Smile

Presente de Natal

A noite de shows aconteceu conforme o previsto. Thiago lotou mais um teatro e levou o público às gargalhadas com suas piadas. Elle e Thiago não desgrudavam os olhos um do outro. Ela pelo orgulho que sentia do amigo conquistando cada vez mais seu espaço. Ele pela saudade que sentiria da presença dela atrás das cortinas.

Elle sempre trabalhou para Thiago de alguma forma. Mas foi o sucesso dele que a possibilitou aumentar sua empresa de agenciamento artístico. Conquistou mais clientes, contratou funcionários, mas não deixou de cuidar pessoalmente da carreira do amigo. Ela era responsável por marcar entrevistas, reuniões, revisar e enviar contratos para assinatura, recebimento e negociação do cachê, agenda... basicamente controlava a vida profissional dele (e um pouco da pessoal também). Eles costumavam dizer que ela era a babá particular dele.

Thiago adorava ser cuidado por ela. Desde criança ela já tinha um instinto materno aflorado. Cuidava de todos ao seu redor. Era a "cabeça" do grupo das primas que ela amava. A filha responsável da Dona Helô e do Sr. José. A irmã mais velha perfeita da Clarice, que só tinha 10 anos.

Só precisou do colo de Thiago uma vez na vida. Após o enterro de José, seu pai, há dois anos. E mesmo assim só pediu colo após organizar o funeral, comprar remédios calmantes para a mãe que chorava desesperadamente, garantir que Clarice estivesse bem cuidada por alguma tia e bem alimentada. Não derramou uma lágrima até todos irem embora da sua casa. Só depois que tudo se acalmou, ela correu para a casa do amigo, se fecharam no quarto, ela deitou no colo dele e chorou tudo que tinha guardado em si. Era no colo de Thiago que ela podia ser ela mesma de vez em quando, extravasar os sentimentos que ela reprimia na carcaça de mulher durona. E era no colo dela que ele também voltava a ser o moleque sonhador de sempre. Eram juntos que eles sabiam que poderiam ser o que quisessem, sem julgamentos mesmo com suas fragilidades expostas.

Mas acabou. E naquela última noite eles sabiam que uma chavinha do tempo estava virando pra eles. Era o início de uma nova fase para os dois. E já formigava dentro do peito a saudade e o medo do que aconteceria com aquele laço que só os dois tinham. Será que o tempo seria cruel a ponto de acabar de vez com aquela relação ou tudo se ajeitaria para que eles se reencontrassem?

Quando todos os compromissos da noite acabaram, eles entraram no quarto do hotel em silêncio. Como se tudo já estivesse ensaiado, se despiram de suas roupas e se amaram pela última vez.

Exploraram cada parte do corpo um do outro como se precisassem decorar aquela sensação. Não deixaram que os corpos se afastassem muito, era um emaranhado de pernas, braços e beijos. Tão sincronizados que daria para fazer a cena de um filme.

Na manhã seguinte, Thiago acordou com o barulho da mala batendo na parede. Quando abriu os olhos e viu Ellena na porta, arrumada e com a mala na mão, não entendeu muito bem o que estava acontecendo. Olhou no celular e eram 6:15 da manhã ainda.

- Elle, onde você está indo? Ainda temos uma agenda pra cumprir hoje... - disse confuso, tentando enxergar melhor no quarto ainda escuro.
- Eu deixei o seu roteiro todo explicado em cima da escrivaninha - ela disse já na porta - O motorista virá te buscar às 11h, seu despertador estava programado também. Depois de tudo ele te levará para o aeroporto, seu voo pra casa sai às 20h30. O check-out do hotel também está feito. Pode só deixar a chave na recepção. O roteiro do réveillon também já está no seu e-mail, vou garantir que te levem e busquem do aeroporto para os hotéis.

Ele não conseguiu formular nenhuma frase depois de tudo que ela falou. Parte porque estava tão sonolento que não conseguia raciocinar bem. Só olhava confuso e ao mesmo tempo admirado com o planejamento dela. Aquela organização ainda o surpreendia. A sensação de dor no coração voltou ao perceber que era um adeus definitivo.

Quando ela passou pela porta se lembrou da última recomendação. Voltou um instante e disse:

- Atrás do roteiro de hoje te deixei um presente. Só abra quando acordar mais tarde, tem um bilhete. Feliz Natal, cabeça-de-nós- todos!

Fechou a porta e foi embora.