Sexta-Feira, 30 de novembro.Não consigo acreditar que já se passou um ano dos abraços chorosos de despedida em meus amigos no aeroporto no ano passado. E aqui estou, fazendo as malas para encontrá-los novamente.
Me lembro da sensação de ver, pela primeira vez, a vista da janela amarronzada desse apartamento, que dá para um outro apartamento logo em frente e para os barcos que transportam todos os dias turistas e trabalhadores nas águas de Veneza. Tudo era tão curioso e especial no começo. Ainda é, mas a gente tem tendência a se acostumar com as coisas, e então elas param de se tornar tão mágicas.
O meu voo para o Brasil é às 19:50. Eu não tenho compromisso quando chegar lá, mas comprei a passagem para esta hora só para conseguir ver o entardecer pelo avião. A passagem do dia para a noite me deixa muito criativa... e convenhamos, preciso de criatividade para ser uma artista plástica! (às vezes eu vou até o terraço da minha casa só para ver o entardecer.)
Desta forma, talvez eu pintasse algo tão extraordinário, e conseguisse uma chance de expor meus quadros no Ca'pesaro, o mais incrível Museu de Arte Moderna de Veneza. Mas, por enquanto, continuo trabalhando na Villagio Caprese, uma empresa de publicidade que fica à alguns km da minha casa. O salário é bom, mas não me deixa tão feliz quanto trabalhar com o que eu realmente gosto, que é pintar.
De alguma forma, o meu emprego aqui me rendeu uma amizade muito sincera e afetuosa. O Luigi se tornou meu melhor amigo aqui. Ele foi muito acolhedor e receptivo comigo desde primeira vez que coloquei meus pés naquela empresa.Até então, saímos quase todas as sextas juntos com a Grazi e a Kiara, que conhecemos na festa de aniversário de um colega de trabalho.
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Enquanto arrastava pra fora do apartamento as minhas duas malas um tanto pesadas, o Luige me informou que o táxi já havia chegado.
Da porta, encarei a minha casa como se estivesse fechando a última página de um diário. Pensando nas pequenas coisas que me tornaram uma pessoa completamente diferente de quem eu era quando cheguei aqui. E por mais que eu volte daqui há um mês, no dia 02 de janeiro, eu ainda consigo sentir uma sensação calorosa de despedida.
O sol chegava ao fim e ventava muito enquanto estávamos no carro à caminho do aeroporto. Era como se a vida tivesse passando em microsegundos. Meus olhos só conseguiam acompanhar as pessoas passando, sem dessa vez pensar em quais seriam os destinos delas ou se estariam felizes ou tristes. Dessa vez, meus pensamentos vagavam sem repousar.
Na rádio do carro tocava "quelqu'un m'a dit", e acho que todas as pessoas deveriam ver a vida passar na janela do carro ouvindo essa canção. Eu certamente estava em outro mundo... até o Luige chacoalhar meu braço pra avisar que estávamos chegando. Ele não parecia estar em um dia bom, porque algumas horas antes de entrarmos no carro, o cara que ele estava saindo ligou informando que não poderia mais ir à peça de teatro que o Luige tinha comprado para eles irem assistir há mais de um mês.
Quando chegamos ao aeroporto, meu coração começou a apertar. A Grazi estava lá junto com a Kiara na frente do estacionamento nos esperando.
Eu pensei que mesmo com tanto tempo longe dos meus pais e amigos, já soubesse lidar bem com despedidas, embora ache que isso vai melhorando com o tempo. Depois que a gente cresce, entende que as coisas são como são. E que chorar não faz as coisas moverem de lugar.
Mas logo que subimos para o local do embarque, vi o Luigi secando os olhos com sua camisa amarela cor de mostarda. Em um ano a gente tinha mesmo criado uma conexão inexplicável. Abracei-o com lágrimas e disse o quanto ele era importante pra mim. E depois, com uma voz sutilmente melancólica, ele sussurrou em meu ouvido.
— Eu amo você. Espero que curta muito suas férias e que não esqueça de me ligar sempre... — Disse ele me apertando como se já sentisse saudade.
Depois de abraços e palavras carinhosas de despedida que as pessoas sempre dizem, o som do aeroporto anunciava que o meu voo já iria sair.
