Algo definitivo

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     — Você não cansa de me perseguir?

     Pedro não disfarçou o incômodo de me ver chegando ali, em frente ao prédio onde morava o professor Marcelo.

     — É que eu me preocupo, Pedro.

     — Não acho que deveria se preocupar tanto.

     — Você tá plantado aqui desde a hora que saiu da escola?

     — Bruno, preciso ser sincero. Achei bem legal quando você me procurou pra me dar apoio. Foi a atitude mais empática que alguém já teve comigo naquela escola. Reconheço. Mas não fica monitorando cada passou meu. Descansa. Dá um tempo.

     — Sério isso, Pedro?!

     — Sério. Vai embora.

     — Não vou.

     — Qual é a tua, Bruno? — Pedro tava realmente irritado — Não entendo essa proteção toda. É peso na consciência por ter um pai babaca? Se for isso, desencana. Não ligo pro teu pai. É isso, né? Ou é outra coisa? Sei lá. Não entendo.

     — Para de besteira. Vamo embora daqui.

     — Meu pai te ligou, né?

     — Ligou. E é por isso que tô aqui. Se você não quiser que eu me meta em nada disso, não me envolve nas mentiras que tu diz pro teu pai.

     — Pode deixar. Na próxima vez que eu for mentir, conto que fui estudar com o Jean.

     Outra coisa que eu acabava de descobrir sobre o Pedro. Quando tava irritado, ele partia pra ironia.

     — É bem triste te ver nessa situação, pra ser sincero.

     — Que situação?

     — Desesperado. Aí plantado na frente do prédio. O professor Marcelo não fala mais com você, né?

     — Cala a boca, Bruno.

     — Se vocês se falassem, você estaria lá dentro da casa dele agora. Ou tô enganado?

     Pedro abaixou a cabeça.

     — Ele me bloqueou em tudo...

     — Então, porra. Vamo embora daqui.

     — Você não sabe de nada.

     — Qual o seu plano? O que tá pensando em fazer? Ficar parado aqui até ele, sei lá, decidir sair pra ir pro supermercado? Loucura, cara.

     — Você não entende. O Marcelo... eu acho... não sei... talvez ele esteja com medo de se aproximar... eu preciso... sei lá... falar com ele, mostrar que tá tudo bem. Preciso dizer a ele que tô disposto a desmentir todo mundo. Ele não é um predador como a Ana falou.

     — Pedro, bicho...

     — Me faz esse favor, Bruno. Vai embora.

     — Eu vou. Mas me promete uma coisa. Promete que vai me mandar uma mensagem pra dizer que tá tudo bem.

     — Prometo.

     — Em, no máximo, uma hora.

     — Combinado.

     O Pedro tava irredutível. Por isso, menti. Em vez de ir embora, fiquei na esquina. Me certifiquei de que ele não podia me ver. Mas eu, claro, via tudo. Depois de dez minutos, Pedro cansou de esperar em pé. Ele se sentou na calçada, atrás de um carro. Bem depois disso, vi o professor Marcelo sair pela portaria do prédio. Ele vestia uma regata e uma calça esportiva. Tava indo correr. Pedro se levantou, mas não abordou o Marcelo. Foi aí que a perseguição começou. Uma coisa meio cão, gato e rato. Eu atrás do Pedro. O Pedro atrás do professor Marcelo. Chegamos num ponto onde tudo era só árvore. O parque municipal. Pedro já devia saber que o Marcelo gostava de correr por ali.

     Tava cada vez mais difícil não perder os dois de vista. A trilha cada vez mais fechada. Eu não podia chegar tão perto porque tinha o risco de ser visto. Tanta árvore que, olhando pra cima, nem dava pra ver o céu. Teve uma hora que caí. Tropecei em uma raiz. Ou alguma pedra. O lugar era cheio de pedras.

     — O que é que você tá fazendo aqui?

     Me fodi, pensei. Mas depois vi que a pergunta não era pra mim.

     — Você não atendia as ligações. Nem respondia as minhas mensagens.

     Engatinhei para trás de uma das pedras maiores. Eu ainda não tinha sido pego. E queria me manter assim.

     — Você não entende que, se alguém vê a gente junto, a coisa vai se complicar ainda mais pra mim?

     — Eu não sabia mais o que fazer, Marcelo.

     — A gente não pode continuar com isso.

     — Então é assim? Você desiste?

     — Você sabia que a sua mãe me procurou? Ela disse que me denunciaria, Pedro.

     — Não importa. Falo com a polícia. Digo que é mentira.

     — Pedro, ela tem provas.

     — Provas?

     — Os seus pais têm todas as nossas conversas. Conversas recentes e de quatros anos atrás.

     Pedro abraçou o Marcelo. O professor não devolveu o abraço.

     — E daí? A polícia vai ver que você sempre foi bom comigo.

     Marcelo afastou o Pedro.

     — Pedro, por favor.

     — Não tem mesmo nada que eu possa fazer?

     O professor Marcelo abaixou a cabeça e a balançou negativamente. Mas aí, de repente, alguma coisa mudou em seu rosto. Era como se ele tivesse tido uma ideia.

     — Os seus pais gostam muito de você. Você não pode usar isso?

     — Não sei se entendi, Marcelo.

     — Entendeu, sim.

     — Você quer que eu ameace fugir de casa?

     — Isso não vai ser o suficiente. Pensa em algo melhor.

     — Não sei.

     — Você sabe. Você é inteligente. Fugir de casa não seria algo... definitivo.

     — Algo definitivo, Marcelo?

     — Você me ama, Pedro?

     — Amo.

     — Então diz pros seus pais que vai se matar se eles me denunciarem.

Tá tudo bem, PedroOnde histórias criam vida. Descubra agora