O círculo da vida

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Anne estava de volta à Avonlea, com a face radiante pela Bolsa Thorburn. Quem a encontrava pelo caminho assegurava-lhe que ela não havia mudado muito, demonstrando surpresa e certo desapontamento. Avonlea tampouco havia mudado, ao menos à primeira vista. Entretanto, no primeiro domingo após seu retorno, ao sentar-se no banco da igreja que era propriedade dos Cuthbert, Anne observou a congregação, notando diversas pequenas mudanças que, vistas em conjunto, fizeram-na perceber como o tempo é implacável, não parando de passar nem mesmo em Avonlea.

Um novo pastor ocupava o púlpito. Nos bancos, a eterna ausência de alguns rostos familiares: o velho tio Abe, com suas profecias perdidas no tempo; a senhora Peter Sloane, que já havia dado o derradeiro suspiro; Timothy Cotton, que, como dizia a senhora Lynde: "havia, finalmente, conseguido morrer, depois de ensaiar por vinte anos" e, por fim, o último que a morte levou, o velho Josiah Sloane, cujo bigode e suíças haviam sido cuidadosamente aparados e o tornado irreconhecível no caixão. Todos dormiam pela eternidade no pequeno cemitério atrás da igreja.

Billy Andrews se casara com Nettie Blewett! Ambos surgiram na igreja naquele domingo. Billy, transbordando orgulho e felicidade, acompanhou a esposa vestida em seda e adornada de plumas até o banco de Harmon Andrews, Anne baixou as pálpebras para disfarçar seu olhar malicioso. Lembrou-se da tempestuosa noite de inverno no feriado de fim de ano, quando Jane pedira sua mão em casamento, em nome de Billy. Rejeitá-la nunca lhe abalou os sentimentos. Anne questionou-se se Jane também tinha pedido a mão de Nettie no lugar de Billy ou se dessa vez o rapaz tivera coragem o suficiente de fazer ele mesmo a proposta.

Toda a família Andrews, sem exceção, parecia partilhar de seu orgulho e deleite, desde a mãe de Billy, sentada no banco, até Jane, no coral.

Pretendendo ir para o Oeste no outono, Jane renunciara ao seu cargo na escola de Avonlea.

- Certamente não encontrou nenhum pretendente em Avonlea! - disse, com desprezo, a senhora Rachel Lynde. - Falou que sua saúde irá melhorar no Oeste, mas eu nunca soube que sua saúde era debilitada.

- Jane é uma boa moça! - replicou-a Anne, com lealdade. - Nunca tentou chamar atenção, como fazem umas e outras.

- Ah, digo... ela Nunca correu atrás dos rapazes, se é o que você está dizendo. Mas, como as outras moças, é certo que gostaria de se casar e construir uma família! Haveria, por acaso, outro motivo que a levaria para o Oeste? Um lugar deserto, onde homens e mulheres são escassos? Não me diga! - respondeu sarcasticamente a senhora Lynde.

Naquele dia, não foi para Jane que Anne olhou fixamente, mas para Ruby Gillis, com surpresa e consternação. Ela estava sentada ao lado dela, no coral. O que havia acontecido com Ruby? Estava ainda mais bonita do que o habitual, porém seus olhos azuis estavam profundos e reluziam excessivamente, a julgar pelas coradas bochechas, queimava em febre. Além disso, havia emagrecido muito e suas mãos, que seguravam o hinário, estavam mórbidas e quase transparentes em sua delicadeza.

- Ruby Gillis está doente? - Anne perguntou à senhora Lynde, quando retornavam à casa.

- Ruby está morrendo de tuberculose galopante - respondeu bruscamente a senhora Lynde. - Todos sabem disso, exceto ela e sua família, que se recusam a dar o braço a torcer. Se perguntar, dirão que ela está perfeitamente bem. Porém, a menina não tem conseguido lecionar desde que teve uma crise de congestão pulmonar no último inverno, mas, segundo ela, voltará a lecionar no outono e quer que seja na escola de White Sands. A pobre menina estará é no túmulo quando as aulas começarem, isto é que é!

Anne ouviu tudo aquilo em comovido silêncio. Logo Ruby, sua antiga companheira de escola, morrendo? Seria isso possível? Nos últimos anos, elas haviam se distanciado, mas o antigo laço de amizade e cumplicidade juvenil ainda existia, fazendo com que Anne sentisse severamente o golpe que as más notícias lhe trouxeram ao coração. Ruby, a magnífica, a risonha, a favorita! Não era possível associá-la a algo tão terrível como a morte. Após o culto, ela saudara a amiga Anne com alegre cordialidade, convidando-a para uma visita ao anoitecer do dia seguinte.

Anne da IlhaOnde histórias criam vida. Descubra agora