1. Ichi

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"Um"

Isla

Estava frio para um caralho que só Deus poderia explicar.

Até mesmo Mika colocou luvas. E Mika era russo. Nicolas já havia se despedido e esperava seu voo de volta para algum país que ele não havia me falado qual era. E agora um motorista me cumprimentava com um aceno de cabeça, de forma respeitosa.

Ele era japonês, como era óbvio, e dirigia o carro da embaixada do Reino Unido. Tinha uma bandeirinha bem estilosa do lado do capô do carro, o que fazia bastante gente olhar para mim.

Como se o fato de meus olhos não serem puxados já não chamasse atenção o suficiente. E meu cabelo. E o nariz pontudo perfeito por conta de uma plástica que eu tinha feito.

Nem tudo os genes naturais podem comprar, não é mesmo?

Algumas pessoas também olhavam para Mika, mas ele conseguia disfarçar melhor que não era japonês. Os cabelos escuros ajudavam. Tudo bem que o rosto frio, calculista e ranzinza facilitavam o destaque dele entre os japoneses.

O motorista se apresentou, seu nome era Ashikaga Fumihiro e ele estaria nos acompanhando até o prédio em que eu estaria morando. Cinquenta andares e uma cobertura, eu estaria no quarenta e sete. O bairro se chamava Minato, com um sotaque estranho que eu não esperava. Ashikaga era o sobrenome da família. Fumihiro era seu primeiro nome, se a escrita fosse ocidental. Mas não estávamos mais no ocidente.

Eu já tinha visto uma foto do apartamento, de como seria meu quarto e da vista dele. Sabia como se escrevia o nome do bairro tanto em japonês quanto com a escrita ocidental. Sabia qual era a distância de meu apartamento até a embaixada e sabia qual a distância da embaixada e do apartamento até a faculdade que havia feito inscrições de transferência.

Ao contrário da tramitação comum, minha inscrição passou por cima de algumas outras. Não porque eu era alguém especial e muito menos por ser filha de um diplomata, mas porque meu nome não poderia ficar no sistema por mais tempo que o necessário e porque eu estava sob proteção da Interpol. Esse tipo de informação é levada à secretaria da faculdade em que peço a transferência, por um agente, que agiliza essa análise de meus documentos e submissões, assim como solicitações.

Olhei em volta na rua, observando tantas informações em uma língua que inclusive não utilizava a mesma forma de escrita que a minha, que cheguei a ficar com dor de cabeça.

Respirei bem fundo, agradeci — em inglês — o motorista, e entrei no banco do passageiro traseiro. Minha garganta estava travada por conta do enjoo e da confusão, como eu nunca havia me sentido. Era bastante incomodo.

Eu estava dentro de um carro sedan, como eu estava acostumada. Isso fez com que meu corpo relaxasse um pouco. Era caro, tinha estofado de couro com cheiro de limpeza, apesar de não ser novo. Também tinha uma divisória entre os dois bancos traseiros, com espaço o suficiente para uma pasta de documentos ser colocada ali, e o banco ao meu lado — que meu pai ocupava quando viajávamos juntos — estava vazio. Mika sentou no banco da frente, com o motorista guardando as malas no bagageiro, tranquilo ao dar a volta no carro.

Ao contrário de meu pai, no banco estavam minhas gatas, dentro de suas casinhas de transporte. Eram duplas e se prendiam se conectadas, como estavam no momento, mas desconectávamos a dupla para voos internacionais para melhor identificação de quem era quem. As duas cochilavam, parecendo incomodadas e chateadas, mas não era a primeira vez que eram dopadas para viajar internacionalmente. Eu tinha adotado elas na Rússia, então o Japão era seu terceiro país.

Segredos Que Nunca Contaríamos (Trem Errado #1)Onde histórias criam vida. Descubra agora