Quarto Século - Primeiros Canibais

4 3 0
                                    

As Terras Vermelhas se estendiam em todas as direções, marcadas pelas montanhas tão escuras quanto a noite. Pedaços rochosos completamente queimados que brotava do chão e tentava esfaquear o céu sem nuvens.

Escondidos dentro de uma grande rachadura no solo seco, um pequeno grupo, bem maltrapilho, se escondia e esperava pela presa que passaria por ali. O líder daquele grupo era um homem alto, de ombros largos e ossudos, coberto por um colete remendado de couro, tecido e peles, presos por pequenos pedaços de ossos.

Aquele era Nean, um dos mais antigos membros do grupo. Ele e alguns outros tinham sido parte da mesma caravana antes de serem jogados nas terras vermelhas por uma forte tempestade de areia muito tempo atrás.

Nean ainda chocava-se quando deitava para descansar e percebia a situação em que estava. Ele tinha sido um condutor de um Verme Octópode, responsável por fazer a criatura seguir junto as outras dentro da caravana enquanto sua tribo nômade viajava de um ponto a outro daquelas terras devastadas pelos Antigos.

Mas tudo mudou quando eles foram pegos de repente pela tempestade de areia. Os ventos fortes rasgaram as tendas sobre os Vermes, abriram cortes sangrentos nas peles daqueles que ficaram expostos e jogaram para a vastidão das terras vermelhas os desafortunados como ele que não conseguiram se segurar em algo a tempo.

Os dias seguintes foram de sofrimento e desespero enquanto Nean e seus companheiros tentavam seguir o rastro da caravana e evitar possíveis predadores. Infelizmente, eles nunca alcançaram seu povo, sucumbindo um a um ao cansaço e a exaustão combinadas com a fome e a sede.

Quase duas semanas depois, quando somente Nean e mais cinco ainda estavam de pé, eles cometeram um ato que seria considerável vil e desumano por seus companheiros de tribo, mas era seguir pelo caminho sombrio que se abria diante deles, ou perecer lentamente no esquecimento.

Nean ainda lembrava-se daquele momento quando Celio caiu sem forças enquanto eles continuavam seguindo na mesma direção que a caravana deveria ter seguido. Por um momento o grupo continuou avançando, sem forças para com o companheiro caído até que Fabio virou-se, cambaleando até onde Celio tinha caído.

Por curiosidade, Nean virou-se para ver o que Fabio iria fazer. Foi quando seus olhos se arregalaram ao ver uma faca entrar em ação e abrir a garganta de Celio, fazendo com que o sangue escorresse rapidamente.

Fabio colocou seu cantil de couro sob a abertura do corte e começou a recolher o sangue que escorria. Nean ficou em choque, sem palavras para a maneira como Fabio tinha matado Celio e todos os seus pensamentos desapareciam cada vez mais rápido diante da visão do sangue escorrendo para fora do corte. Todo aquele liquido vermelho.

Sem pensar, ele lambeu os lábios, sentindo em seu interior uma mistura de fome e repulsa. Naquele momento ele pensou que talvez estivesse delirando por causa do calor, da fome, da sede e do cansaço, mas quando a noite caiu e ele se juntou aos outros para comer os pedaços de carne de Celio e beber de seu sangue, ele percebeu que não era um delírio e sim sua vontade de sobreviver falando mais forte.

Depois daquela noite o grupo deles mudou de peregrinos famintos e desesperados para caçadores desesperados. Eles se jogaram na noite, caçando qualquer animal que surgisse no caminho deles, fosse predador ou presa. Se algum deles morresse, isso só significava que eles teriam mais comida para levar.

Quando encontraram um pequeno assentamento, eles se aproximaram tentando negociar algo para a sobrevivência deles, mas ao verem o estado e a aparência selvagem deles, o povo daquele assentamento se recusou a recebe-los.

Movido pela fúria, Fabio instigou todos a voltarem para o assentamento na calada da noite. Eles mataram aqueles que resistiram e deram aos outros a opção de se juntarem a eles ou aos parentes mortos. Alguns preferiram morrer, mas outros escolheram continuar vivendo, mesmo que para isso tivessem que comer da carne de um parente.

E foi assim que o grupo deles foi crescendo, se movendo pelas Terras Vermelhas, engolindo assentamentos pequenos e se afastando dos maiores por medo de serem vistos como ameaças e atacados.

Um dia, meses depois de terem entrado naquele caminho, Gazeli, uma mulher de um pequeno assentamento que tinha escolhido se juntar a eles comentou que existia um nome para pessoas como eles. Um termo dos Antigos que era usado quando alguém ou algo devorava aqueles da mesma espécie.

Eles eram Canibais, os primeiros que caminhavam pelas Terras Vermelhas.



Um pequeno conto sobre o inicio do Quarto Século. Explicando como surgiram os primeiros Canibais nas Terras Vermelhas.

Contos das Terras VermelhasOnde histórias criam vida. Descubra agora