Assuntos matrimoniais

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Anne sentiu que a vida tinha um sabor de anticlímax durante as primeiras semanas após seu retorno a Green Gables. Sentia falta do clima de alegre camaradagem da Casa da Patty. Durante o último inverno, havia idealizado sonhos tão fabulosos, os quais agora haviam se transformado em pó ao seu redor. No atual estado desgostoso consigo mesma, Anne não conseguiu recomeçar a sonhar imediatamente e logo descobriu que, enquanto a solidão com sonhos é gloriosa, a solidão sem eles tem pouco encantamento.

A jovem não havia voltado a ver Roy após a dolorosa despedida no gazebo do parque, mas Dorothy foi vê-la antes que fosse embora de Kingsport.

- Lamento tanto por você não se casar com Roy! Queria muito tê-la como irmã, mas você está certa: ele iria entediá-la profundamente. Eu o amo, ele é um garoto doce e adorável, mas não é nem um pouco interessante. Aparentemente, ele até deveria ser, mas não é.

- Isso não vai estragar a nossa amizade, vai, Dorothy? - Anne perguntou, melancólica.

- Não, de jeito nenhum! Você é uma pessoa boa demais para perdemos o contato. Se não posso tê-la como irmã, quero tê-la como amiga. E não se aflija por Roy, ele está imensamente triste agora e tenho que ouvir suas queixas o dia inteiro, mas ele vai superar. Ele sempre supera.

- Ah... sempre? - perguntou Anne, com uma ligeira mudança na entonação da voz. - Então, ele já superou antes?

- Meu Deus, sim! - admitiu Dorothy, com franqueza. - Duas vezes. E ele se queixava igualmente nessas ocasiões, não que as outras moças tivessem, de fato, recusado seu pedido de casamento, elas simplesmente anunciaram o noivado com outros rapazes. Mas é claro que, quando ele conheceu você, jurou para mim que nunca antes havia amado de verdade e me disse que os sentimentos anteriores haviam sido meras fantasias adolescentes. Contudo, não creio que você precise se preocupar.

Anne decidiu seguiu o conselho, pois sentia uma mescla de alívio e ressentimento, Roy havia afirmado convictamente que ela era a única a quem ele havia amado em toda sua vida, e sem sombra de dúvida, ele acreditava mesmo nisso, mas era um consolo saber que, muito provavelmente, ela não havia destruído a vida dele. Existiram outras deusas, e Roy, de acordo com Dorothy, decerto tinha a necessidade de estar venerando-as em algum santuário, no entanto, a vida fora despojada de muitas outras ilusões, e Anne começava a pensar, entristecida, que a existência parecia absolutamente vazia.

Na tarde de sua chegada, ela desceu do quarto com o semblante pesaroso.

- O que aconteceu com a velha Rainha da Neve, Marilla?

- Ah, eu sabia que você iria ficar triste por isso - disse Marilla. - Eu também fiquei, mas aquela árvore estava ali desde que eu era menina. A grande tempestade que tivemos em março a derrubou e seu tronco estava completamente apodrecido.

- Vou sentir tanta falta dela! - lamentou Anne. - Meu quarto já não parece o mesmo sem ela e nunca mais conseguirei olhar pela janela sem ter a sensação de perda. E, ah, nunca antes cheguei em Green Gables sem que Diana estivesse aqui para me dar as boas-vindas.

- Diana tem algo mais para pensar agora - disse a senhora Lynde, de forma significativa.

- Bem, conte-me todas as novidades de Avonlea - pediu Anne, sentando-se nos degraus da varanda, onde o sol da tarde caía sobre seus cabelos como uma fina chuva de ouro.

- Não há muitas novidades além daquelas que já lhe contamos por carta - prosseguiu a senhora Lynde. - Talvez você não saiba que Simon Fletcher quebrou a perna na semana passada. Certamente, isso é uma grande coisa para a família dele. Estão fazendo uma centena de coisas que sempre quiseram fazer antes, mas não conseguiam estando aquele velho enjoado por perto.

Anne da IlhaOnde histórias criam vida. Descubra agora