Um chá com a senhora Douglas

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Na noite da primeira quinta-feira após a chegada de Anne a Valley Road, Janet convidou-a para acompanhá-la à reunião de oração e ela florescia como uma rosa quando participava dessas reuniões. Usava um vestido de musselina azul pálido, salpicado se amores-perfeitos bordados e com mais babados do que jamais se poderia esperar da econômica Janet, usava também um chapéu branco de palha trançada, enfeitado com rosas e três penas de avestruz. Anne surpreendeu-se muitíssimo ao vê-la vestida assim, mais tarde, descobriu o motivo que a fazia arrumar-se dessa maneira... um motivo quase tão antigo quanto o Éden.

As reuniões de oração de Valley Road pareciam ser essencialmente femininas. Além do pastor, estavam presentes trinta e duas mulheres, dois rapazes adolescentes e um homem solitário. Quando se deu conta, Anne estava analisando esse homem. Ele não era bonito nem jovem ou gracioso. Tinha pernas extremamente longas, tão longas que era preciso encolhê-las por debaixo da cadeira e seus ombros eram curvados. As mãos eram grandes e tanto o bigode quanto os cabelos precisavam ser cuidados por um barbeiro, mas Anne simpatizou com seu semblante, parecia-lhe gentil, honesto, terno e havia também algo mais, algo que Anne achou difícil de definir. Enfim, concluiu que era porque aquele homem havia sofrido e se mantido forte, de modo que a resiliência estava estampada em seu rosto. Em sua expressão, havia um tipo de resignação paciente e humorada, indicando que ele poderia chegar aos extremos da emoção se fosse necessário, mas continuaria parecendo simpático até que realmente começasse a se aborrecer.

Ao fim da reunião, este cavalheiro aproximou-se de Janet e disse:

- Permite-me acompanhá-la até sua casa, Janet?

Janet tomou-lhe o braço, "tão afetada e envergonhada quanto uma mocinha de dezesseis anos, sendo acompanhada pela primeira vez", como Anne relatou às meninas da Casa da Patty, algum tempo depois.

- Senhorita Shirley, permita-me apresentá-la ao senhor Douglas - ela disse, cerimoniosamente.

O senhor Douglas assentiu e comentou:

- Estive contemplando-a durante a reunião, senhorita, e pensando que adorável jovenzinha a senhorita é.

Noventa e nove pessoas entre cem teriam incomodado Anne amargamente se houvessem feito esse mesmo comentário. Porém, o tom usado pelo senhor Douglas ao proferir essas palavras fizeram-na sentir que havia recebido honesto e sincero elogio. Ela sorriu de forma apreciativa e seguiu-os amavelmente pela estrada iluminada pela luz do luar.

Então Janet tinha um pretendente! Anne ficara encantada. Certamente ela seria uma esposa exemplar: alegre, econômica, tolerante, além de ser uma cozinheira de mão cheia! Seria um enorme desperdício se ela terminasse a vida solteira.

- John Douglas pediu-me que te levasse para conhecer a mãe dele - ela anunciou, no dia seguinte. - Na maior parte do tempo, ela fica em cima de uma cama e nunca sai de casa; porém, adora ter companhia e sempre quer conhecer minhas pensionistas. Você pode ir comigo esta tarde?

Anne concordou, mas na tarde daquele mesmo dia, o próprio senhor Douglas veio fazer o convite à Anne em nome de sua mãe, para que ambas fossem tomar o chá com ela no sábado à tarde.

- Ah, por que não usa aquele seu belo vestido bordado, que você usou na reunião de oração? - perguntou Anne, enquanto saíam de casa. Era um dia quente e a pobre Janet, entre sua empolgação e seu pesado vestido preto de casimira, parecia estar sendo assada viva.

- Temo que a velha senhora Douglas pense que sou terrivelmente fútil e inadequada. Mas John gosta tanto daquele vestido... - considerou, pensativa.

A antiga propriedade dos Douglas ficava a menos de um quilômetro de distância de Wayside, no topo de uma colina, onde ventava muito. A casa em si era grande e confortável, e também antiga o bastante para ser digna e cercada por um bosque de bordos e pomares. Nos fundos, ficavam os celeiros, espaçosos e bem cuidados, e todo o conjunto indicava prosperidade, Anne ponderou que, quaisquer que fossem as dificuldades que marcaram aquela paciente resignação no semblante do senhor Douglas, nada tinha a ver com dívidas e credores.

Anne da IlhaOnde histórias criam vida. Descubra agora