Cap. 4 - Pista molhada

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Os meus olhos têm a fome do horizonte
Sua face é um espelho sem promessa
Por dezembros atravesso oceanos e desertos
Vendo a morte assim tão perto

Minha vida em suas mãos

Fausto Nilo / Raimundo Fagner / Zeca Baleiro na voz de Raimundo Fagner


CHEED

O céu amanheceu bonito como é raro de se ver em São Paulo. Eu evito ficar muito tempo por aqui. Voltar a São Paulo para o Grande Prêmio, provoca em mim uma série de afetações que ainda não consigo definir. Foi a minha primeira pista, isso me desperta bons sentimentos, uma certa nostalgia, mas também me traz recordações não tão boas assim.... Este é o primeiro ano que não terei o acompanhamento psicológico para correr. Não sei como vou me sentir ao pisar naquele lugar novamente. É sempre completamente imprevisível. E desta vez, eu vou estar sozinho. Achei que estava pronto, mas agora não sei se foi uma boa ideia. Talvez um dia de sol ilumine meus pensamentos nebulosos.

Infelizmente, assim como meus sentimentos com relação ao autódromo, São Paulo é imprevisível. Horas antes do treino, uma chuva completamente inesperada começa a cair. Perfeito, era tudo que eu precisava para voltar ficar completamente na merda. Exatamente como naquele dia.

— Está tudo bem, filho? Não para de olhar a janela! — Pergunta minha mãe, tentando disfarçar a preocupação, mas eu sei exatamente no que ela está pensando. Mamãe é péssima em disfarçar os sentimentos.

—Tudo ótimo, só não esperava que chovesse, o dia amanheceu bem bonito... mas eu me lembro bem o motivo de chamarem essa cidade de "terra da garoa". —Tento fazer uma piada para aliviar o clima, mas parece que sou tão péssimo quanto ela para esconder os meus sentimentos.

—Sim, é verdade. —Responde com um sorriso de canto, mudando de assunto logo em seguida. — Vamos descer, tomar café da manhã, você não deveria ter vindo malhar sem comer! Você sabe... — Sorrio. Eu já tenho 26 anos e minha mãe ainda me trata como se eu fosse uma criança que demanda cuidados, mesmo depois de não morar com ela há anos, minha mãe ainda me dá bronca como se eu tivesse saído para brincar antes de tomar o café da manhã.

Mais tarde, chego ao autódromo e sigo direto para os vestiários e em seguida para o box da equipe, evitando, num primeiro momento, encarar a pista. Depois de conversar com Steven, chefe da equipe, a quem batizei "carinhosamente" de Poderoso Chefão, seguimos juntos até o carro, hora do reconhecimento da pista antes de iniciar o treino de fato.

Agora não dá mais para evitar, entro no carro e me posiciono.

Faço um exercício de respiração que aprendi com minha antiga terapeuta, costumava aliviar a ansiedade.

"Um, respira. Dois, inspira."

Ok, não posso evitar isso.

"Só noventa minutos Cheed, ainda não é a corrida. E principalmente, este dia não é aquele dia.".  Penso, buscando concentração.

Muitos anos já se passaram.

"Um, respira. Dois, inspira."

Estou pronto!

Foram os noventa minutos mais longos da minha existência. Eu nunca pensei que a paixão da minha vida, pudesse me causar tantas angustia. Aliás, eu já vivenciei toda essa angústia tantas vezes... Mas hoje, pareceu a primeira vez. Na verdade, conseguiu ser pior.

Por pouco não sobrei na curva quatro da décima volta. Também fiz um péssimo tempo e quase esqueci o pit stop.  Steven vai me ferrar sem pena, me sinto péssimo. Mas como dizem, nada nunca está tão ruim, que não possa piorar!

Depois da CurvaOnde histórias criam vida. Descubra agora