Se soubesse o sangue que seria derramado ou a dor de virar as costas, ele teria escolhido outro caminho, mas e se existir destino? E se nada for mera coincidência e tudo estiver acontecendo como deve? Mas e se você pudesse escolher, ainda viveria na gaiola ou usaria as assas que tem para voar?
Sangue frio – Parte final
O hábito de se perguntar "eu existo?", vem de desde sempre. Como saber se você é real? Mas nesse momento, Sanna sabe o quão real é. Só um ser existente seria capaz de sentir a agonia eterna de... existir.
A visão do moreno – esmaecida pela fumaça – contempla seu próprio reflexo desfocado no espelho. Talvez ele devesse nunca mais sair d'ali, de dentro do banheiro. Mas todos temos que enfrentar os problemas alguma hora – ou dormir pra sempre, quem sabe.
Elídio se vira vagarosamente para a porta de madeira. "Inferno", ele pensa. Ao passar por aquela porta, um mar de possibilidades o esperava – ele torcia para que o destino fosse gentil, porém não é assim que funciona.
O moreno vira a maçaneta, espremendo os olhos em agonia e em poucos passos ele estava na sala. Tudo parece silencioso, ele esperava não encontrar ninguém, talvez um bilhete de "saí por algumas horas, deixe a casa enquanto eu estiver fora", só que ainda havia alguém ali. Daniel estava bem à frente de Elídio, esparramado no sofá aveludado, com a cara virada para o teto.
– Hum, acredito que devo ir embora, certo? – As palavras do mais novo ecoaram, chamando a atenção para sua existência.
Dani finalmente olha para o amigo. Ele não tem um rosto legível, porém sorri.
– Olha, agora está vestido – Daniel provoca.
Os olhos de Elídio rolam e sua mão para em suas têmporas – ele não tem saco para aquela... palhaçada? Por um relapso, ele se lembra de como ele tem sido um amigo incrivelmente babaca nos últimos tempos. Suas mãos vão para a cintura e ele abaixa o olhar.
– Posso te pedir algo? – O tom do mais novo é baixo, sua voz é rouca.
– Diga.
– Poderia me dizer ou não o que tem? Eu sei que sabe que estou tentando te fazer falar já tem tempo – Lili gesticula com afobação –, mas agora estou sendo direto e mesmo que da primeira vez tenha escolhido não falar, acho que estamos enrolados nessa história.
Um silêncio pairou, mas isso não abalou o moreno, na verdade, Daniel sabia que ele tinha mais para dizer:
– Eu juro que não contarei a ninguém.
Dani sabia que era verdade, ele pode ver o amigo juntar todas as forças e colocá-las em uma única frase. Não podíamos deixar de excluir que Lico era ator, contudo não havia nada de atuação naquele momento. Ambos – tanto o que falou, quanto o que ouviu – sentiram que, mesmo se o doente estivesse morrendo, só haveria uma testemunha do que poderia ter acontecido.
O mais velho apontou para o móvel à sua frente, o outro seguiu o dedo e seu olhar caiu na última gaveta. Elídio já tinha feito muitas coisas naquela casa, mas nunca mexer em lugares aleatórios vasculhando por algo, ele se curvou e abriu com tom de suspense a tal gaveta.
O interior do último encaixe do móvel era quase vazio. Haviam alguns clipes de papel espalhados e um papel branco menor que a medida de um a4.
– Acho que sabe o que eu quero que pegue.
O mais novo acenou com a cabeça e foi direto no papel, sem mais instruções, se virou e sentou-se no sofá, ao lado do amigo.
Daniel tinha um olhar vazio, ele parecia pressentir que d'ali pra frente, as coisas só piorariam. "As coisas só tendem a piorar, antes de melhorar.", é o que dizem. O mais velho pegou a mão do outro – a que estava descansando livre, no veludo do sofá –, e entrelaçou os dedos de maneira tímida, como se pedisse consentimento.

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❛𝐬𝐚𝐧𝐠𝐮𝐞 𝐟𝐫𝐢𝐨 _ 𝐝𝐚𝐧𝐢𝐝𝐢𝐨❜
General Fiction« Mas todos temos que enfrentar os problemas alguma hora - ou dormir pra sempre, quem sabe. » ❆ O frio. O sangue. A mente. Amor é como uma doença e, nesse caso, o doe...