Capítulo 19

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O dia parecia passar mais rápido quando eu estava perto dela. Mas quando pensava no festival dessa noite, o mundo parava instantaneamente, e parecia só voltar a andar quando eu olhava para ela. 

  A essa altura do dia Rami já estava acordado e enérgico, como de costume. Yuriko achou uma boa ideia sairmos pela cidade depois do almoço para fazermos compras e para que eu conhecesse a cidade, afinal, de todos ali, eu era o único que não conhecia Yokohama, oque me deixou mais ansioso, fazendo com que a hora travasse as onze da manhã e só passasse em velocidade reduzida. Claro que é apenas coisa da minha cabeça, maldita ansiedade. Eu estava empolgado para aquela tarde de neve em Yokohama.

   A única vez que saí da minha cidade natal, Nagoya, no estado de Aichi, foi para ir ao funeral do meu tio em Osaka, em Kansai. Ele era o único irmão da minha mãe e também nosso último parente vivo. Sem herdeiros, sem mulher e poucos amigos. Ele morreu sozinho em um quarto de hospital em uma casa de repouso da região. Eu tinha apenas seis anos quando fomos para lá, mas ainda lembro de cada cena daquele dia. 

     Mamãe estava na cozinha fazendo o almoço e eu estava na sala brincando com meus bonecos de heróis e vilões quando o telefone na bancada toca, claro que eu atendi antes de levar para ela. Lá em casa eu era instruído a não incomoda-la  quando estivesse fazendo algo importante. 

"Hai!" anunciei firmemente com minha voz infantil.

"Moshi Moshi!" uma voz feminina disse ao outro lado. Agora pode parecer besteira, mas eu fiquei feliz por não ser um Yokai do outro lado da linha. Hoje em dia eu não me preocupo com esse tipo de coisa, mas quando eu era criança acreditava em quase todas as lendas e mitos que os mais velhos me dissessem. A mulher continuou: 

"Casa de repouso Guretoramoni, quem fala?" ela pareceu estranhar o fato de uma criança atender o telefone. 

"Watashi wa Hayato Ikki desu. Quer falar com que?" apenas segui o roteiro que minha mãe me passou quando compramos o telefone. 

"Hayato Aia se encontra?" esse era o nome de solteira da mamãe, e eu também não usava o nome do papai porque não tinha um bom significado.

"É minha mãe!" eu olhei para ela que por cima do balcão que deu um leve olhar para mim, sem largar a vasilha onde mexia os ovos. Ela acenou para que eu levasse o telefone para ela "Só um minuto que eu vou passar o telefone!" a mulher agradeceu e eu levei  o telefone para mamãe.

"Moshi Moshi!" ela anunciou no telefone. Voltei a brincar com meus bonecos por uns dois minutos até que mamãe deixou a vasilha cair e se quebrar no chão atrás do balcão. Pulei de susto.

 Mamãe desabou em chorar. Eu nunca gostei de vê-la chorar, por isso obtive muito rancor do meu pai e do seu trabalho. Mas tinha um homem que sempre podíamos contar, Samir. Era um homem que vinha de outro país, sua pele bronzeada e seu corpo pequeno e magro. Ele tinha um velho restaurante na cidade, onde mamãe eu íamos quase todo final de semana e recebíamos grandes descontos, e uma vez no mês comíamos de graça

 Samir foi quem nos levou até Osaka naquele dia e prometeu nos buscar assim que ligássemos para ele. Mamãe estava sempre com os olhos cheios de lágrimas, mas não as derramava nenhuma sequer . E assim foi durante todo o velório e período de luto. Na volta, Samir disse que poderíamos ir comer no restaurante por conta da casa, ele também disse que estar bem alimentado nos ajuda a pensar melhor, pois comemos oque gostamos e lembramos de coisas boas, pareceu funcionar com minha mãe, mas ela passou uma semana comendo sempre a mesma comida. Depois disso, nunca saí de Nagoya.

        Sentamos a mesa para almoçar, e oque parecia ser apenas um almoço simples entre amigos, virou um extremo banquete. A mesa pareceu se enfeitar com caviar, frango recheado, coxas de frango, pães franceses, camarão, sushi, temaki, entre outras comidas de alto valor no mercado. Sucos apenas de fruta e extremamente bem cuidado. A mesa estava colorida de comida e bebidas. Yuriko comeu tanto que até abriu um dos três botões de sua calça jeans. Estávamos satisfeitos e prontos a nos retirar na hora que anunciaram a sobremesa, um Brownie Extraordinário com fina cobertura de sorvete. Meu estômago deu algum de jeito de fazer caber mais e senti fome instantaneamente. Rami nunca parecia satisfeito, e constantemente suas irmãs se desculpavam pela falta de modos do mais velho, mas tudo acabava eu risos e alegria. Dormimos por duas horas pela grande sala de estar. Yuriko acordou cada um com um tapa na cara, exceto por Nakimi que recebeu carinho e beijos. 

A Solidão! (Concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora