Terceiro

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Ao acordar, Daniel percebeu o gosto ruim na boca e a sensação de ter dormido mal. Ele se levantou da cama bagunçada e foi para a suíte, lavar o rosto. Não fez questão de escovar os dentes nem nada, só saiu do quarto, silenciosamente e desceu as escadas para ir pra cozinha. Um café parecia ser uma boa pedida — precisava de uma bebida forte para começar o dia.

Levou um susto quando, a caminho da cozinha – que era o último cômodo –, viu no meio da sala, um ser estirado e mesmo sem óculos, conseguiu reconhecer Elídio.

O de pé se encurvou, examinando o amigo. A cara estática do mais novo e seu respirar indicavam que ele estava em um sono profundo – o que ele deveria estar sonhando? E de fato, o moreno estava dormindo pesadamente. Parecia uma pedra, que nem percebia que babava.

– Er... Elídio? – Chamou pelo amigo, se encurvando mais ainda em sua direção.

A resposta que o anfitrião recebeu foi um gemido abafado, mas o contorcer do rosto do que dormia, fez o outro hesitar. Finalmente a Bela adormecida estava acordando? Não houve resposta, então voltou a chamar, só que agora, mais alto:

– Elído!

O moreno acordou no pulo e quando olhou para cima viu Daniel, ele encarou o mais velho — confuso — e quando se deu por si, riu soprado, desviando do olhar caído do outro.

– Acho que não voltei pra casa, hein? – Elídio falou rindo, enquanto se levantava aos poucos.

– Como eu não percebi que você não foi embora? – Daniel nem sabia o que sentir sobre aquilo, só ajudou o amigo a se levantar escorando-o.

– Sei lá – botou a mão na cabeça e fez uma careta de dor –, de qualquer forma não sou o melhor para tentar lembrar no momento – Terminou de falar, enrolando um sorriso fraco nos lábios.

Daniel ficou em silêncio por algum tempo. Reuniu forças e disse em um suspiro franco e calmo:

– Parece que terei companhia no café da manhã... – Elídio sorriu satisfeito para a afirmação – Mas você que vai comprar o pão.

Lico riu num grunhido decepcionado e o mais velho sorriu em resposta.

[...]

Os dois já estavam na mesa – com Daniel já de óculos –, no meio de iogurtes, pães e frios – sem contar o clássico café –, quando Elídio resolveu começar um diálogo:

– O que achou dessa temporada? – E botou uma folha de mussarela na boca, logo em seguida.

– Como assim? – O de óculos se viu em dúvida com a pergunta.

– Ué – esticou a mão para pegar mais iogurte –, a última apresentação foi a última do ano, agora estamos de férias e estou perguntando se achou proveitoso as apresentações desse ano – Terminou de encher seu copo e voltou o olhar para Daniel que encarava seu prato.

– Ah, é – Falou distante, como se só ele estivesse ali – Toda essa coisa da doença me fez esquecer disso.

Mas não era só ele que estava ali. Elídio contraiu as sobrancelhas e sorriu perplexo, ainda olhando para o amigo. Daniel que, quando percebeu o que havia falado, abriu a boca instintivamente e voltou o olhar para o moreno descabelado, tentou dizer algo, mas o outro foi mais rápido:

– Como assim doença? – Falou num murmúrio, quase sem mexer a bocar e como se quisesse manter a confusa careta, e continuou, não deixando o outro responder – Então é por isso que estava amuado no dia em que nos convidou para o churrasco – Daniel se encolheu e ele mudou a face para um semblante mais preocupado (mas ainda sim, confuso) – E é por isso que ficou estranho quando a palavra "doença" caiu na mímica – Falava como se estivesse julgando o amigo – Daniel Nascimento, o que está havendo?

A fala do moreno foi tão firme que fez o outro se estremecer. O choque de ambos foi tão grande – um pela revelação e o outro por ter revelado – que contemplaram um silêncio pesado após a pergunta direta do mais novo.

E acabou sendo rápido assim? O que Daniel mais queria esconder acabou por vir a tona mais cedo do que imaginava.

– Desculpa... – O mais velho falou num quase choramingo – Por favor, não fala sobre isso com os outros...

– Mas o que está acontecendo? Que doença é essa? Você está com câncer ou algo assim?

Na verdade por alguns instantes o doente queria rir da preocupação quase cômica do amigo.

– Na realidade é realmente complicado... podemos não falar sobre isso?

Elídio, que estava meio exaltado, parou com a adrenalina, se derreteu na cadeira e moveu seu olhar para o teto, como se pensasse em algo.

– Mas não – continuou o anfitrião –, não é câncer – e um fraco (tímido) sorriso apareceu.

O moreno nem se quer olhou para o outro. Se levantou e levou e foi até a cozinha depositar seu prato na pia, e lá ele ficou por algum tempo, com a cabeça levantada pensando e pensando, até chegar na sua conclusão:

– Então não vou embora.

– Como assim? – O de óculos retrucou, confuso.

– Você acha que vou te deixar lidando com isso sozinho? – Olhou para o outro com olhos brilhantes – Se eu não posso nem contar para os outros, deixe-me ficar aqui com você até que fique tudo bem... – E abaixou a cabeça para o piso creme.

Daniel estava quase comovido, mas ele parecia o mais estável da situação. O mais velho se levantou, foi até o amigo e o abraçou:

– Lico...

A primeira vez que Sanna chorou nos braços de Daniel – por mais que negue isso – foi quando uma garota do ensino médio o esnobou, mas agora a situação era de inverter os papéis, contudo parecia que o maior gostava de ser acolhido, mesmo quando as mágoas não deveriam ser dele.

[...]

O motorista deixou Elídio na frente da casa de Daniel. O mais novo tinha consigo uma bolsa cheia de peças de roupa e sua escova de dentes. Ele empurrou o portão escorado, passou pelo caminho de pedras que cortava o jardim gramado e chegou na parte de concreto. Encarou Dani que estava na porta com um sorriso doce e as mãos no bolso do casaco:

Welcome, babe – Disse de forma divertida.

Elídio sorriu e avançou para entrar.

– Você fica sexy quando fala assim.

Os dois riram.


Notas do autor:

Nesta casa concordamos que Dani fica sexy falando em inglês.

❛𝐬𝐚𝐧𝐠𝐮𝐞 𝐟𝐫𝐢𝐨 _ 𝐝𝐚𝐧𝐢𝐝𝐢𝐨❜Onde histórias criam vida. Descubra agora