. É o ciclo natural da vida. Nascer, crescer, envelhecer e morrer.
AZ7/01 ameaçou erguer os braços, porém deixou-os suspensos no ar. A expressão emoldurada naquela face era de puro desespero.
- Suho vai ficar sozinho. Suho... – balançava o corpo para frente e para trás.
Lay logo tratou de se aproximar do menor. Conseguia perceber o sofrimento, como também o descontrole que estava para surgir.
- Yixing vai morrer...Vai desaparecer. – começou a chorar.  – Não...Não pode. Yixing não pode deixar o Suho.
- E eu não vou. – pousou as mãos sobre os ombros do moreno.
- Não querendo ser pessimista, mas vai sim. – Yi Fan detestava quando o experimento agia como uma criança. – Assim como eu e você também
As lágrimas ficaram mais fortes, porque Suho começou a pensar em uma realidade na qual Lay não existisse. Ele estaria sozinho, assim como passou todos aqueles anos no laboratório, dentro do tanque.
O coração começou a pesar, a doer, porque o hacker já era muito importante para si. Não sabia viver longe dele. Na verdade, não o queria. Suho sentia que cada célula do próprio corpo clamava por Yixing. Ele o amava. Logo estar longe ou separado era como o mais puro sofrimento para o menor.
- Não! – o olhar estava desvairado.
O prédio começou a tremer como naquela mesma noite em que o mais novo teve um pesadelo. Entretanto tremia com ainda mais intensidade.
- Suho... – Yixing ficou em estado de alarme. – Merda, Yi Fan! Por que tinha de ter feito isso?!
- Só estava explicando as coisas de forma bem clara. Ele é um adulto. Não é para ficar agindo que nem uma criança.
- Qual parte do: ele não teve a mesma vida que a gente você não entendeu?
A construção tremia cada vez mais. Os lábios de Suho tremiam ao mesmo tempo em que os olhos ameaçavam revirar nas próprias órbitas.
O moreno revivia aquele mesmo sentimento estranho que sentiu quando teve aquele sonho com aquela mulher desconhecida. Mas, dessa vez, parecia pior. Pior, porque, Zhang Yixing era alguém que estava ao seu lado, alguém que havia ocupado um lugar muito grande no próprio interior.
Sentia como se houvesse um buraco no peito, uma sensação de vazio.
Era agonizante.
Mesmo que o hacker estivesse ali, abraçando-o, AZ7/01 só conseguia focar naquela ausência esmagadora, na descoberta agridoce.
- Não! Não posso ficar sozinho! Yixing...YIxing... – as lágrimas rolavam soltas pela face. – Fica comigo. Por favor, não me deixe.
- Fiz uma promessa. Não irei quebrá-la. – as palavras foram sussurradas na orelha esquerda do menor.
- O homem de jaleco branco...Ele vai me pegar. Estou sozinho...Ele vai me prender. Vai doer...AHHHH!
Bum!
Antes que Lay pudesse dizer algo, o estrondo alto da torneira explodindo e voando pela cozinha até cair no chão tomou conta dos ouvidos de todos. A água foi despejado como uma cachoeira interminável logo em seguida.
- Yi Fan! – berrou enquanto ergueu o olhar para fitar figura do amigo, contudo ele não estava mais lá.
Apareceu segundos após com uma seringa cheia de sedativos na mão. Estendeu-a.
- Não acredito... – percebeu o olhar de desaprovação de Yixing.
- Vamos, ande logo. Ele não vai se acalmar com as palavras felizes.
- Eu deveria te socar agora...
Suho gritou mais vez. O prédio tremeu com ainda mais intensidade. Era possível ouvir o som da água furiosa caminhando pelo encanamento.
- Não temos muito tempo. Anda logo.
Zhang soltou um suspiro pesado em resposta. Não havia outra alternativa. Sem pensar duas vezes, pegou a seringa e antes de aplicar o sedativo sussurrou mais uma vez para o experimento:
- Desculpe-me, Suho.
