O sangue

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Julieta se matou por Romeu, que se matou por Julieta e que se provaram os humanos mais burros que já existiram. É fácil apontar que eles não passaram de jovens dignos do século XXI – desesperados e precipitados –, mas alguém ainda se lembra como provaram o amor que tinham um pelo outro? Pela morte. Eles escolheram ficar... eles ficaram juntos até a morte.

O sangue – Ficar

Elídio abriu a boca e nada saiu. O olhar de Daniel o perfurava. O silêncio era alto. O sangue era quente.

– Não vai responder? - O mais velho implicou.

– Eu não acho que seja necessário. É claro que eu confundi as coisas e que não passei de um incomodo... – Sanna abaixou a cabeça, seu olhar caiu em seus pés descalços.

– Olha... – Daniel suavizou sua voz e se virar para caminhar para dentro da pequena cozinha – sabe que eu também não sei o que aconteceu aqui. E pra falar a verdade, eu tenho medo – Ele se arqueia, apoiando-se na pia – Tenho medo que isso machuque alguém, mas no caso o meu plano era não ter ninguém perto de mim quando a merda acontecesse, então esse alguém é você...

A ardência dos olhos de Lili quis se fortificar – mesmo que ele devesse estar feliz em ver o outro se importar, ele se sentia muito vulnerável.

– Eu me lembro que tinha se machucado e que eu tinha que pegar gelo, mas depois disso não me recordo de mais nada... mas o sangue ainda vem em minha mente – O doente pausou e engoliu a seco – O que eu queria fazer? Eu nem sei... Depois disso acordei daquele transe estranho e estava... – Engasgou-se nas palavras como se fosse pecado – bem, você sabe...

Aquele momento doía a mais do que aliviava.

Elídio foi para o lado esquerdo de Daniel, que ainda estava arqueado em direção à pia. O mais novo estava se remoendo, já não bastava mais um pedido de desculpas, quer dizer: quem que deveria pedir desculpas? Ele nem sabia mais. Ele estava quebrado.

– Ah, quer saber? – Os olhos de Sanna transbordaram e seus dedos se enrolaram em punhos – Foda-se.

E deu um soco pro lado – pra esquerda, no caso –, um gancho contrário ou uma facada sem arma, sei lá. Mas lá, onde seu punho pousou, havia uma faca. O que ela fazia ali? Quem sabe era o destino em sua forma mais sólida.

Mais estúpido que não checar se alguém está vivo, é cavar a própria cova.

– Ah, merda – O hóspede grunhiu com o arranhão.

O olhar do anfitrião foi para o barulho – e lá encontrou a mão de Elídio –, depois foi para os olhos do mais novo – que brilhavam com as lágrimas.

– Ah... – Sanna suspirou – eu não faço nada direito, né?

As mãos de Daniel foram até o rosto de Lili, elas o seguraram com firmeza.

– Não fala isso.

– Eu não consegui te ajudar e nem mesmo me ajudar – A mão machucada segurou-se no antebraço do doente – Tudo que eu sei fazer é chorar.

Daniel sorriu. Aquela era a terceira vez que ele via Elídio chorar para ele, mas era a primeira que ele admitia estar chorando.

O rosto do mais velho se aproximou da face do mais novo e lhe deu um beijo de esquimó, isso arrancou um leve sorriso de Sanna – que podia sentir o sangue finalmente escorrer de sua mão.

– Me desculpa, você sabe que boa coisa agora não acontecerá.

– Entendo...

E Elídio se entregou – literalmente – de corpo para Daniel – mas, não é como se houvera outra opção.

[...]

Sabe o quão horrível é o cheiro de um cadáver? Imagine dois, por quase um mês apodrecendo juntos. Mesmo que nada seja visível, é fácil dizer que tem algo de errado na casa vizinha se de lá vem um cheiro estranho.

A autópsia? Um por perda de sangue e o outro por overdose de ferro.

O velório? Caixões fechados. Os convidados estavam todos assustados, o que havia acontecido ali? Como foram morrer juntos? Especulações pairavam o ar, mas ninguém ousou comentar sobre a mão dilacerada ou os dentes sujos de sangue.

❛𝐬𝐚𝐧𝐠𝐮𝐞 𝐟𝐫𝐢𝐨 _ 𝐝𝐚𝐧𝐢𝐝𝐢𝐨❜Onde histórias criam vida. Descubra agora