Cap. 20 - Resistência

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Mãe, tire o distintivo de mim
Que eu não posso mais usá-lo
Está escuro demais pra ver
Me sinto até batendo na porta do céu
Bate, bate, bate na porta do céu

Mãe, guarde esses revólveres pra mim
Com eles nunca mais vou atirar
A grande nuvem escura já me envolveu
Me sinto até batendo na porta do céu
Bate, bate, bate na porta do céu

Bob Dylan - Vrs. Zé Ramalho na voz de Zé Ramalho

MICHELE

Estou péssima, me sinto um caco depois dos acontecimentos de ontem à noite. Ainda não consegui processar direito tudo. Em um minuto, eu estava feliz e cumprindo com minhas funções, no minuto seguinte, eu fui humilhada, simplesmente por ser quem sou. Mulher e nordestina. 

E para piorar a situação, eu ainda discuti com Cheed.

Não consegui dormir ontem à noite. Depois de ser levada para casa por Angel, eu chorei feito um bebê no colo da minha amiga, enquanto despejava todo o desastre da noite em cima dela. Júlia é uma boa amiga, na verdade ela é muito mais. Jú ficou comigo a noite toda, me ofereceu todo o suporte possível naquele momento, foi um alívio receber o seu conforto.

Mas agora era hora de encarar o mundo.

Estou a caminho do trabalho, quando recebo uma ligação de Angel.

— Oi Angel, estou chegando na redação. — Respondo ao atender.

— Michele, era sobre isso, o Chefe-cão disse que você poderia ficar em casa hoje. — Meu coração erra a batida. Não bastam todas as desgraças da noite anterior, eu também serei demitida? — Hoje é sábado, como sempre trabalhamos até o meio dia, pode ficar em casa para descansar.

— Pode dizer a ele que está tudo bem, eu já estou chegando. — Respiro fundo. Se algo iria acontecer, seria melhor não adiar mais o sofrimento. Me despeço de Angel e desligo o telefone. Como diz o ditado nordestino, desgraça pouca é bobagem. Essa é mais ou menos a nossa versão de "nada é tão ruim que não possa piorar". 

Mal concluo o pensamento e o celular toca novamente, é a minha mãe. Perfeito, acaba de ficar pior. Certamente ela viu tudo na TV, não estou pronta para essa conversa agora, mas atendo mesmo assim, seguindo o ditado.

— Eu vi na TV sua confusão, um belo início de carreira, em minha filha? — Ela mal termina de falar e as lágrimas já estão rolando pelo meu rosto. — Eu também vi aquele rapaz dos carros, envolvido até o pescoço... Tá vendo filha? Era disso que eu tinha medo! Ele fez esse escândalo ontem, meteu tua cara no mundo. Estão todos aqui na cidade comentando. Uma devassidão! Fuja disso ou vai ficar falada, perder o seu emprego ou coisa pior! — Estou profundamente magoada e decepcionada. Minha mãe nem se deu ao trabalho de perguntar a minha versão dos fatos, ela simplesmente jogou em cima de nós dois, uma sucessão de absurdos e acusações.

— Eu até te contaria o que aconteceu, mãe. Mas você tem sua própria versão. E tarde demais, eu "já estou nessa", Cheed e eu estamos namorando. Gostaria de te contar em uma outra ocasião, onde pudéssemos comemorar minha felicidade. Estou te dando essa chance, consegue ficar feliz por mim? — A linha fica muda por alguns instantes e eu tenho a minha resposta.

— Está cometendo um erro. — Diz incisiva. Respiro fundo, minhas energias estão esgotadas. 

— Você também. — É tudo que digo. Ela finaliza a ligação. 

Chego na redação e corro direto para o banheiro, preciso limpar as lágrimas do rosto. Encaro o espelho e constato, estou um caco!

— Michele, amiga... vi quando chegou e correu para cá, está tudo bem? — Angel bate na porta.

Depois da CurvaOnde histórias criam vida. Descubra agora