Capitolo VI

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  Congelo na hora, consigo dar um passo para trás, mas não consigo formar frase alguma na minha cabeça. Como ele sabe o meu verdadeiro nome? O que ele quer de mim, afinal? Sou o novo ratinho dele, que ele pode brincar e perseguir até perder a graça?
  Minha garganta trava com a revelação, não consigo mais ficar perto dele por hoje, bebi demais e muitas coisas aconteceram para um dia só. Volta para o meu quarto sem dizer nada, sequer fito seus olhos incessantes, e me tranco lá, confusa e nervosa.
  Sempre fui muito cuidadosa entre separar minha vida e minha identidade verdadeira da fictícia, a da garota de programa pobre, insegura sobre suas emoções e ansiosa e agora isso foi quebrando em milhões de pedaços, não tem mais volta, não posso catar todos os pequenos pedaços e colar de volta. Quero saber como ele sabe, como ele descobriu sobre mim assim. Ele mandou alguém me espionar, tem um dossiê completo sobre mim no seu escritório? O quanto ele sabe?

  Acordo mil vezes melhor na manhã seguinte, a empregada me chama para o café da manhã, diz que o Sr. Morrone está me esperando na mesa, mas peço para ela avisar que não estou com fome.
  Tive tempo o suficiente para pensar em tudo que aconteceu no dia anterior, se ele não quer transar, que é para o que estou sendo paga, então não posso fazer nada, ele que venha atrás de mim. Se tenho que passar um mês presa nesse castelo feito uma princesa da Disney, que seja do meu jeito, vou aproveitar ao máximo.
  O dia está ensolarado e quente, aproveito para vestir um biquíni branco que cobre apenas a parte de cima dos meus peitos, a parte de baixo dos mesmos fica exposta e a parte de baixo do biquíni é minúscula. Prendo o cabelo em um rabo de cavalo firme e bem feito, passo uma maquiagem leve e mais brilhosa, calço um salto alto e desço calmamente as escadas.
  Não estamos sozinhos naquela mansão, é claro, há cerca de dez empregados zanzando pela casa e pelo quintal, fora alguns homens italianos de paletó que parecem importantes fumando seus charutos. Os olhares me acompanham por onde passo, até que encontro o dono da casa, Michele Morrone, conversando com o que parecem ser os mesmos homens da noite passada, todos viram para me fitar da cabeça aos pés, me devoram com seus olhos e Morrone não fica para trás. Seus olhos escuros e intensos me fulminam o tempo inteiro, até que estou no quintal dos fundos. Preparo um drink para mim com toda a calma do mundo e degusto cada gole, de repente não estou mais sozinha, sinto sua presença imponente perto demais de mim e constato que ele está lá, me fitando com a mandíbula travada, mas o ignoro.
- O que você acha que está fazendo? - Sua voz grossa e rouca fala, baixa, mas raivosa.
- Bebendo. - É tudo que tenho para falar, arqueio minha sobrancelha em desafio.
- Vista algo decente. - Morrone manda, mas quando nota que não ligo, se irrita ainda mais e acaba com o pouco caminho que há entre nós. - Ou eu mesmo te levo lá para cima e faço você se vestir direito. - Ele segura meu braço com força, falando raivosamente no meu ouvido.
  O que eu faço? Eu rio como se ele tivesse acabado de me contar a melhor piada do mundo e juro que seu belo rosto fica vermelho de raiva, o aperto fica mais forte e eu me arrependo rápido. Em um rompante ele me pega com facilidade e bota nos seus ombros, meu copo cai e se espatifa, é quando me dou conta de que ele está me carregando de volta para a casa.
- Me bota no chão agora! - Grito surpresa e com raiva.
  Morrone não diz uma sequer palavra, me debato e dou socos nas suas costas quando passamos pelos homens, todos estão olhando divertidamente, e tenho vontade de mandá-los a merda. Nenhuma das minhas tentativas dão certo, canso de gritar e só quando finalmente chegamos no meu quarto que ele me bota no chão novamente, feito uma criança.
- Agora se vista. - Morrone manda e vira as costas para mim. - Esteja pronta para o almoço.
  Irritada, entro no quarto batendo os pés no chão e bato a porta com força, me jogo na cama. O que eu tenho que fazer para ele me levar a sério?
  Quando o almoço chega, a empregada simpática vem me chamar.
- O Sr. Morrone está te esperando na sala de jantar. - Ela diz sorridente, mas não retribuo dessa vez.
- Não estou com fome. - Falo curta e grossa, um pouco do seu sorriso se dissipa.
- Eu vi ele carregando você de volta para o quarto. - A senhora comenta, meio sem graça. - O Sr. Morrone pode ser bem teimoso e durão, não costuma aceitar não como resposta. - Bufo frustrada.
- O que eu devo fazer? Obedecer?
- Não funcionou com as outras. - A empregada comenta séria como se lembrasse do que aconteceu com elas. Eu travo, houveram outras como eu então?
- O que aconteceu com elas? - Pergunto curiosa.
  Morrone não parece o tipo de cara agressivo ou psicopata que sai matando mulheres que não o obedecem.
- Nada muito bom. - Seus olhos fitam os meus como se quisessem dizer algo. - Todas que o obedeceram achando que ganhariam coisas em troca, não foram muito longe. Ele se entedia fácil. - A senhora pisca para mim. - O Sr. Morrone está te esperando na sala de jantar.
  Não sei o que ela quis dizer com isso. Ele é perigoso? O que eu faço com isso? Nervosa, assinto, não consigo dizer nada. Sozinha no quarto, minha cabeça da voltas, cheia de perguntas, ainda mais curiosa. Tenho que ser mais esperta que Morrone, estou na casa dele, no país dele e sozinha.
  Visto uma calça preta leve e larga nas pernas, é confortável e elegante, e visto uma blusa cropped branca sem sutiã, por fim coloco um salto. Desço para o almoço, a casa está aparentemente vazia, fora os empregados. Na sala de jantar avisto Morrone sentado na ponta da mesa, me esperando, há um prato perto dele para mim, mas sento no lado exposto da mesa, longe dele. Michele me fita intensamente, mas nada diz, um empregado pega o prato, talheres e o copo e coloca onde me sentei.
- Servire il cibo. - Morrone manda e rapidamente depois empregados vêm servir nossos pratos e copos.
  Há risoto e vinho para o almoço, a comida é ótima, uma das melhores que já comi, Michele deve ter um chefe cinco estrelas particular cozinhando para ele dia e noite.
- Vamos para uma boate hoje. - Ele diz de repente, sei que não está me convidando e sim avisando. - Vista algo decente. - Seus olhos duros me lembram e eu tenho que conter um sorriso divertido.
  Não digo nada, termino meu risoto e meu vinho e subo de volta para meu quarto. A tarde demora a passar lá, tento ler, escrever para os meus clientes ou ver alguma filme, mas não consigo me concentrar. Quando dão 18h tomo um longo banho na hidromassagem, assim que termino de vestir uma lingerie vermelha de renda alguém bate na porta antes de entrar.
- Tem vinte minutos para se vestir e descer, o Sr. Morrone estará lhe esperando no hall. - O mesmo homem que me encontrou no aeroporto avisa, mas ele para longos segundos para me avaliar daquele jeito.
- Obrigada. - Fecho a porta na cara dele, irritada.
  Procuro algum vestido para festa nas minhas malas até que acho um perfeito para a ocasião, um vestido brilhoso amarrado no pescoço, justo na cintura com um decote muito generoso e com as costas aberta. Passo uma maquiagem mais elaborada, com brilho e iluminador e calço um salto alto rosa para completar.
  Desço as escadas calmamente, lá embaixo vejo Morrone com uma calça social preta e uma camisa igualmente preta com alguns botões abertos, está elegante e sexy na medida certa como sempre. Quando seus olhos escuros encontram os meus, sei que ele fica irritado e eu saboreio a sua postura tensa.
- Eu mandei você vestir algo decente. - Morrone lembra entre dentes, segura meu braço, mas eu me desvencilho.
- Vamos chegar atrasados se eu tiver que me trocar. - Sorrio o mais doce que consigo e bufando feito um touro, Morrone cede e caminha para fora da casa sem olhar para trás.
  Tenho que me apressar para alcança-lo em cima desses saltos, Morrone está parado com a porta de uma Ferrari preta aberta, me esperando. Paro por alguns segundos, boquiaberta, nunca havia visto um carro daqueles tão de perto, não é a toa que chamam esses carros de naves, simplesmente não parecem com carros e muito menos reais. Eu sento no banco do carona e a porta é fechada por um Morrone emburrado em seguida, me sinto em algum tipo de filme, como Uma Linda Mulher, uma prostituta vivendo no luxo pela primeira vez. Quando dou por mim Morrone já arrancou com o carro e tenho que me segurar no banco, os vidros estão abertos e o vento bate no meu rosto furiosamente, mas estou anestesiada com tudo aquilo.
