Cap. 2 - Quase na Reta Final

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Meu bem, mas quando a vida nos violentar
Pediremos ao bom Deus que nos ajude
Falaremos para a vida
Vida, pisa devagar, meu coração, cuidado, é frágil

- Belchior

MICHELE

Depois de muito agradecer a recepcionista, praticamente beijar seus pés pela oportunidade, eu vou até o prédio ao lado, onde deveria ser a entrevista. Entretanto, ao adentrar no lugar, ele me parece completamente vazio.

Me sinto tentada a sair do prédio, mas no exato momento em que me dirijo até a saída,  um homenzinho mais ou menos da minha altura, o que não é muita coisa, considerando meus humildes 1,62 metro, careca e um pouco acima do peso, surge na minha frente. A princípio, me assusto com a sua aparição repentina, mas olhando com mais calma, seus óculos de aros grossos e lentes pequenas,  o fazem parecer muito o com Danny DeVito. Me pergunto se estaria sendo preconceituosa ao dizer que esperava homens com porte físico perfeito, roupas de ginástica e cheiro de testosterona em uma redação de revista esportiva.

—  Posso ajudar? — Pergunta ele enquanto me olha curioso. — Não responda. Então você é a garota F-A-N-T-Á-S-T-I-C-A que a Lorena mandou? Bom, no momento não me parece tão fantástica assim, mas deve servir, porque o humor do Chefe-cão colocou todos os outros candidatos para correr. — Diz ele, como se falasse mais para si mesmo que para mim, o que me deixou um pouco "bagunçada energicamente", como diria minha amiga Júlia.

"Um, respira. Dois, inspira. ". 

Junto ar e forças para me "reencontrar energicamente" e respondo:

— Bom, sim, eu sou a garota que a Lorena mandou. Bem, eu... — me perco no meio da formulação, mas mudo de assunto, a fim de disfarçar o nervosismo. Este homem conseguiu me intimidar. — Aqui é sempre tão parado assim? — Pergunto encarando a monotonia ao redor, não é, nem de longe, o que eu esperava. Eu já achava esportes uma grande porcaria, se aquela redação fosse sempre um tédio como parece agora, eu não tenho certeza se vou conseguir fazer alguma coisa, menos ainda ser "fantástica", como Lorena me vendeu.

— Não querida, nosso expediente inicia às nove, mas hoje o Chefe-cão separou a manhã para as entrevistas dos candidatos. Primeiro corredor à esquerda, é a porta de madeira. Boa sorte, vai precisar! 

Dito isso, o homenzinho some, sem nem ao menos me dizer seu nome ou se eu deveria me anunciar, o que falar para o Chefe-cão, ou se quer o nome do tal "Chefe-cão", porque eu tenho certeza de que não deveria me referir a ele assim.

Bem, não é como se eu tivesse alguma escolha.  Junto o que me resta de coragem e sigo na direção indicada. No corredor existem duas portas de madeira, mas considerando que uma delas contém a placa "banheiro", eu bato na outra.

— Pode entrar.— Respondeu uma voz grave e que parece muito irritada, até um pouco assustadora.

Um, respira. Dois, inspira.

Entro e percebo que o homem lá dentro, não parece tão assustador quanto sua voz, embora ainda seja um pouco intimidante. Ao contrário do DeVito lá fora, ele é exatamente como eu achava que seria uma redação de revista esportiva, exceto pelas roupas de ginastica, claro. O homem a minha frente veste terno. Ele é alto, aparentemente musculoso, olhos e pele preta, cabelos raspados e barba feita. Muito bonito, por baixo da cara poucos amigos, como diria minha mãe. Tudo bem, talvez trabalhar em uma revista esportiva não seja tão ruim assim, na verdade, talvez essa possa vir a ser uma ótima experiência.

— A senhorita veio até aqui para ficar parada na minha porta? — Como um estalo, eu percebo que estou imóvel e completamente muda, com a porta aberta e observando-o por um bom tempo. 

— Ah, me desculpe Chef... ah, é... senhor... — Me atropelo com as palavras. Que belo começo!

— Pietro, meu nome é Pietro Albuquerque. Está escrito na porta, senhorita desatenta. — Finaliza ele com um revirar de olhos.

Observo a porta ao meu lado, de fato, um pouco mais acima, está escrito em letras garrafais "Pietro Albuquerque - Editor Chefe". Coro, constrangida com mais uma falha cometida no dia de hoje. Respiro um pouco e junto coragem para falar de uma vez e com o máximo de clareza possível. 

"O dia ainda pode ser lindo. ". Metalizo. É a minha chance de fazer acontecer. 

— Claro, sim, obrigada. Eu sou Michele Marques, estou aqui para a entrevista. — Me aproximo da mesa e entrego o meu currículo diretamente nas mãos dele. O papel está um pouco amassado, mas eu esperava que ele não percebesse ou não dessa importância para este pequeno detalhe. — Se o senhor ler um pouco, vai ver que eu tenho experiência com entrevistas e pesquisa de campo, dirigi a redação do jornal universitário, desenvolvi pesquisas políticas e tive um programa de rádio escrito e dirigido por mim em uma comunidade. Além disso, eu tenho ótimas referências e uma carta de recomendação da Professora Doutora Pâmela Almeida. Não tenho experiência na área esportiva, mas como pode ver pelo currículo, me adapto bem, aprendo rápido e tenho interesse em fazê-lo. Acredito que serei ótima aqui. Se me oferecer a oportunidade, podemos crescer juntos.

Quando termino de falar, me sinto gélida, tremula e um pouco cansada, mas mantenho a postura enquanto ele observava atentamente o meu currículo.

— Seu currículo é interessante. Mas não tem experiência com esportes... já me falou por que deseja ficar. Acho que a questão fundamental é se você consegue ficar. Sabe Michele, você foi a primeira pessoa que entrou por aquela porta e não pareceu uma completa idiota. Vou te dar uma chance. Uma tarefa, na verdade. Se você conseguir cumprir, você fica.

Foi engraçado ele falar que eu não parecia uma completa idiota, porque tremendo como estava, com uma blusa cinco números maior que eu, uma calça rasgada na manhã em que perdi a chance da minha vida e pelo incidente com nome do Chefe-cão, era exatamente assim que eu me sentia! Mas ele não precisava saber disso.

E foi por esse motivo que eu aceitei a tarefa de ir a um treino de Fórmula 1, entrar nos bastidores — eu nem sei se a palavra correta é bastidores — , entrevistar um cara que parece ser a promessa do esporte nesta temporada e escrever umas coisinhas sobre ele. Bom, me pareceu fácil.

E seria fácil se...

Se a entrevista não fosse em inglês...

Se o cara não fosse um completo mistério para a imprensa...

Se eu tivesse uma mínima ideia de quem ele é...

Se o treino não fosse em duas horas do outro lado da cidade...

Se eu tivesse tempo de pesquisar um pouco antes de tudo...

Se a chuva tivesse parado...

E se eu não tivesse até o fim do dia de amanhã para entregar tudo pronto.

Depois da CurvaOnde histórias criam vida. Descubra agora