Divórcio

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Ellena

Depois da segunda perda, eu não conseguia lidar mais com o Júnior. Por mais que ele se esforçasse para ser o marido perfeito pra mim, eu não conseguia não lembrar do sentimento de frustração que era não conseguir levar uma gravidez adiante.

Fizemos vários exames para saber o motivo das perdas dos bebês, mas tudo parecia normal.

O médico nos dizia que era comum. Mas ver minhas amigas tendo seus filhos, enquanto eu não conseguia segurar meus filhos em mim, me dava um sentimento de inutilidade gigante.

Para piorar, a minha família me pressionava o tempo inteiro a ter um bebê. Bertha já estava no segundo filho, Laura tinha casado e já estava grávida e Lua também dizia que não demoraria a ter o seu.

Eles não sabiam das perdas. Só havia contado para minha mãe, sempre depois de tudo já ter acontecido.

O Júnior me dava o espaço que eu precisava para assimilar tudo. Ele, sempre tão cuidadoso e observador, parecia ler exatamente o que eu pensava.

Sempre tinha sido assim. Ele me conheceu sabendo que eu amava outro e mesmo assim aceitou o tempo que eu precisei para começar a amá-lo.

Depois de um tempo imersa no meu próprio mundo, ele disse que iria passar uma semana na casa dos pais, em Campinas. Eu via no olhar do meu marido que algo estava diferente.

Eu não queria admitir, mas ele entendeu primeiro que eu que nosso casamento já tinha entrado num beco sem saída.

Na semana seguinte, ao voltar de Campinas, o Júnior pediu divórcio.

Foi a conversa mais sincera que tivemos durante esses dois anos e meio juntos. Júnior disse o quanto me amava e respeitava, disse que era em nome desse amor que me deixaria livre para seguir minha vida e meus sonhos.

Eu também o amava muito, porém não era o suficiente. Eu sempre teria no peito a sensação de que por mais que me esforçasse, faltaria um pedaço de amor dentro de mim que pertencia a outra pessoa.

No dia seguinte ele saiu de casa. Três semanas depois estávamos sentados um de frente pro outro num escritório de advocacia para assinar a papelada.

Quando saímos da sala, ele me chamou num canto e me entregou um envelope. A instrução era abrir apenas em casa.
- É meu último pedido como seu marido e o primeiro como ex-marido. Tem que obedecer! - ele fez graça.

Só concordei e fiz conforme ele pediu. Nosso último abraço foi um misto de gratidão e alívio. Eu seria grata eternamente ao Júnior por me ensinar o amor que eu merecia ter. Um amor leve, com troca, com carinho e amizade. Um amor que também cuidava de mim, não só me deixava cuidar.

Desejava que ele encontrasse alguém que pudesse oferecer o mesmo pra ele. No caminho de casa chorei de emoção ao pensar na nossa história, que foi perfeita do início ao fim. Olhei a carta no meu colo e sabia que ali dentro teria o cuidado final, que só o Ju saberia fazer por mim.

Dentro do envelope tinha uma carta escrita à mão, com a letra perfeita de artista dele.

-
À minha grande amiga Ellena,

Elle, olhando nossa história eu consigo enxergar a evolução da mulher que eu conheci para a que eu vejo agora. Te conheci em um momento confuso da sua vida, você achava que tinha perdido o rumo, mas, Elle você sempre soube exatamente onde você queria chegar. Talvez não contasse com tantas curvas, né?

Nunca duvide da força do seu destino. Eu tenho sorte de ter convivido com uma mulher forte, decidida e cheia de amor para dar. Nosso amor não acabou, só mudou de forma.

Obrigado por esses anos ao seu lado, sendo o seu marido e confidente. Chegou a hora de devolver você para um lugar parecido ao ponto que te encontrei. Porém, agora eu devolvo uma mulher ainda mais sábia. E é confiando na sua sabedoria que deixo o meu último presente.

Siga o destino que sempre foi seu, você saberá exatamente o que fazer... Só darei um empurrãozinho. Eu sempre estarei torcendo por você e pela sua felicidade.

Com amor,
Júnior, seu ex-marido.
Obs: você não está achando muito chique essa história de ter um ex-marido?
-
Não pude deixar de rir da última frase. Era tão o Júnior fazer tudo ser mais leve.

Logo atrás da carta tinha um outro papel. Era um ingresso, o tal presente que ele citou. Achei estranho pois tinha a logo da minha própria empresa ali.

Foi quando eu entendi: era um ingresso para a gravação do show do Thiago. A minha vida estava tão conturbada que eu tinha esquecido da gravação, a Isabella assumiu a frente da carreira do Thi nos últimos tempos e eu não sabia de muita coisa.

Olhei a data e era hoje ainda. Por sorte eu não estava atrasada, ainda dava tempo de me arrumar tranquilamente e chegar cedo.

O ingresso era para a primeira fila. Eu ri por um momento. Não assistia um show do Thiago da plateia há anos. Eu sempre via dos bastidores. O tempo parecia estar voltando para nós.

SmileOnde histórias criam vida. Descubra agora