Você pode pegar outra cerveja pra mim?

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PEDRO É VIADINHO DÁ A BUNDA E FAZ VÍDEO PRA INTERNET


     Era isso o que estava escrito na parede. Havia também o desenho-grafite de um veado. Um veado que tinha uma galhada tão longa que chegava ao teto do banheiro. Uma coisa escrota. Uma bosta. Não demorou muito e o professor Ernesto apareceu, gritando, mandando todo mundo voltar pras salas. Na sala, a carteira do Pedro estava vazia. Rodrigo disse que o viu ir embora no carro do pai. Torci, de verdade, pra que aquele fosse o último dia do Pedro na escola. Eu não aguentaria continuar assistindo por muito tempo o que estava acontecendo com ele. Acho foda perseguir alguém só porque a pessoa é diferente.

     — Na verdade, é mais grave do que parece, Bruno. — Aninha dizia isso enquanto voltávamos pra casa, depois da aula — O Pedro curte homem. Ok. A escola toda ficou sabendo disso. Ok. Mas vocês já pararam pra pensar que provavelmente o que a gente viu no vídeo foi abuso sexual?

     — Para com isso. Para de falar essas coisas, Ana. — Rô protestou.

     — Mas ela tá certa, Rô. Se o outro cara no vídeo for mesmo o professor Marcelo, tudo isso pode ser enquadrado como estupro, eu acho.

     — Por quê?

     — Porque o Pedro tem quinze anos e o Marcelo deve ter quase o dobro da idade dele. — Aninha abaixou o olhar, pensativa — Li isso na internet. Se for constatado que teve algum tipo de violência, até mesmo psicológica, o professor Marcelo pode ser incriminado.

     — Sei lá. No vídeo, não parecia algo forçado. Basicamente, o Pedro parecia estar bem à vontade, vocês não acham?

     — Ai, Rô. Você não entende mesmo. — Disse Ana, dando uma tapinha na cabeça do Rodrigo.

     — O que não entendo é porque ele, o Pedro, mesmo depois de tudo, decidiu aparecer na escola. No lugar dele, eu sumiria. — Digo.

     — Que saco! Por que a gente não tá falando sobre outra coisa?! Vamo esquecer essa porra toda que tá acontecendo.

     O Rô tinha razão. Aquele era um assunto pesado e, por algum motivo, eu ainda não sabia por que, me fazia muito mal. Aceitamos a sugestão e deixamos de lado toda aquela história. Quando cheguei em casa, esbarrei com meu pai. Estava de saída, carregando uma mala. Perguntei se iria viajar. Ele não respondeu à pergunta. Apenas pediu que eu lembrasse a mãe que ela deveria tomar os remédios na hora certa. Meu pai entrou no carro e, antes de partir, pediu que eu me aproximasse da janela. Me aproximei. Ele me deu um beijo na testa e disse que depois ligaria pra ver se estávamos bem. Não me deu tempo de falar nada.

     Entrei em casa. Minha mãe estava deitada no sofá, assistindo TV. Ainda usava camisola, embora já passava das treze horas. A sala fedia a fumaça de cigarro. Quando me viu, não se moveu. Apenas pediu que eu fosse pra cozinha e lhe trouxesse uma cerveja. Foi o que fiz. Depois me sentei no sofá, e minha mãe deitou sua cabeça sobre as minhas pernas. Ela sorriu, triste. Abriu a latinha de cerveja e se sujou enquanto bebia. O líquido amarelo escorrendo pela bochecha. Eu a limpei com a manga da minha jaqueta.

     — Coloca uma música pra gente ouvir, Bruno. 

     — O que a senhora quer ouvir?

     — Qualquer uma que você goste.

     Abri minha playlist de música bad e dei play em "Break My Broken Heart", da Winona Oak. Minha mãe fechou os olhos, ainda sorrindo.

     — Como foi na escola hoje?

     Pensei antes de responder.

     — Como sempre.

     Lágrimas escorreram pelo seu rosto.

     — Quer uma música mais animada, mãe?

     — Não. Essa tá ótima.

     — Mas é que a senhora já tá bem triste.

     — Não tô, Bruno.

     — E essas lágrimas?

     — Que lágrimas?

     Eu entendi. Ela não queria falar sobre o que tinha acontecido. Achei melhor ficar em silêncio, curtindo a Winona.

     — Mãe, — Quebrei o silêncio depois de alguns minutos — a senhora se lembra da dona Luiza?

     — Hm?

     — Quando eu era pivete, eu brincava com o filho dela. A senhora não lembra? Eles passavam os domingos aqui em casa.

     — Não lembro.

     — Eles eram da Bahia...

     — Não sei de quem você tá falando, Bruno.

     — Ah, então esquece.

     — Por que a pergunta?

     — O filho dela agora estuda comigo.

     — Vocês são amigos?

     — Não. Ele é muito na dele.

     — Ele era um menininho lindo. Muito educado.

     — Então a senhora lembra?

     — Agora que você falou, sim.

     — E por que eles pararam de vir aqui?

     — Já faz muito tempo, Bruno. Eu não lembro.

     — A senhora e a dona Luiza brigaram?

     — Não. Nós nos dávamos bem. — O semblante de minha mãe mudou, como se ela tivesse repentinamente se lembrado de alguma coisa. — O problema era o seu pai, Bruno.

     — A senhora tá querendo dizer que o pai teve problema com dona Luiza?

     — Na verdade, ele tinha problema com o menino.

     — O Pedro?!

     — Ele achava o menino afeminado. Não queria que fosse seu amigo.

     — Mas o Pedro só devia ter uns sete, oito anos...

     — Sabe como é o seu pai, Bruno.

     — Ele impediu o Pedro e a mãe dele de virem aqui pra casa?

     — Ele não precisou fazer isso. A Luiza flagrou o Ricardo falando merda. Ela ouviu ele chamar o filho dela de...

     — Porra. Do que o pai chamou o Pedro?

     — Ah, Bruno. Você sabe.

     — De viadinho, mãe? Uma criança de sete anos?!

     — O seu pai sempre foi desse jeito.

     — Preconceituoso?

     — Ruim. O Ricardo é ruim, Bruno... — Ela respirou fundo — Você pode pegar outra cerveja pra mim?

Tá tudo bem, PedroOnde histórias criam vida. Descubra agora