Quinto Século - Ascensão

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Dentro de uma gigantesca tenta que sacolejava sutilmente ao mover do Verme Octópode que a sustentava em suas costas, um grupo de mulheres estava reunido. Em sua maioria, eram mulheres usando grandes e pesados mantos para se protegerem dos fortes ventos e da areia das vastas planícies das Terras Vermelhas, mas algumas delas estavam trajando armaduras de couro flexível que delineavam as curvas de seus corpos.

Sentada no centro desse grupo de mulheres, largada sobre vários tapetes de peles e almofadas macias, estava uma jovem mulher de vinte e poucos anos. Pele vermelha clara, cabelos negros e lisos até o centro das costas. Um tipo de cabelo raramente visto pelos habitantes daqueles tempos, já que a falta de água e produtos de limpeza dificultava que as pessoas conseguissem manter um penteado como aquele.

- Minha Princesa, é perigoso irmos até a Capital - uma mulher mais velha, de pele enrugada, cabeça raspada e pele vermelha escura falou ajoelhando-se diante da jovem. – Nossos informantes sacrificaram muito para conseguir trazer a notícia da morte do Imperador e do Príncipe Herdeiro. Se formos para a Capital, entraremos na luta pelo poder entre os outros Príncipes e o Conselho Regente.

A mulher mais jovem deu um olhar demorado na mais velha, fumando de seu cachimbo com tranquilidade e expelindo um pouco de fumaça no interior da tenta.

- Sazar ainda não teve sua criança? – Ela perguntou para uma outra mulher mais velha trajando roupas laranjas pesadas.

- Ainda em trabalho de parto, minha Senhora.

- E quanto...

- Minha Princesa! – A voz da mulher de pele vermelha escura se ergueu, fazendo com que todas as mulheres na tenda arfassem surpresas pela ousadia. Mas a mais jovem nem mesmo piscou enquanto continuava fumando e observando a mulher mais velha diante dela.

- Não sou uma princesa, Galatari – ela falou por fim com um sorriso triste e resignado. – Sou filha do Imperador, mas uma filha bastarda, tida com uma de suas Generais anos atrás. A guerra civil pelo trono do Império pouco me importa.

- Mas Galatari fala com razão, minha Senhora – a mulher que tinha respondido sua pergunta antes se pronunciou a favor da companheira careca. – Por mais que a Senhora não se considere digna do Trono, ainda possui o Sangue do Unificador em suas veias e isso para alguns pode ser mais do que o suficiente para ser uma ameaça.

Um muxoxo desdenhoso escapou dos lábios da jovem enquanto voltava sua atenção para seu cachimbo. As mulheres mais velhas trocaram olhares preocupados, tanto com a segurança da jovem, quanto com a delas mesmo. Ao longe, o choro de uma criança foi carregado pelo vento, gerando sussurros animados nas mulheres presentes.

- Parece que Sazar finalmente teve sua criança – alguém falou um pouco mais alto, fazendo com que muitas mulheres fizessem o símbolo da Vida em comemoração.

De repente uma menina, com pouco mais de dez anos entrou apressadamente na tenda, congelando diante dos olhares de todas as mulheres mais velhas presentes no interior. Ela avançou timidamente, de cabeça baixa e se ajoelhou diante da jovem que fumava, curvando sua cabeça até que tocasse respeitosamente nos tapetes.

- Algo de errado? – A jovem perguntou largando o cachimbo em um potinho.

A criança hesitou, ainda sem ousar erguer a cabeça e as mulheres em volta ficaram aflitas, sabendo que algo de errado tinha acontecido com a criança de Sazar.

- Escamas minha Senhora – a criança respondeu com a voz tremula e as mulheres em volta recuaram com horror enquanto arfavam assustadas.

A jovem trocou um olhar com Galatari e franziu a testa. Aquela era a segunda criança nascida na caravana que portava a doença de pele das Escamas. Quando criança, a doença era pouco mais do que pequenas escamas espalhadas esporadicamente pelo corpo, mas conforme a criança crescia, as escamas se espalhavam tomando boa parte do corpo da pessoa.

- Esses são tempos amaldiçoados com escamados nascendo a cada momento e a morte do Imperador – uma mulher bem velha grasnou do canto.

- Pobre Sazar. Deve doer ter que sacrificar seu filho logo após seu nascimento – Galatari comentou pesarosamente.

Aquele comentário despertou algo na jovem sentada no centro da tenda. Ela sabia que muitas pessoas chamavam os escamados de amaldiçoados, fontes de azar que foram recusados pelas Divindades, mas a jovem não acreditava nessas coisas. Ela tinha visto um homem trabalhar por anos sem problema algum até que descobriram que seu braço esquerdo era coberto de escamas e o espancaram até a morte por puro medo do estranho, do diferente e desconhecido.

- Deixem Sazar e sua criança em paz – antes que percebesse, ela já estava dando a ordem, causando espanto e estranhamento nas pessoas em volta.

- Minha Senhora, será cruel demais deixar a criança viver...

Uma mulher tentou argumentar, mas foi silenciada diante do olhar de Galatari.

- Minha Princesa, podemos deixá-los em paz durante a viagem, mas ao chegarmos na cidade, somente a morte aguarda a criança. E a Sazar se ela se apegar demais.

- E qual o problema em uma mãe se apegar a sua criança? – Ela perguntou se levantando e em resposta, todas as mulheres na sala se levantaram, até mesmo a menina que tinha trazido a notícia. – Pronto, vocês queriam que eu fizesse algo, não é mesmo? Queriam que eu não fosse para a Capital, que não me envolvesse na guerra civil entre meus meios-irmãos e o Conselho Regentes. Ótimo, que fique avisado que essa caravana seguira independente deste dia em diante sobre o meu comando. E aqueles que se oporem a esse decreto, que sigam suas vidas pelas Terras Vermelhas. – Ela fez uma pausa e olhou furiosamente em volta. – Alguma de vocês contesta minhas ordens?

- Jamais, minha Senhora! – Todas as mulheres se curvaram respeitosamente diante da jovem. Elas sabiam que uma nova era se aproximava das Terras Vermelhas.

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