Terceiro Século - Filhos da Escuridão

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Para Lucian, a escuridão era sua casa, seu território. Desde que tinha nascido ele e todos os outros ao seu redor viviam na escuridão das tocas. Há muito tempo a luz deixara de brilhar lá em baixo, os forçando a se adaptar a um novo mundo.

Lucian ainda se lembrava de quando era menor, uma pequena criança que não entendia os seus arredores e se sentava com os outros para ouvir o pai de seu pai contando as histórias que o pai do pai dele tinha contado quando ele era a criança pequena e confusa.

O pai de seu pai sempre começava contando sobre o tempo antes da escuridão, o tempo antes dos antepassados deles irem viver nas tocas quando eles viviam na superfície, uma vastidão sem limites iluminada pelos astros que brilhavam no céu. O que quer que essas coisas fossem.

Ali em baixo só existia a escuridão, eterna e profunda, engolindo tudo e todos.

Mas as histórias sempre continuavam. O pai de seu pai falava sobre um povo antigo e sábio que ergueu gigantescas cidades que cobriam a terra até além de onde os olhos conseguiam ver. Ele falava de um mundo repleto de cores e vida, com animais e luzes para todos os lados. Ele contava sobre o dia e a noite. Sobre o sol e a lua, sobre as estrelas.

Mas falar das estrelas era lembrar dos Povo das Estrelas, aqueles que vieram depois, aqueles que destruíram o mundo na superfície forçando os poucos deles que tinham sobrevivido a se esconder nas tocas, a viver no escuro, sufocando por anos e mais anos.

O pai de seu pai sempre contava que no início as coisas não eram assim. A toca onde viviam era diferente. Repleta de luz e vida apesar de estarem se escondendo para continuar vivendo. Tudo parecia estar indo perfeitamente bem, todos sentiam saudade da superfície, de sentir o calor no sol na pele e a brisa da noite nos cabelos, mas estavam conformados em estar ali, em viver para ver um outro dia.

Foi então que aconteceu, o grande tremor que abalou a toca e jogou todos eles no reino das trevas. As luzes desapareceram para sempre e eles foram forçados a se adaptar a uma nova realidade onde a escuridão reinava.

Tudo tinha acontecido quando o pai de seu pai era uma criança pequena, muito antes do pai de Lucian nascer. Para a geração do velho homem que contava as histórias para as crianças, a vida tinha sido difícil e tinha demorado muito, muito tempo para que eles se adaptassem as trevas que os cercavam, mas para as gerações que vieram depois as coisas foram mais calmas, mas naturais.

Todos se adaptaram bem a falta de luz, já que para eles o mundo sempre foi assim, cercado pela escuridão. Conforme cresciam, outros sentidos foram se fortalecendo para suprir a falta da visão que tanto influenciou a vida daqueles que vieram antes.

Lucian, mesmo sentado sem ver nada ao seu redor com seus olhos, conseguia enxergar perfeitamente aqueles que estavam ouvindo a história do velho homem. Ele ouvia a voz cansada e rouca do pai de seu pai poucos passos à sua direita. A respiração pesada de Gustavo sentado no chão atrás dele e a suave de Paola do outro lado do círculo que cercava o pai de seu pai.

Ele podia sentir o cheiro característico de cada um se somando aos sons próprios que todos faziam. Isso lhe dava uma imagem mental de onde e como cada um daqueles ao redor dele estavam.

Mas esse era um talento que aqueles de sua geração possuíam. Uma característica que o pai de seu pai e outros como ele nunca conseguiriam.

Hoje, muito tempo depois daquela época, em um dia no qual o pai de seu pai não vivia mais, ele caminhava pelas galerias da toca, sabendo onde pisar e desviando de irregularidades que poderiam fazer ele tropeçar e se machucar.

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