Entreguei a passagem e olhei uma última vez para os três, que agora já estavam mais afastados de mim, e segui pelo corredor até chegar na minha poltrona.
Entrar em qualquer meio de transporte que leve pra um lugar longe de casa por um tempo consideravelmente longo, sempre me faz imaginar nas possíveis coisas que eu nem faço ideia que me acontecerão. Mesmo que, por um curto período de tempo, a gente é capaz de se tornar alguém diferente.Mandei mensagem para minha mãe avisando que já tinha decolado, e ela me disse que iria me buscar com meu o pai, a Júlia, minha melhor amiga desde a infância e o Gael, o amigo mais incrível que conheci na época da faculdade. Eu não poderia estar em companhias melhores. Apesar de ainda ter mais alguns amigos no Brasil, eles dois são um dos mais importantes para mim.
Passamos por uma turbulência com três horas de voo. As aeromoças com certeza já haviam perdido a paciência com tanta gente berrando achando que iríamos todos morrer. Eu não costumo ter medo de quase nada. Pra falar a verdade, acho que deveria ter um pouco mais de medo. Mas eu não consigo. Acho que o medo me impede de viver as coisas que eu quero, então eu simplesmente ignoro quase todas as vezes que o sinto.
Não tive tempo de montar uma playlist com as canções que provavelmente marcariam aquele momento, então deixei que o aleatório fizesse isso. E por incrível que pareça, a primeira música que começou a tocar foi "Coração Selvagem" do Belchior.Acho que dormi quase o voo inteiro, porque quando me dei conta, uma senhorinha sentada ao meu lado me acordou pra dizer que já tínhamos chegado.
São Paulo continuava a mesma coisa. As pessoas sempre apressadas e com caras impacientes.
Ok. Eram 7h da manhã. Ninguém está feliz às 7h da manhã.Andei pelo imenso aeroporto de São Paulo tentando achá-los. Um ano fora do Brasil foi o suficiente para esquecer de como andar por aqui. Quando finalmente os achei, pude ver o meu pai sendo o primeiro a se derramar em lágrimas. Meu pai é canceriano. E A minha mãe, que por sinal, é muito mais fria, olhou para ele caçoando.
— Sentimos tanta saudade...! - Disseram.
A Júlia tinha cortado o cabelo no ombro, mas continuou com o seu castanho escuro brilhante. O Gael fez três novas tatuagens e a minha mãe e o meu pai... permaneciam os mesmos. Às vezes não entendo como é estranho a sensação de voltar pra casa. Sentia isso mesmo quando ia passar alguns dias viajando com meus amigos. Sabia que, quando chegasse em casa, o meu pai teria arrumado o meu quarto e deixado um chocolate em cima da cômoda, e quando não era isso, simplesmente pedíamos pizza de marguerita quando ficava de noite. Eu nunca tinha passado tanto tempo longe de casa e, talvez por isso, era a primeira vez que as coisas, tirando meus pais, de fato estavam diferentes, porque assim que cheguei em casa, parecia que tudo tinha mudado. Os papéis de parede da sala foram trocados por tons pastéis, a minha cama estava virada para janela, para ter espaço de ocupar as coisas que não se tinha onde guardar e a pizzaria que costumávamos pedir pizza, havia fechado.
Passamos o final da noite conversando... meus pais logo subiram porque tinham trabalhado o dia inteiro com um evento dentro no restaurante. Mas, mesmo assim, estava feliz em estar com a Júlia e com o Gael. A gente tem assunto pra noite inteira... e percebi como era bom vê-los tão mais maduros e decididos desde o ano que estive aqui. O mesmo disseram para mim. E quando ficou bem tarde, eles foram embora, e eu pude tomar banho e deitar na minha cama, revivendo algumas memórias do meu dia até cair no sono...
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Todas As Dimensões De Amar
Ficción histórica- ROMANCE - Cecília, uma brasileira, artista plástica e publicitária, que atualmente mora em Veneza. Cheia de sonhos, gosta de conhecer lugares e pessoas novas para ganhar inspirações para suas pinturas. Com um ano trabalhando duro para conseguir u...