Gerard não queria pensar na lista de coisas que gostava de fazer que Frank havia pedido, não queria fazer esse exercício. Mas o irritante era que, quanto menos ele queria pensar nela, mais pensava. Havia se lembrado da lista quando chegou em casa e sua mãe o recebeu com um copo de macchiato do Starbucks, e essa era uma das coisas que mais gostava de fazer no mundo: tomar café. Havia se lembrado dela quando Mikey apareceu dizendo que tinha comprado um livro novo que Gerard ia gostar de ouvir: ele não podia ler e odiava isso, mas gostava de ouvir seu irmão lendo. Havia pensado na porcaria da lista enquanto Kristin, a namorada de Mikey, conversava com ele sobre as séries da Disney: ele achava besta, não era sua vibe, mas ela falava com tanto entusiasmo que ele se divertia.
E depois Gerard começou a ficar realmente bravo. Ele gostava de escrever, mas não conseguia enxergar e ainda não dominava o braile o suficiente para usar um notetaker ou uma máquina de escrever. Amava desenhar e pintar, mas se sentia ridículo por não ser capaz de passar para o papel as coisas que imaginava. Gostava de filmes de terror, mas não se lembrava mais da última vez que havia conseguido assistir um. Gostava de passear no parque perto da sua casa, mas ninguém nunca o deixava ir sozinho.
Se a intenção de Frank era fazer com que Gerard se sentisse melhor, bom... o tiro saiu pela culatra. Tudo que conseguia sentir era ódio, rancor e tristeza, ele era tão patético e tão miserável. O pobre garoto que havia perdido a visão aos poucos por uma doença que não dava trégua, que não respondia bem aos tratamentos e que o fazia se achar a pior pessoa do mundo. A droga da ambliopia e o seu cérebro defeituoso. Qual era o problema dele, no fim das contas? Por que ele não podia simplesmente ter miopia, como Mikey, ou até a porcaria da catarata do pai? Qualquer outra doença que respondesse bem aos remédios ou que pudesse ser corrigido...
Mas não, ele era Gerard Arthur Way. E tudo de ruim sempre acontecia com ele.
Foi uma verdadeira batalha entrar naquele uber para a próxima consulta, na semana seguinte. Ele não queria ir, não queria voltar nunca mais. Não queria ouvir a voz calma e paciente de Frank. Não queria ser alguém digno de pena dentro de um consultório monótono e frio.
Ele não queria nada disso, mas sua família não o deixava em paz. E as coisas haviam piorado muito depois do incidente de semanas atrás, quando Gerard teve a brilhante ideia de se entupir de remédios controlados. Parecia tão mais fácil. Desde então ele tinha que lidar com alguém no seu encalço vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana; não havia mais privacidade, sua mãe fazia questão de ficar o tempo todo ao seu lado, tagarelando sobre qualquer coisa, e quando ela não podia estar presente ainda tinha Elena, Donald, Mikey, Kristin... A corja inteira dos Way's e agregados. Era irritante.
Mikey teve que ameaçar cortar a leitura de livros para que Gerard finalmente entrasse no maldito carro e fosse para a clínica, e ele queria matar o irmão por isso. Não era como se Gerard não gostasse de sair de casa, pelo contrário: às vezes ele sonhava que estava em um parque, andando sem a ajuda de Michael e sem a guia, simplemente... andando. Caminhando sozinho, enxergando a grama molhada, os pássaros e o movimento das pessoas. E então acordava chorando.
Por que não podia ser real?
Gerard gostava mais de pesadelos, de sonhar com zumbis correndo atrás dele e com vampiros querendo sugar o seu sangue. Sonhar coisas boas significava vislumbrar o que ele não podia ter, e isso era muito pior do que qualquer massacre da serra elétrica.
― Gee? Gerard? Terra chamando mundo da lua, vem. - Seu irmão cortou seus pensamentos autodepreciativos. Ele não entendia como a voz de Mikey podia ser ao mesmo tempo a coisa que mais amava e odiava no mundo. Maldito Mikey. - Chegamos, você quer abrir o bastão guia para sair do carro?
VOCÊ ESTÁ LENDO
BLIND
FanfictionGerard vem de uma família de pessoas com problemas de visão. Seu irmão mais novo, Michael, sofre com a miopia e usa óculos de lentes grossas desde criança. A ele, entretanto, veio a ambliopia, uma doença causada pela deficiência do desenvolvimento n...