Detestava fazer aquilo, todavia era necessário. O experimento nem sequer sentiu a agulha penetrar a pele, pois estava centrado demais nos próprios medos.
Gradativamente, os tremores foram parando e o corpo de Suho foi ficando cada vez mais pesado até que a inconsciência o atingiu de súbito.
- Qual é o seu problema? Por que parece não gostar do Suho? – sentiu a cabeça do mais novo recostar no próprio ombro.
Kris rolou os olhos em resposta.
- Não é que eu não goste dele. É só que não deveríamos nos apegar. Sabe muito bem o motivo pelo qual estamos com ele.
- Yi Fan, ele é um ser humano como nós. Está aprendendo as coisas...
- Só que ele não é nosso. Não é seu! Uma hora ou outra vai precisar entregá-lo nas mãos de um colecionador. Além do mais, tem (aparentemente) um país atrás dele! Isso é sinal de problema. Precisamos nos livrar logo dele.
- Você não entende...
- O que eu não entendo? Vai deixar de cumprir o seu trabalho? O hacker lay faria isso?
Houve um leve vacilar no brilho daquele olhar. Yixing não sabia muito bem o quefazer. Estava em cima do muro. Antes que pudesse dizer algo em resposta, o celular tocou no bolso da calça para avisar do recebimento de uma mensagem.
De forma instintiva, pegou o aparelho e viu que se tratava de uma mensagem do colecionador. Ao ver o conteúdo dessa, arregalou os olhos no mesmo instante em que a face empalideceu.
- O que foi? – Kris uniu as sobrancelhas.
- O colecionador. Ele...
- O que tem?
- ...Está vindo para a China daqui a alguns dias.
- Ainda bem. Sinal de que isso irá acabar logo.
Yixing abraçou com força o corpo inconsciente do mais novo. Não queria deixá-lo ir.
No entanto, a partir daquele momento, os seus dias com Suho estavam contados.
***********
James massageava as têmporas. Não aguentava mais aquelas reuniões diárias com os cientistas chineses.
Os movimentos circulares em nada ajudavam a acalmá-lo. Pelo o contrário, parecia deixá-lo ainda mais irritado. Um suspiro pesado escapou pelos próprios lábios. Ah, se ele já estivesse com AZ7/01 em suas mãos mais uma vez. O cientista americano faria o experimento matar todos afogados sem dó nem piedade.
Como fazia todos os dias, ligou a televisão. Estava passando o noticiário. Não havia nada de interessante como sempre e no final das contas o pensamento sempre vagava para o experimento rebelde.
- Se acha que irá fugir de mim por tanto tempo desse jeito, AZ7/01, está completamente enganado. Nem que eu precise ir até os confins do inferno para te encontrar.
Um sorriso obscuro surgiu no meio daquele face com a barba por fazer. Ficava ansioso só de pensar nas novas coisas que tinha criado para domesticar ainda mais o experimento. Havia ficado até mesmo surpreso, pois Jane o ajudou com praticamente tudo. Sem nem mesmo pestanejar.
A cientista parecia ter abandonado todos os sentimentos humanos ou o resquício de humanidade que tinha para se doar de corpo e alma naquela nova fase, naquela nova caminhada.
Era inegável o fato de Patterson estar adorando isso. Com toda a certeza prefere a nova Jane Clinton à antiga. Talvez, apenas talvez, o sentimento sexual pela mulher estivesse retornando naqueles breves segundos em que pensava nela.
- Quem sabe uma noite de sexo me acalme. Por que não? – sussurrou para si enquanto esboçava uma expressão pensativa e obscena na face de aparência cansada.
No entanto o que estava por vir seria melhor do que uma noite de sexo.
O telejornal parou de ser transmitido por alguns instantes para dar lugar a chamada de um plantão, de uma notícia urgente. Logo um jornalista apareceu segurando um microfone e atrás dele tinha um enorme e largo edifício.