  Assim que Morrone estaciona o carro na frente da boate, todos param para admirar seu carro e logo em seguida o dono do carro também, mas eu não os julgo, pois faço o mesmo, Morrone é tão imponente quanto seu carro. Ele abre a porta do carro para mim e todos olhares se tornam para mim, sou o centro das atenções por longos segundos. Embora aja uma  fila na frente da boate, Morrone segura em meu braço e nos leva diretamente até a entrada, onde rapidamente os seguranças nos deixam entrar com um aceno de cabeça. O caminho é escuro e ouço uma música sensual e lenta ao fundo, seguro em sua mão para que ele me guie já que tão pouco enxergo meus próprios pés e por um segundo que parece mais uma eternidade, o negro dos seus olhos se encontram com os meus.
  Tudo se ilumina de repente com luzes coloridas e música alta quando passamos pelo corredor que de fato da entrada a boate, mas Morrone não solta minha mão.
- Quer uma bebida? - Michele me pergunta, não parece mais tão irritado quanto antes. Concordo com a cabeça.
  Morrone me leva até o bar e ignorando as pessoas que estão fazendo seus pedidos, pede um whisky com gelo para mim e no mesmo segundo um barman começa a preparar meu drink.
- Tenho que resolver algumas coisa, fique aqui. - É tudo que ele diz e então some naquele mar de desconhecidos bêbados.
  Sento-me no banquinho do bar e recebo meu drink, bebo-o rápido demais e logo peço outro e outro e mais outro até que estou entediada de ficar sentada observando e esperando por Morrone, mas ele não aparece. Já se passou mais de uma hora, estou cansada de esperar sentada feito uma bonequinha, começo a andar pela boate, procuro na pista de dança, nas mesas e nos sofás por seu rosto, mas não o encontro. No segundo andar onde há a área vip, avisto Morrone de longe, ele se destaca apesar da imensidade de homens morenos na sua volta, nenhum é como ele. Há mulheres seminuas dançando por lá, algumas se esfregando em outros homens que parecem ricos e importantes como ele, mas só consigo prestar atenção nele e na mulher loira de lingerie sentada no seu colo, nos dois se olhando e conversando como se fossem íntimos, na mão dele perto demais da bunda dela.
  É para isso que ele me convida para uma boate? Ficar sentada no bar bebendo e esperando até que ele enjoe da dançarina? Meu sangue ferve da ponta dos meus dedos até o topo da minha cabeça, minha mandíbula trava e fecho as mãos em punhos, estou morrendo de raiva de tudo e ela me consome de tal maneira que fico cega. Uma mulher seminua passa e me oferece um drink em cima de uma bandeja e eu o pego, ando o mais sensual que consigo e lentamente entro na área vip onde Morrone está sentado, os olhares dos homens rapidamente caem sobre mim e não demora para que ele se junta a eles. Dou um sorriso malicioso, estico meu braço e derrubo a bebida lentamente sobre a cabeça dele e de sua nova acompanhante.
- Espero que vocês se divirtam. - E saio com um sorriso triunfante no rosto e a imagem do rosto surpreso de Morrone molhado.
  Quando estou descendo as escadas para o primeiro andar, pronta para dar o fora daquele boate e ir embora dali, talvez até da Itália, sinto uma mão firme pegar meu braço e me impedir.
- O que você pensa que está fazendo? - Morrone está vermelho de raiva, suas narinas inflam e sua mandíbula está travada, o aperto no meu braço se intensifica.
- Me divertindo. - Digo com desdém, evito mirar em seus olhos, são intensos demais.
- Você vai se arrepender disso quando chegarmos em casa. - Da forma como ele diz, soa como uma promessa, uma das perigosas. Ele me puxa pelo braço escada a baixo e não liga para o quanto eu reclamo ou tento me soltar, o manobrista rapidamente entrega a chave para Morrone e sou empurrada para dentro do carro, as portas são fechadas com o triplo de força necessária e engulo a seco quando estou trancada ali com ele.
- Você me machucou. - Digo apesar do medo, esfregando meu braço vermelho que muito provavelmente ficará roxo, como se aquilo pudesse sensibilizá-lo.
- Você vai ficar bem mais dolorida quando eu acabar com você hoje. - Morrone diz curto e grosso, seus olhos estão na estrada, mas posso ver a raiva neles. Engulo a seco, nunca havia o visto assim, tão irado, tão cego.
  Eu não o conhecia ainda, mas estava prestes a ficar cara a cara com sua parte mais sombria.

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