“Acabamos de receber a notícia de que aqui, em Zhabai, houve um forte terremoto. Os moradores deste edifício afirmaram, preocupados, que a construção tremia tanto que parecia que desabaria a qualquer momento. Porém o curioso caso deste terremoto é que apenas as pessoas deste prédio atrás de mim sentiram o forte abalo. Moradores de outras casas, na mesma rua, afirmam que não houve terremoto algum.
Daqui a pouco traremos mais notícias sobre esse caso. Sou Zhiao Jun e você está assistindo ao jornal das sete”.
Patterson não ousou piscar em nenhum momento da notícia. As sobrancelhas estavam franzidas em curiosidade enquanto os olhos castanhos pareciam revelar um brilho desconhecido.
- Um terremoto que apenas um prédio sentiu? Isso seria praticamente impossível...
A própria afirmação fez com que uma sequência lógica de pensamentos fosse desencadeada na mente. Aquela não era a primeira notícia de um terremoto em Zhabai. Com toda a certeza, já tinha visto outra. Nas duas vezes aconteceu em um prédio e, bem...Construções desse tipo têm encanamentos, água...
Água...
James arregalou os olhos em resposta. Eureka! Havia encontrado a resposta para a própria equação.
Uma gargalhada obscura irrompeu os próprios lábios. Não estava acreditando naquilo. Não estava. Como poderia ter sido tão idiota todo esse tempo? Tudo estava bem debaixo do próprio nariz e esse sequer notou.
Só que, agora, o jogo havia mudado.
- Eu te encontrei, AZ7/01. Eu te encontrei.
˜X˜
Jane estava a ver a paisagem de Xangai pela janela do quarto. Naquela noite, pela primeira vez em muito tempo, estava sóbria. Não cheirava a vinho e a aparência estava no mínimo decente.
A mulher não sabia explicar, mas havia algo no interior que dizia para estar preparada. Para o que era, Clinton não fazia a menor ideia.
Os dedos agarravam, brincavam com o pingente de colar no pescoço. O lábio inferior era mordiscado ao mesmo tempo em que um brilho desconhecido tomou conta daqueles olhos azuis.
Aquele momento silencioso e introspectivo não durou por muito tempo, pois logo conseguiu ouvir o som de passos se aproximando.
Ela sequer se virou para ver quem era. Conseguia ver o reflexo de Violet no vidro.
- O que faz aqui? – perguntou. – Você não gosta muito da minha companhia. Prefere a do James.
A garota soltou uma risadinha debochada em resposta.
- É assim que sou recebida?
- Diga logo o que veio fazer aqui, Violet.
- E ainda se diz minha tia.
A cientista rolou os olhos. Não estava com paciência para aquilo.
- Fale logo, Violet.
- Ok, ok. Vim trazer uma notícia.
- Que notícia? – voltou-se para a mais nova.
- Depois não diga que eu não gosto de você.
- Violet Clinton...
A jovem fechou a mão em punho. Detestava aquele nome.
- AZ7/01 foi localizado.
Um enorme sorriso iluminou a face da mulher mais velha. Ela não conseguia acreditar naquilo. O peito parecia explodir em felicidade. As pernas tremiam e as lágrimas, inevitáveis, deslizavam pela face.
Jane se encontrava em um estado de letargia, de um misto de sensações. Parecia finalmente ver a luz no fim do túnel.
O Sammy, o seu Sammy...Logo o teria novamente e, dessa vez, não o deixaria ir tão fácil.
*************
YF: Você não virá hoje?
Tao: Hoje...
YF: Estou te esperando...
Tao: Não sei se conseguirei ir. As coisas estão um pouco agitadas no meu trabalho.
YF: Quer falar sobre?
Tao: Tenho medo de te colocar em uma enrascada. Você pode se machucar. Não quero isso.
YF: Apagarei as mensagens. Posso me proteger. Estou preocupado é com você.
Tao: O cientista, ele...
YF: O que tem?
Tao: Ele encontrou AZ7/01.
YF: E onde ele poderia estar?
Tao: Em um prédio em Zhabai. Iremos até lá.
**********
Os corpos estavam bem próximos, sentados um ao lado do outro. Yixing conseguia sentir o calor do menor, que fazia questão de não deixar um espaço sobrando entre ambos.
O hacker, apesar de estar acostumado, sentia o próprio coração bater tão rápido como o de um adolescente apaixonado. As mãos ansiavam por acariciar aqueles cabelos negros, mas se continha pelo bem da própria sanidade.
Assistiam a um drama na televisão. Uma novela de romance. No momento, passava alguma cena de declaração amorosa.
Suho sequer piscava. Observava tudo com uma curiosidade latente nos olhos. Lay, por sua ve, ora prestava atenção, ora se perdia nos recônditos dos próprios sentimentos.
Em questão de segundos, os protagonistas se beijaram. O experimento, que não estava acostumado com aquilo, arregalou os olhos e imediatamente virou a face para os olhos de um brilho profundo do mais velho.
- Yixing, o que é isso? – apontou para a cena.
- Um beijo. – os olhos não piscaram. – É um ato que fazemos quando amamos alguém.
- E o que é amar? – fez um biquinho com os lábios.
Tinha as próprias suposições sobre, mas ainda possuía dúvidas.
Yixing engoliu em seco sem desviar o rosto daquela face tão inocente. Os lábios ficaram secos, pois era esse o sentimento que nutria pelo experimento. Como explicaria? Não sabia como fazê-lo.
- Bem... – viu um franzir de sobrancelhas. – Eu já te expliquei sobre isso uma vez, não?
- Já, mas ainda tenho dúvidas. Como é sentir esse tal de amor? Por que as pessoas se beijam?
Lay soltou uma risadinha nervosa.
- Não dá para explicar. Apenas sentimos. Quando temos alguém que não conseguimos viver sem, apenas sentimos. E, bem, o beijo acontece quando queremos mostrar que gostamos muito de alguém em específico.
O que veio a seguir aconteceu de forma veloz e deixou Yixing completamente sem reação. Suho depositou um leve selar nos lábios do maior.
Aqueles lábios eram tão macios, doces...As bochechas do primeiro ficaram coradas. O coração parecia tão louco quanto um computador desconfigurado.
Os dedos pousaram sobre os lábios enquanto a face exibia uma expressão surpresa e desacreditada.
Suho, por sua vez, mantinha-se completamente calmo, como se não tivesse feito nada demais.
- Suho, por que fez isso?
- Porque eu gosto de você. – as palavras foram ditas com a maior facilidade.
- O que?
Os olhos ônix piscaram algumas vezes.
- Su...Não consigo ficar longe do Yixing. Meu coração bate rápido e eu só quero ficar com você.
Tal coisa foi encarada completamente como um sinal verde para o hacker. Se antes ele tinha a necessidade, agora tinha a urgência de fazer aquilo. Sem nem pensar duas vezes, tomou os lábios do mais novo para um beijo demorado.
Ah, aqueles lábios doces. O coração chegava a derreter em resposta.
As mãos puxavam o experimento para mais perto de si como se nunca mais fosse soltá-lo.
Naquele momento a conexão era perfeita. Os dois pareciam se fundir em um e cada toque era tão precioso, tão urgente.
Suho nunca tinha sentido o coração tão acelerado daquele jeito. Assim como cada célula do próprio corpo parecia render-se ao maior.
Agora, tudo fazia sentido.
O experimento finalmente entendia.
Suho amava Yixing.
Em meio à atmosfera doce, suave e romântica daquela noite, ao fundo – bem na televisão e ainda na cena de beijo dos protagonistas – tocava La vie en rose da Édith Piaf.
Nas entrelinhas, aquela havia se tornado a música de Zhang Yixing e Suho.

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